MARIO CESAR FLORES
O Estado de S.Paulo
É inviável o funcionamento tranquilo e eficiente da democracia com nosso caleidoscópico quadro de partidos. Com exceções temáticas pontuais, em geral ficções partidárias ou "ajuntamentos" camaleônicos de conveniência, menos condicionados por ideários, diagnósticos e soluções diferentes (são similares no óbvio simpático) e mais pelos conluios da formação dos governos federal e estaduais, à margem da competência. Seria racionalmente possível 30 (ou quase isso) ideários suficientemente distintos para justificar a existência de 30 partidos? Como disse um analista político, "sobram partidos, faltam alternativas" - frase que reflete a inorganicidade partidária e a vacuidade dos ideários.
A tão falada quanto procrastinada reforma política é crucial para mudar esse cenário distópico. Há que estabelecer parâmetros indutores de partidos ideológica, doutrinária e programaticamente consistentes e regular vários temas que afetam a racionalidade política, muito citados, mas não enfrentados: fidelidade partidária, grilagem eleitoral (a questão da suplência), coligação e suas implicações na Federação, a modalidade da eleição proporcional, a quem pertence o mandato, o financiamento das campanhas, e por aí vai.
Se realizada na profundidade adequada, viveremos democraticamente uma ruptura modernizadora. A política será resgatada ao padrão que convém ao País e virá a ser naturalmente dotada de atores mais pautados pelo "servir ao País" do que pelo "servir-se do País" - atores de estatura intelectual e cultural capaz de conduzir o Brasil a novo patamar de satisfação nacional e presença internacional. Na mão contrária, a reforma será útil ao alijamento de arrivistas - a política é hoje uma "carreira" (!) em que o sucesso independe das qualificações... - e dos fichas-sujas, que transformam a política, de sacerdócio cívico, em farsa promotora da reeleição contínua, como meio de vida no patrimonialismo estatista e proteção na imunidade e/ou no foro especial.
Será ela viável? Quando político influente afirma, referindo-se às comissões congressuais hoje envolvidas no assunto, que não se mexerá nos partidos, vale perguntar: então, por que perder tempo? Nesse contexto equívoco, cabe à mídia engajar a opinião pública para impedir que o processo, de esperança, vire embromação à Lampedusa: vamos mudar para que continue o mesmo. Se não tudo, que continue o mesmo ao menos o essencial benfazejo, propensão natural quando a posição em cada tema é influenciada pela avaliação do reflexo político-eleitoral...
Além da reforma política, há muito que legislar - e a qualidade desse muito depende dessa reforma. São exemplos, também mais citados que enfrentados: a racionalização do nosso mosaico tributário e do dilema "encargos x receitas", sem a hoje excessiva sujeição de Estados e municípios à União; a reforma da Previdência, "de olho" na sua sustentabilidade; e a do serviço público, que dignifique o mérito, discipline o livre comissionamento e regule o direito de greve, preceito constitucional não cumprido até hoje! Complementarmente merecem reflexão, com vista à revisão talvez viável no futuro pós-reforma política consistente, alguns temas de difícil aceitabilidade hoje. Exemplos: a excessiva desproporcionalidade da representação dos Estados, criada no regime de 1964 para controlar o Sudeste e o Sul, mais relutantes ao regime, e mantida na Constituição de 1988, formulada por assembleia eleita na regra anterior; e o número de vereadores, que crescerá em 2012. Salvo os candidatos à bem-aventurança da vereação, alguém sente falta de vereadores em seus municípios...?
Se o processo reformista não atender à necessidade, ainda assim é provável que o Brasil continue avançando, no "embalo" da sua pujança e do empreendedorismo de setores progressistas, embora aos tropeços e sem segurança, como está ocorrendo. Continuará a ser a letra inicial da sigla Bric, mas diferente da Rússia, China e Índia, que lutam para entrar no Primeiro Mundo, aparentemente satisfeito com o destaque no hoje psicodélico Terceiro Mundo. A sociedade, mais a nova classe média apoiada na farra do crédito, talvez prossiga (por quanto tempo...?) vivendo a euforia de indicadores positivos, que, mesmo quando de fato contêm alguma verdade, são inseguros - o que não obsta serem exaltados para escamotear a realidade já preocupante. Nela, em realce: o aviltamento da ética na política e no serviço público, o quadro precário de educação e saúde, a bolha da dívida pública interna, os juros altos, a tributação elevada, o crédito como meio de vida, a onda (tendente a tsunami) dos gastos públicos (que não constrangem o empenho em grandes obras para eventos esportivos internacionais do circo anestesiante...), a ameaça ao futuro da Previdência, a exaustão fiscal do Estado, feito incapaz de continuar a ser o grande provedor da nossa cultura estatista, a retomada da inflação, o desrespeito epidêmico à lei, a violência e a criminalidade.
Com o passar do tempo a complicação da equação nacional acabará dando ensejo ao crescimento da sensação de que as relações entre sociedade e Estado não estão sendo bem intermediadas pela representação democrática. E com ela aumentará o espaço para a sedução de heterodoxias "democráticas" ao gosto sul-americano - basicamente o populismo redentorista -, de que o Brasil não é imune (seus contornos transpareceram no período 2003 a 2010, ainda que comedidamente).
A questão que se impõe é, portanto, fazer o que deve ser feito para que o desenvolvimento socioeconômico deixe de ser prejudicado pelo subdesenvolvimento político, hoje crítico na saga brasileira. O Brasil estará então apto para o progresso em harmonia social, para exercer a influência que lhe cabe na sua região e se fazer sensível e respeitado no mundo, competente para enfrentar as vicissitudes do século 21.
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