quarta-feira, 4 de maio de 2011

O futuro da energia

Estamos sujando a matriz energética



Paulo Ludmer é engenheiro eletricista, formado pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, professor de engenharia e política energética na Universidade Presbiteriana Mackenzie e no Centro Universitário da FEI. Autor de seis livros sobre política energética, é colunista especializado no assunto em vários veículos, com destaque para “Eletricidade Moderna” e “Diário do Comércio e Indústria”. Foi editor de jornais e lecionou 33 anos na Fundação Armando Álvares Penteado (Faap), nas áreas de jornalismo econômico, criatividade, ética e antropologia cultural. É o único jornalista brasileiro que participa das reuniões anuais do Conselho Mundial de Energia, desde 1989. É membro do Comitê de Estratégia da Câmara Americana de Comércio de São Paulo e foi diretor executivo da Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace) e da Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica). 
Consultor de várias empresas, faz conferências no Brasil e no exterior, tendo recebido diversos prêmios em jornalismo e literatura. É ainda membro da Academia de Letras do Estado do Rio de Janeiro.
Esta palestra de Paulo Ludmer, com o tema “O Futuro da Energia – Riscos e Oportunidades”, foi proferida em reunião do Conselho de Economia, Sociologia e Política da Fecomercio, Sesc e Senac de São Paulo no dia 21 de outubro de 2010.

Há 21 anos frequento o Conselho Mundial de Energia, um braço da Organização das Nações Unidas [ONU]. É um grupo pequeno e fechado, que se abre a cada três anos em um grande congresso, o último deles com 4,8 mil delegados e 300 palestrantes. Essa reunião acontece há mais de cem anos, tendo sido interrompida somente durante as guerras mundiais.

Em termos mundiais e sistêmicos, a energia deve ser vista sob a ótica de riscos e oportunidades, mas, como somos todos consumidores, precisamos olhar também a questão da disponibilidade. Não adianta discutir energia se ela não existe. A qualidade da energia elétrica tem de ser absolutamente impecável para que a vida siga no planeta. E qualidade significa preço, que, do ponto de vista de negócios, se traduz em competitividade. Muitas vezes se absorve um preço maior para resguardar a competitividade.

É fundamental observar que em termos mundiais o capitalismo desenvolve hoje novas lógicas e duas variáveis que antigamente não tínhamos o hábito de incluir: acessibilidade e sustentabilidade. Acessibilidade para estratos da população que não têm acesso à energia e sustentabilidade para preservar a qualidade de vida da espécie humana. Não se trata de preservar o planeta, mas a humanidade no planeta. Parece apenas semântico, mas é relevante.

O mundo hoje tem aproximadamente 6 bilhões de habitantes e o conselho estima que 2 bilhões não têm contato com energia comercial. Usam lenha, gorduras animais etc. Nesse aspecto o Brasil posa bem na foto com o programa Luz para Todos.

Quanto à sustentabilidade, temos uma matriz energética com pouco menos de 50% de fontes limpas. O mundo procura desesperadamente alcançar 20% em 2020. Ocorre, porém, que estamos sujando nossa matriz, que já foi muito melhor. Houve erros gerenciais gravíssimos, especialmente nos últimos oito anos, quando contratamos, para os próximos 20 anos, energias térmicas a óleo combustível, diesel e carvão, e fizemos isso de modo irreparável. Os contratos estão assinados e essas energias virão, sujando ainda mais nossa matriz. Elas não eram necessárias, surgiram de equações artificiais.

Punhaladas continentais

O terceiro ângulo são as soluções internacionais. A energia pode ser um foco de integração continental, mas há assimetrias, traições e desconfianças. Quando caiu o presidente Fernando de la Rúa, ficamos com a termelétrica de Uruguaiana paralisada porque a Argentina deixou de investir em gás. A Bolívia tomou nossas refinarias com tropas. O Brasil sofreu várias punhaladas no esforço de integração continental, o que afasta no curto prazo soluções energéticas supranacionais. A Europa ainda tem um parlamento, que funciona como um interlocutor. Nós não temos isso. Mas quem vai resolver todas essas questões é um ditador chamado preço. São os preços relativos de tudo que vão mudar as coisas, não os governos.

E a natureza vai fazer sua parte em termos de sustentabilidade. Teremos problemas graves como vulcões, explosões solares e tudo o que influi no clima. São elementos que continuarão atuando sobre nossa vida, como também os fatos geopolíticos e os aspectos econômicos imbricados em assuntos religiosos e culturais, e as questões socioeconômicas.

De tudo o que está por vir, surgirá fatalmente uma nova cultura, promovendo ou sustentando novas tecnologias. O que afetará então nossa vida e a de nossos filhos, no âmbito da energia, serão novas tecnologias, novos comportamentos, novas linguagens.

Há um esgotamento da água potável no mundo. Isso significa que os aquíferos são extraordinariamente importantes para o futuro da vida. O corpo humano é 70% água. Quando exportamos carne, o boi é água, assim como a galinha, os alimentos, o álcool. O que a humanidade está comprando do Brasil, em última análise, é água, somos fortes nisso. E o Aquífero Guarani, que vai de Minas Gerais à Argentina, está sendo depredado. Na Amazônia a água é agredida por mineração artesanal com mercúrio, dragas em busca de estanho etc. Países como a Austrália desmineralizam a água do mar com usinas elétricas a carvão, ou seja, para produzir água boa estão agravando as crises de energia. Países no golfo Pérsico estão agredindo seus aquíferos e têm problemas de água, assim como a China e Israel, que importa o líquido da Turquia. Se houver alguma nova guerra, provavelmente a disputa será em torno da água do rio Jordão.

Sobrevida do petróleo

Toda vez que o Conselho Mundial se reúne ficamos sabendo que por mais 40 anos ainda teremos hidrocarbonetos, teremos petróleo – um quadro que o pré-sal ajuda a compor. O mundo, porém, não suporta as tecnologias que tem hoje. O motor a combustão como o conhecemos não tem sobrevida, e isso vale para aviões e navios também. A Dinamarca, a Alemanha e a Noruega estão com esgotamento nas jazidas do mar do Norte. Os investidores internacionais não vão aplicar recursos em portos, refinarias e dutos no Oriente Médio conflagrado, no Afeganistão. Não vão fortalecer empresas petrolíferas da Rússia, cujos oleodutos passam pelo Cáucaso, Geórgia, Ucrânia. E não vão jogar seu futuro na Nigéria, na Argélia, na Líbia, na Tunísia, naqueles gasodutos que vão para a Itália e para a França por baixo do mar. Não dá para continuar assim. A vulnerabilidade de preços e de disponibilidade é insuportável. Tanto que Japão, Alemanha, Estados Unidos, Austrália etc. são carboníferos. Mais de 70% da energia da China vem do carvão. Esse minério tem um futuro assegurado por décadas, miseravelmente para todos nós.

Então empresas alemãs, escandinavas e holandesas estão se associando e investindo no pré-sal, porque o petróleo ainda tem sobrevida. As frotas de automóveis vão virar sucata antes de uma total mudança tecnológica, que já está em curso.

A energia eólica, que vem em primeiro lugar na fila da competitividade, alcançou essa posição porque dá liberdade geopolítica para quem a usa. O vento é democrático, dá mais autonomia. A energia eólica na Europa é competitiva, com um fator de capacidade de até 30% para a usina. No Brasil temos usinas com fator de capacidade de 40%, 50%. São os melhores ventos, os mais constantes, com o dobro da velocidade média do mundo. Estão no Rio Grande do Norte e no Ceará em particular, mas não conseguimos baratear os custos. Os portos próximos não têm capacidade para receber os equipamentos, que precisam aportar em Pernambuco. Imaginem um treminhão levando uma pá de 70 metros através das dunas. Sou apaixonado pela energia eólica, ela é mais cara, só sobrevive por conta de incentivos em qualquer país, mas vem se implantando. Não é competitiva por si, como nenhuma das renováveis em relação às hidrelétricas.

Há também quem prefira as fontes nucleares, como Coreia do Sul, Índia e vários outros países. Geotermia é outra opção, para quem tem água quente no subsolo. E há alguma coisa relativa à energia maremotriz, que utiliza as ondas do mar. A energia solar não é competitiva ainda.

A opção nuclear terá um enorme sentido quando a humanidade chegar à fusão nuclear sem resíduos. Esse é um lixo que não se pode guardar nos mares abissais, porque alguns cilindros vitrificados e chumbados já se abriram no Japão. Nas minas profundas de sal na Alemanha isso também não é possível. Os Estados Unidos já gastaram no deserto de Mojave US$ 1 bilhão em pesquisas para descobrir o que fazer com esses resíduos, e o Brasil acredita que é tranquilo guardá-los na serra do Cachimbo, depois de ter gasto US$ 5 milhões em pesquisa.

Temos também a biomassa. A biodigestão é fantástica. Pode-se fazer uma cisterna num prédio, em que se depositam todos os dejetos orgânicos, é inodoro. Dali se tira fertilizante com PH7 e gás metano suficiente para alimentar os fogões do próprio edifício. Na China há 5 milhões de biodigestores domésticos. É uma opção válida para hospitais, para restaurantes, para supermercados. Enfim, a biodigestão é um comprometimento nosso com a responsabilidade social.

No Brasil, o uso de energia eólica pouparia água dos lagos hidrelétricos. Na Europa não é assim. Quando há vento, guardam a energia em células de hidrogênio ou em baterias de automóvel, por exemplo. Se desligarem as térmicas a carvão e a óleo, como vão injetar calor nas redes das cidades? Então estão queimando lixo. A Dinamarca queima 100% do lixo, inclusive hospitalar, isso a 10 quilômetros de Copenhague. E aquilo é um jardim, não se sente cheiro e não se agride a vida urbana em nada. A Dinamarca, aliás, é a maior produtora de porcos do mundo. Tudo o que é usado na produção é 100% aproveitado, vira biodiesel ou gás fertilizante, carbono zero. Isso tem um custo enorme, mas são sociedades que estão investindo para se adaptar aos novos tempos.

Etanol, uma nova era

O Brasil não pode ignorar isso, de jeito nenhum. Temos de qualificar mão de obra para esse novo tempo. Logística, regulação, arbitragem, temos de preparar tudo isso, porque não somos uma ilha. O Primeiro Mundo quer se livrar dos hidrocarbonetos e está investindo em eólicas e no etanol. O etanol, aliás, praticamente já entrou numa nova era. Como a Europa precisa se livrar da dependência geopolítica militar – os europeus pagam e os Estados Unidos põem tropas para assegurar os hidrocarbonetos –, o etanol vai entrar lá de uma maneira nova. Os americanos e a Comunidade Europeia estão investindo pesadamente em pesquisa para tirar etanol de qualquer coisa verde, através de enzimas – uma tecnologia que deverá estar disponível em até dez anos. Isso significa que nosso modo de tirar álcool vai entrar em obsolescência em 20 anos no máximo, porque a pressão mundial em torno da sustentabilidade vai exigir que a gente não queime nem os canaviais nem o bagaço para produzir energia elétrica. Tudo o que é queima, podendo ser evitado, será contemplado.

O que influencia isso tudo, porém, é a competitividade, são os preços altos do petróleo, que não vão baixar, porque a China incluiu no mercado 400 milhões de habitantes – falta 1 bilhão. E não é só a China, a Indonésia tem 250 milhões, a Índia 1,1 bilhão. A inclusão dos povos da Ásia mantém o preço do petróleo, que por sua vez arrasta o dos sucedâneos. Se ficar menor que US$ 80 o barril, que é o patamar em que está, muito disso não vai se realizar.

Quanto aos motores elétricos para automóveis, eles dependem de baterias à base de lítio. E onde existe esse elemento no mundo? O Afeganistão é a maior reserva. Depois vem a Bolívia, de Evo Morales. Aqueles índios e cocaleiros não têm nada a perder, porque nunca tiveram nada. Vejam o caso do gás. Eles fecham as estradas. O gás natural precisa ser lavado quimicamente antes de ir para o pipeline. Ao lavá-lo, extrai-se o GLP, que é o gás de cozinha, além de gasolina, nafta e derivados leves. A Bolívia vive da lavagem do gás, que representa 60% da lucratividade do negócio. Quando bloqueiam as estradas, não passa nada e param a produção de gás. É esse o cocaleiro-bomba. Quem estaria disposto a investir em lítio da Bolívia ou do Afeganistão? É claro que há empresários que aceitam tais riscos, mas não é a regra.

No caso da fusão nuclear, por que ela não acontece? Por causa da metalografia. A humanidade não foi capaz de desenvolver metais que aguentem a temperatura de fusão nuclear.

Pré-sal politizado

E quem quer prolongar o ciclo dos hidrocarbonetos? O pré-sal é um bom exemplo. O Brasil descobre um tesouro submerso na pior hora, quando o mundo quer se livrar do petróleo. O que há de errado com o pré-sal? Foi politizado, o estatismo tem prevalecido, a intervenção. O problema da intervenção é que o capitalismo de Estado cria gorduras e depois a sociedade paga por elas. Nele se faz a produção ir na frente do consumo e isso cria ineficiências enormes. E ao ser politizado passamos a discutir dinheiro, rendimentos, com quem fica o quê. E não se fala na quantidade de gás carbônico que está lá embaixo e que é maior do que o que a humanidade já injetou na atmosfera ao longo dos últimos cem anos. Se vazar...

A Petrobras diz que já tem tecnologia para contê-lo lá embaixo, mas as camadas de sal naquelas temperaturas da Terra se liquefazem e então aqueles poços podem desmoronar sobre si mesmos. Um tanque Sherman lá embaixo estaria sob uma pressão tal que ficaria esmagado e viraria uma película de metal. Confio que a Petrobras tecnologicamente vença tudo isso. Ocorre que há uma corrida. Primeiro, há os custos, o petróleo tem de valer um mínimo para que isso se execute. O país tem de aceitar um crescimento da formação bruta de capital, que está em 17% ou 18% do PIB, para 25%, 30% de repente. Isso não tem paralelo na história da humanidade. Serão, sabe-se lá, US$ 600 bilhões na primeira passada de lupa. Vejam, portanto, o que temos pela frente, enquanto o mundo está correndo para se ver livre do petróleo.

O carvão ainda é coqueluche. Recentemente a Índia manifestou que não desiste do carvão por nada, chocando a todos. Declarou isso em uma mesa sobre sustentabilidade, ou seja, ainda não se conseguiu uma orquestração mundial em torno de alguma coisa nessa área. De novo, a natureza, os preços e as tecnologias é que vão dar as cartas. Uma das tecnologias existentes é coal to gas, que já está em uso. Transforma-se carvão em gás ou em líquido.

A exploração de petróleo no Alasca, no Ártico, nas Malvinas e na Antártida já começou. As areias betuminosas do Canadá, embora em crise, hoje fornecem alguns milhares de barris diários. Temos no Paraná o xisto betuminoso, uma instalação da Petrobras tira 5 mil barris por dia.

Fontes abundantes

No Brasil, a disponibilidade de energia é ampla e diversa. Temos todas as fontes, sol, ventos, mais de 100 milhões de toneladas de grãos todo ano. Pode-se queimar palha de milho, casca de arroz, babaçu, o que se inventar. É uma abundância de fontes e são até competitivas. Há uma combinação muito interessante no país: quando venta, não chove. Então, quando as nossas bacias hidrográficas entram em estiagem, começa a ventar. Isso serve para toda a bacia do rio São Francisco. As eólicas são uma dádiva, e no sudeste e centro-oeste existe a biomassa. Vamos manter os lagos cheios, porque a cana é colhida de maio a novembro, e é quando dá para gerar energia com ela. Estou falando do curto prazo, cinco anos.

Temos urânio, uma das maiores jazidas, e dominamos quase toda a cadeia do ciclo nuclear. Não temos o que fazer com o lixo, mas ninguém tem. Temos uma enorme jazida de carvão no sul e as novas usinas já caminham para carbono muito baixo e até zero em 2050.

A qualidade da energia tende a crescer, mas pressiona os custos. Existe uma fatalidade no mundo, que é o smart grid, rede inteligente. No máximo em dez anos, todos os medidores de nossas casas e escritórios serão mudados. Isso vai fortalecer as teles, que terão uma quantidade enorme de dados para transmitir a distância e provavelmente vão engolir as empresas do setor elétrico. Vão comprar as distribuidoras ou se fundir.

Por que as medições a distância? Hoje se roubam no Brasil 20% da energia. Não é possível entrar numa favela do Rio de Janeiro e desligar os gatos. Em Manaus, há bairros inteiros com ligações clandestinas. Não se dão ao trabalho de desligar a lâmpada durante o dia porque não precisam, é tudo roubado. Há muitas geladeiras no Brasil sem porta, funcionando. Com esses novos medidores vamos conseguir mais eficiência.

Mas existe um problema, nossa intimidade será invadida, porque vão saber quanto consumimos rigorosamente e a que hora. A tarifação será pelo momento do consumo, em determinados horários será mais cara. Isso vai valer para água e gás. Além disso, o smart grid permitirá recarga de carros elétricos, haverá vários desdobramentos.

Como será esse mundo? Nele, a qualidade terá de ser micromilimétrica. Vale dizer, não poderemos ter apagão. Imaginem uma pane que anule esses medidores. É claro que haverá um sistema de proteção para que funcionem algum tempo sem energia, mas imaginem se houver problemas de frequência e oscilações profundas, hoje tão usuais.

Para aumentar a qualidade do suprimento será preciso enterrar as redes. Assim não haverá problemas de vento ou de raios. Mas não vai ser possível fazer isso, porque o brasileiro não tem poder aquisitivo para arcar com o custo. Como resolver isso, não sei, é inimaginável.

Além disso, é injusto pagarmos pela energia tanto quanto nossos irmãos em Milão, Tel Aviv, Washington, Berlim ou Tóquio. No entanto, isso acontece. Nossa energia é hidráulica, a maior parte do parque já se pagou por tarifas. É preciso combinar poder aquisitivo com preço de energia.

Quais são os artifícios que levam nossa energia a um preço tão alto? Metade da conta de luz doméstica refere-se a encargos e tributos, ônus artificiais. Pagamos de encargos R$ 15 bilhões por ano, o que seria mais do que suficiente para expandir o setor elétrico sem nenhuma dor de cabeça, sobrariam recursos. Boa parte desses encargos é de raiz jurídica discutível, todos com mapa político próprio. É um dinheiro que viaja e ninguém acompanha o destino. Não tem prazo para acabar, não tem resultados para medir. São os mais diversos encargos, inclusive aquele Luz para Todos. Alguns senadores querem fazer um gasoduto com esses fundos, do Maranhão ao Mato Grosso do Sul, levando do nada ao nada. São inúmeras as peripécias legislativas para pôr a mão nesses recursos. Só de Conta de Consumo de Combustíveis [CCC], dinheiro também bastante discutível que mandamos para a região norte, são R$ 4 bilhões a R$ 5 bilhões por ano.

Enfim, são 12 encargos, um pior que o outro, e continuam a ser criados pelo Congresso. O Luz para Todos posa bem na foto, mas tira a competitividade dos negócios, provoca renúncias fiscais, faz um estrago. Pior: os agentes econômicos que absorvem tais encargos colocam isso em seus preços, então tudo volta para a sociedade de um modo muito mais perverso, porque vem sob a forma de preços. É uma política ilusória esse distributivismo através do consumidor de energia. No Brasil ele virou coletoria, porque através dele é fácil arrecadar.

Energia versus ambiente

A disponibilidade de energia está folgada até 2014. O custo vai subir pelo menos 30% nas tarifas, antes dos encargos e dos tributos. Alguns impostos a cadeia produtiva repassa, como o ICMS [Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços]. Mas o consumidor residencial não tem para quem repassá-los, é uma grande perversidade.

Quanto ao tema reservatórios versus ambientalismo, penso que as represas ajudariam demais o Brasil no que se refere a regularização de rios, transporte naval, saneamento, água potável para as cidades etc. Lembro que as únicas áreas verdes que restaram no sudeste são aquelas em volta dos reservatórios.

Historicamente não há como produzir energia sem causar impacto na natureza. Além disso, as pessoas agridem o ambiente pelo modo como usam a energia, o que é muito pior. O mundo rico primeiro esgotou seus lagos hidrelétricos e depois foi pensar em outras coisas. Aqui não nos deixam fazer isso. E as novas usinas que vêm por aí, como as do rio Madeira, usam só a energia cinética da água, sem lagos. Isso significa um mau aproveitamento, sobretudo porque vamos utilizar turbinas bulbo, de tamanho e de escala que o mundo também não está acostumado a usar. São aventuras experimentais, até se fala em turbinas flutuantes, seriam ilhas boiando nas correntes dos rios, mais caras, menos eficientes e ainda de sucesso discutível. Oxalá dê certo, mas o custo que isso tudo está tendo para nós é um pecado. Eu morro pela democracia, mas ela tem o problema de a maioria às vezes esmagar o bom senso.

Uma hidrelétrica no Brasil, antes de começar a operar, paga 34% de impostos. Em nenhum lugar do mundo é assim. O óleo combustível nos Estados Unidos paga 6% de imposto, no Canadá é zero. No Brasil deve passar de 30% e sofre deformações na precificação. Esse óleo é um resíduo do petróleo, como o bagaço da laranja ou o osso da vaca. Mas aqui custa mais que o petróleo. Então é melhor queimar direto o petróleo, para que refinar?

Para finalizar, devo dizer que os aquíferos no Brasil garantem nossa vocação de exportadores de água, mas não queremos ser só isso. Os reservatórios de acumulação, eu os defendo. Nossa matriz está se sujando. Estamos posando bem na foto, mas não é por muito tempo. Aí vêm distorções. O capitalismo de Estado tem final conhecido, a Rússia é o melhor exemplo, e não estou falando da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, mas da Rússia.

Debate

JOSUÉ MUSSALÉM – Sobre a matriz energética brasileira, pelo menos em 2009, havia um cálculo de que 42% de nossa energia era baseada em fontes renováveis, evidentemente com o apoio muito forte da hidreletricidade. Mas as hidrelétricas que estão sendo construídas hoje no Brasil estão gerando problemas de discussão ambiental. Gostaria também de ouvir sua opinião sobre a energia solar. Recentemente houve um escândalo da Casa Civil, referente a um projeto de R$ 9 bilhões para energia solar na Bahia. Especialistas disseram que o projeto é um absurdo, uma grande mentira. Sabemos que existem usinas solares em Sevilha e também em Dubai.

PAULO LUDMER – Também no norte da África e na Alemanha.

MUSSALÉM – São usinas de grandes proporções.

PAULO – Quanto à questão das hidrelétricas, sou a favor de lagos maiores, naturalmente compensando e resguardando tudo o que for possível no ambiente. Essas obras têm licença prévia, assim como de instalação e de operação, quando ficam prontas. São três momentos longos, difíceis, mas com as exigências cumpridas não há por que não fazer direito. 
A energia solar no Brasil é muito, muito cara, mas o preço está em declínio, graças a pesquisas. Os painéis solares se aplicam a barcos, estações de medição meteorológica, estações em terra para enviar sinais para aviação, barrancas de rio. Com o Luz para Todos, a Coelba [Companhia de Eletricidade do Estado da Bahia], em vez de fazer uma linha de 30 quilômetros para atender a uma fazendola que consome 500 quilowatts, instalou painéis solares e cobra a tarifa normal. Nós todos subsidiamos aquilo. Ninguém pode ser contra o acesso dos estratos mais pobres da população à luz, ocorre que é uma política pública que não pode ser feita às custas do consumidor, mas dos contribuintes, mesmo que ambos estejam no mesmo universo. Por uma questão de legitimidade e de decência, o governo tem de usar o Tesouro para fins adequados. Esses esforços solares só resistem com incentivos enormes.

MOACYR VAZ GUIMARÃES – Em face do encadeamento de sua exposição, principalmente quando falou da possibilidade de esgotamento desta ou daquela fonte de energia e das complicações para a adoção de outras, faço uma pergunta talvez radical, mas que não posso deixar de apresentar. Haverá esperança de sobrevivência no final deste século?

PAULO – A resposta é sim. Nossos filhos vão achar a saída. Vamos supor que o volume dos oceanos aumente, países da Oceania desapareçam, o Japão perca as terras que conquistou do mar, a Holanda fique sem os Países Baixos, Alagoas, Recife, e outros locais sejam prejudicados. Nesse caso, a natureza prestará o serviço que nossos filhos talvez precisem, uma vez que os governos não conseguem se organizar e tomar as rédeas do destino da humanidade. Nossos descendentes vão dar a solução, sim. Certamente nossos avós pensaram um dia que estávamos condenados ao desastre e sobrevivemos.

HUGO NAPOLEÃO – Recentemente vi no jornal “O Globo” uma fotografia por satélite da camada de gelo do polo norte, que em 33 anos se reduziu a um terço do tamanho original. Parece que há a previsão de uma catástrofe, pois o mar invadiria a Europa. Não sei se é fantasioso, mas de qualquer maneira há um problema real. 
No Piauí há uma grande preocupação em torno da preservação de nascentes e matas ciliares, sobretudo junto ao Parnaíba, na fronteira com o Maranhão. O rio está assoreado e não há mais o que os avós contavam, de ter navegado em vapores ou mesmo de balsa. É altamente preocupante. 
Essa é apenas uma consideração. Minha pergunta diz respeito ao bagaço de cana, cujo método de extração em 20 anos estará obsoleto. Isso valeria também para a mamona e o pinhão-roxo, outras alternativas?

PAULO – Primeiramente, não se sabe se a natureza por si só já é causa suficiente para tudo o que está acontecendo. O que se sabe é que é necessária a contribuição da humanidade para não agravar o que a natureza vez ou outra faz em ciclos, como uma tentativa nossa de sobreviver mesmo do jeito que somos. Quanto às calotas, para se ter uma ideia, em setembro de 2009 houve um derretimento de tal ordem na Groenlândia que os navios do Canadá alcançavam a Rússia e a China, com todos aqueles cereais que são concorrentes do Brasil, por rotas comerciais onde antes havia gelo. Se isso continuar, inclusive em termos de comércio mundial, haverá consequências visíveis. 
Com relação à mamona e ao pinhão-roxo, não conheço as técnicas de produção, mas um índice que pode ser acompanhado é a quantidade de água: temos de produzir o mesmo com menos água. Isso não quer dizer que a irrigação seja proibida, mas a água vai adquirir um grande valor, porque é a raiz de tudo. Nós discutimos muito energia, mas o núcleo é a água. E como temos muita água, nós a usamos de modo muito perdulário, todos nós.

NEY FIGUEIREDO – No Brasil há mais de 15 anos se difundiu muito nos condomínios e mesmo em residências o uso da energia solar. Viajando pelo interior paulista, vemos até postes de iluminação com placas solares, e prédios também as estão utilizando. Mas não se veem equipamentos de energia eólica. Se ela é o futuro, pois temos vento 24 horas por dia, por que não se usa ainda no Brasil essa fonte energética em fazendas e condomínios? Há algum impedimento tecnológico?

PAULO – A primeira coisa é medir o vento, e isso leva muito tempo, cerca de cinco anos. Em São Paulo, há pouco vento.

ISAAC JARDANOVSKI – De qualquer maneira, instalação em condomínio seria inviável, devido ao tamanho das peças.

PAULO – Não, existem peças de pequeno porte, no Ceará até se usa.

ISAAC – Mas mesmo assim uma área seria necessária, o que é muito difícil aqui.

PAULO – Pode ser, não vou discordar. Apenas lembro que é preciso haver vento e as áreas de vento no Brasil são o Rio Grande do Sul, muito pouco em Santa Catarina, muito no nordeste todo, da Bahia até o Amapá, e no vale do Jequitinhonha. Mas isso foi medido com torres anemométricas de 30 a 60 metros de altura. Hoje está se fazendo um novo mapa eólico com torres de 100 metros. A mais tradicional e antiga medida feita no país, nosso mapa eólico, revela um potencial de 150 gigawatts, o que é uma vez e meia tudo o que se usa hoje aqui de energia elétrica. Com torres a 300 metros em milhares de quilômetros na costa, o Brasil seria uma loucura. Temos energia abundante, Deus nos abençoou.

JOSEF BARAT – A matriz energética é muito influenciada pela de transportes e esta repousa basicamente sobre os derivados de petróleo. Então a pressão é muito violenta e qualquer mudança na matriz de transportes exige uma visão de longo prazo, de transformações estruturais. Isso continuará pressionando a matriz energética, que também não tem muita possibilidade de mudança, porque há rigidez. 
Na indústria, por exemplo, há um problema sério. Estimulam o uso de óleo combustível e de repente passam para o gás natural. Aí falta o gás natural e o empresário tem de voltar para o óleo, pagando mais caro. É uma loucura, não temos políticas energéticas que integrem com outros setores. A tradição brasileira é de compartimentos estanques, ninguém se dispõe a transcender seu próprio limite. Gostaria de ouvi-lo sobre isso.

PAULO – A questão energética e ambiental se distribui em três grandes blocos: transportes, áreas produtivas e domicílios. De fato, os lobbies comandam o mundo do transporte no Brasil. A pressão vem de fora, até porque as produtoras de automóveis não são de capital nacional, mas planetário. E agora o mundo rico e influente está fazendo nossa cabeça pelo carro elétrico.

FÉLIX MAJORANA – Fui secretário da Habitação em Santo André, antes de passar para a Secretaria da Educação. Uma grande parte do município é de mata atlântica, aquela área de Paranapiacaba. É difícil mantê-la intacta, porque os donos preferem transformá-la em dinheiro. Na época propus que constasse no código de obras a possibilidade de os empreendimentos serem autossustentados. O empreendimento seria autorizado em qualquer lugar, desde que fosse autossustentável, produzindo a água que consumisse, tratando o lixo e o esgoto etc. A oposição foi muito grande. 
A água no Brasil é muito barata, há muito roubo, à noite quebram o asfalto nas favelas e depois pintam com tinta preta, fica difícil descobrir os gatos. Não está na hora de cuidar melhor da água? Nos banheiros se dá descarga com água clorada e fluoretada, muito cara. Por que os edifícios não podem ser autossustentados?

PAULO – Os escândalos da água ainda não afloraram na imprensa como os de energia. Vou lembrar duas coisas. Quando a Mercedes-Benz se instalou, fez uma adução de água para consumo próprio. Hoje essa adução é considerada água do público, e a Mercedes está estrangulada, não tem suprimento. O projeto Billings é algo sensacional, a queda de água para a usina hidrelétrica de Cubatão é de 900 metros, com custo de R$ 5 por megawatt-hora. E a energia é vendida no mercado spot a R$ 150. Esse projeto foi totalmente deformado, permitiram invasões, o rio Cubatão foi todo conurbado. Nossa Assembleia Legislativa pegou o esgoto que ia para lá e jogou Tietê acima para Santana do Parnaíba. Até hoje a imprensa acusa a indústria de ter poluído Cubatão, mas quem fez isso foram os governos omissos.

ISAAC – A propósito da sustentabilidade em edifícios, o prédio que a Federação do Comércio está construindo ao lado de sua sede, em São Paulo, terá certificado de sustentabilidade. É uma prática que está evoluindo entre as construtoras. Significa economia de água e de energia, principalmente em ar condicionado e tratamento de lixo, independentemente de qualquer dispositivo legal. O prédio vai custar pelo menos 10% mais, mas o mercado paga isso, pois o valor locatício dessas áreas é mais alto.

EDUARDO SILVA – Tenho trabalhado nos últimos anos com transporte e o que se vê nas grandes cidades é a necessidade de voltar ao passado, modificar o que está acontecendo. Queria que você me sugerisse outra palavra que fosse o oposto de sustentabilidade, algo como “modificabilidade”, por exemplo. O que precisamos fazer é modificar e não sustentar, temos de voltar para trás. Precisamos de algumas palavras que levem a algo diferente do que estamos vivendo. Se não tivéssemos acabado com os bondes há pouco mais de 50 anos, hoje estaria tudo resolvido.

PAULO – O grande escritor argentino Jorge Luis Borges dizia: o escritor é o outro. Ou seja, quem escreve livros é o leitor, porque ele lê com seu próprio repertório, com o que as palavras significam para ele. A palavra “sustentabilidade” não precisaria ser modificada, pelo que entendo dela. Não significa a manutenção do que está aí, mas considera todos os itens necessários para que avancemos com mais qualidade de vida, conforto, riqueza. Portanto, as intervenções que impliquem voltar ao passado cabem na palavra “sustentabilidade”, se tiverem essa direção. O problema é semântico, é o que cada palavra significa para cada um. E ele é grave, porque nada tem o mesmo significado para você e para outro.

NEY PRADO – A respeito de semântica, lembro o pensamento de um cientista político americano, Samuel Huntington, que escreveu um alentado livro distinguindo modernização de modernidade. Ele disse que há certos países que não atingiram a modernidade e estão caminhando por meio de um processo de modernização para chegar àquele estágio mais avançado. Imagino que o Brasil esteja exatamente na fase da modernização, que, segundo o autor, afeta todos os aspectos da vida humana, inclusive o cultural. 
Quando analisamos o Brasil, precisamos ter consciência de que ainda estamos vivendo uma época de transição política, econômica e social. É um período muito rico e permite que tenhamos uma discussão como esta, em que as ideias aparentemente se contrapõem, mas no fundo têm o propósito de chegar a uma síntese.

MARISA AMATO – Meu pai sempre dizia que quando duas pessoas falam, na verdade não são duas, é muito mais do que isso. Na realidade são vários pensamentos a respeito da mesma coisa.

PAULO – A agenda da nação poderia ser conduzida por nossas elites tradicionais, como Villares, Bardella, Paulo Francini, Skaf, Antônio Ermírio, Gerdau. Não o fizeram e surgiu outra elite, os urbanitários, os sem-terra, os sem-teto. Esses têm uma agenda negocial sindical. Há outras elites, como os jogadores de futebol que aos 20 anos têm R$ 100 milhões no banco, os artistas, o Comando Vermelho e o PCC. São elites. Os filhos dos presidiários que comandam a vida nacional das cadeias são uma elite, estão nas melhores universidades, têm os melhores carros, estão nas colunas sociais. O que quero dizer é que nossas elites, tenham o nome que for, e as que surgiram são lamentáveis, não criaram a agenda.

VICENTE MAROTTA RANGEL – Nós sabemos a riqueza dos nódulos polimetálicos que se cristalizam pela presença de ferro, manganês, cobalto e zinco nos fundos oceânicos, que estão além da plataforma continental dos Estados. Pergunto se o conferencista tem alguma informação a respeito do que essa área marítima pode apresentar em contribuição para o fornecimento de energia.

PAULO – Os mares absorvem gás carbônico, fazem a fotossíntese, as algas e ilhas de corais têm um papel importante e isso corre o risco de se inverter com o que está se passando. Em vez de absorver os gases de efeito estufa, eles passariam a emitir. Os lagos hidrelétricos, com a matéria verde que fica submersa, também produzem algum gás metano. Viver é realmente perigoso.

LUIZ GORNSTEIN – O governo de São Paulo privatizou a Eletropaulo, a CPFL e parte da Cesp. Queria saber se isso foi bom para o Tesouro paulista ou para os consumidores.

PAULO – Antes de 1983, quando assumiu em São Paulo o governador Franco Montoro, o primeiro democraticamente eleito depois da ditadura, a Cesp, a Comgás e a Eletropaulo tinham 50 mil funcionários. Na folha complementar da Cesp havia 3 mil pessoas que não tinham nada a ver com a empresa. E recebiam salários médios superiores aos que eram pagos aos engenheiros da própria Cesp. Ela tinha 400 engenheiros e não havia obras, porque Montoro cortou. Tinha mais jornalistas do que todas as grandes redações de São Paulo. Tinha um corpo jurídico imenso e perdia todas as questões. Hoje Cesp e Eletropaulo juntas não têm 20 engenheiros, um grupo que funciona melhor e atende mais gente. De lá para cá, não sei se foi a privatização, mas alguma coisa aconteceu que melhorou.

SAMUEL PFROMM NETTO – Quando minha filha era pequenina, dizia assim: “Papai, hoje o amanhã está virando ontem muito depressa”. É esse o Brasil em que estamos vivendo, as coisas nos atropelam. Vemos um país em que o pós-moderno convive com um incrível anacronismo político e ideológico. Um pós-moderno que está na contramão dos rumos do mundo civilizado nas últimas décadas, sem deixar de observar que o colosso chinês constitui um caso à parte realmente desconcertante e paradoxal. Não acha que os ventos da irracionalidade, combinada com a sem-vergonhice, estão soprando forte demais nos rumos deste país paradoxal chamado Brasil?

PAULO – Se me permite, estamos num fluxo que vem e que vai. Se eu batizar isso de irracionalidade, vou contaminar o fluxo inteiro, e aí entra um pouco de esperança, torcida e fé. Não tenho critérios maiores do que esses para lhe dizer que espero que não.

NEY PRADO – Mas podemos acreditar na ordem espontânea que está acima do poder criativo do homem. A sobrevivência nos leva à solução de conflitos, não é?

SAMUEL – Desculpe-me, mas os dinossauros desapareceram.

PAULO – Eles se transformaram.

SAMUEL – Podemos estar vivendo o fim da espécie “dinossáurica”, que somos nós, uma espécie que pode desaparecer.

PAULO – Enquanto animais, vamos nos transformar. Com o uso das células-tronco, quem fraturou a coluna hoje terá esperança de andar amanhã. Seremos outros bichos. Como você vai explicar a sua neta como era viver sem celular?

JACOB KLINTOWITZ – Penso que estamos vivendo um momento em que um paradigma se esgotou. Quando isso ocorre, os processos de pensamento, de execução e a própria ideia da dimensão do real são modificados. Essa mudança de paradigma curiosamente recupera valores antigos e perenes, de caráter moral. Vejo que nos valores que a humanidade ainda preserva há possibilidade de salvação. Pergunto-lhe se, com sua abrangência de visão e experiência do que se passa no mundo, você vê uma possibilidade de esse novo paradigma ser implantado ou renovado, inclusive em nosso país?

PAULO – Vejo. Escrevi num poema para meu neto que esse menino restabelece em mim a simultaneidade do tempo. Até agora uma das palavras de que eu mais gostava na língua portuguesa era “entre”, porque estamos sempre entre. Quando meu neto me devolve a ideia de simultaneidade, não é só estar entre, é estar com tudo. A última palavra não existe, por isso acredito em novos, novos e novos paradigmas.
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