terça-feira, 13 de março de 2012

Novo cenário internacional

 RUBENS BARBOSA
O Estado de S.Paulo


No Centro de Pensamento Estratégico do governo da Colômbia participei de encontro sobre o Brasil e a Ásia, com ênfase no nosso relacionamento com a China. Mais recentemente, a convite do Centro de Análise Estratégica do governo francês, em Paris, representei a Fiesp em colóquio sobre o novo mundo em formação como consequência das profundas transformações por que passa o cenário internacional. O Brasil foi o único membro do Brics presente ao encontro, o que indica o interesse que o País hoje desperta.

Reuniões desse tipo se multiplicam nos principais centros de pensamento dos EUA, da Europa e da China, países que estão no centro dos acontecimentos e pretendem antecipar as novas tendências globais ou para elas contribuir. No Brasil, no entanto, são raras. Preferimos organizar encontros para atrair investidores ou para louvar para nós mesmos os importantes avanços econômicos, sociais e nas relações internacionais que ocorreram no País nas últimas duas décadas. Pouco discutimos sobre como o mundo está evoluindo, sobre os valores que emergirão, sobre os modelos de crescimento, sobre o lugar da América do Sul no novo equilíbrio internacional e qual o papel que o Brasil deve representar nesse cenário em transição.

A presença do primeiro-ministro francês, François Fillon, na abertura do evento parisiense e do presidente Nicolas Sarkosy no encerramento, no Palácio de l'Elysée, dá a dimensão da importância do encontro. Ambos reconheceram as dificuldades econômicas por que atravessa a Europa e assinalaram os efeitos das mudanças em curso no cenário internacional.

Ficou claro que a perda da competitividade e a desindustrialização, agravadas pela concorrência desleal e pelo dumping cambial, estão acarretando o crescente desemprego e o baixo crescimento na grande maioria dos países do Continente Europeu. A palavra de ordem, repetida inúmeras vezes pelos líderes políticos e empresariais participantes do encontro, foi "reciprocidade de tratamento nas trocas comerciais e nas políticas industriais". O protecionismo, condenado retoricamente por todos, estava presente nas entrelinhas dos pronunciamentos e ficou subentendido na nova ênfase posta na reciprocidade.

O novo mundo não será mais aquele das posições historicamente conquistadas pelos países desenvolvidos. Não importam o tamanho, a população ou os recursos naturais, as potências de amanhã serão as que conquistarem as condições para serem competitivas e inovadoras.

O mundo multipolar que se vem desenhando traz o risco de novas tensões, mas, se a comunidade internacional conseguir pôr em vigor uma nova governança global, também oportunidades sem precedentes de cooperação. A reforma do Conselho de Segurança da ONU, com a inclusão do Brasil, da Índia, da Alemanha, do Japão e de representante da África - continente que em 2050 terá mais habitantes do que a China e a Índia juntas, no dizer de Sarkozy -, foi defendida abertamente. A necessidade de mudança da Organização Mundial de Comércio (OMC) foi igualmente reconhecida como urgente, juntamente com ajustes nas organizações financeiras, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial, a exemplo do que ocorreu com o G-20, diretório mais representativo do que o G-7 para a discussão das questões econômicas e financeiras globais. O poderio econômico não pode ser durável sem responsabilidade política, como, por exemplo, a luta contra a pobreza, a paz e a segurança internacionais.

A transição para esse novo mundo não será imediata, mas o processo já está em curso e não tem volta. Em minhas intervenções ressaltei que estamos no limiar de um mundo pós-ocidental e que o modelo de crescimento europeu terá grande dificuldade para se recuperar. Mostrei que o mundo multipolar em formação terá como polo político e econômico-financeiro não o Atlântico, mas o Pacífico, e que o rearranjo produtivo mundial, com a China tornando-se o grande produtor industrial global, tornará difícil recuperar o crescimento e a redução do desemprego na maioria dos países da Europa. Acentuei ser imperativo que as potências hoje estabelecidas reconheçam as novas circunstâncias internacionais criadas por países como os Brics e, em vez de resistir, acelerem as modificações necessárias para uma nova governança global, em especial no tocante ao Conselho de Segurança da ONU, cuja composição está congelada desde 1945 e reflete uma situação política de pós-guerra, hoje totalmente superada.

Apesar de o presidente francês ter reconhecido que os países europeu devem aceitar a realidade, ou seja, conviver com os novos países cada vez mais influentes nas decisões econômicas, comerciais, financeiras e políticas, foi interessante verificar a dificuldade de grande parte dos participantes de reconhecer a perda de poder do Continente Europeu no mundo que emerge. A ameaça de desintegração política com o fim da União Europeia ou o enfraquecimento do sistema monetário europeu com a eventual saída de algum país - como a Grécia, por exemplo - encontram reação imediata, por meio do apelo à cooperação ampliada. Uma nova política industrial, demandada por todos os empresários presentes, enfrentará resistências dos grupos sociais que se sentirão prejudicados com a redução, no altar da competitividade, dos programas de assistência e dos ganhos conquistados.

Os problemas da indústria brasileira assemelham-se muito aos dilemas industriais europeus. Aumento da competitividade e atração de investimentos na inovação são também nossos desafios. A diferença reside no fato de que pelo menos na Europa existe o reconhecimento do problema e medidas concretas estão sendo tomadas. Chegou a hora de o governo brasileiro fazer a sua parte para evitar a desindustrialização e o desemprego.
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