LÚCIA GUIMARÃES
O Estado de S.Paulo
Estava respondendo emails de trabalho quando o anúncio piscou no alto da tela: "Two people unfriended you" - duas pessoas excluíram você, do Facebook, naturalmente, a rede social responsável por esta contribuição semântica duvidosa ao jargão contemporâneo. A outra é "like" (curtir) e ainda engasgo quando leio websites de notícia me convidando a gostar da manchete sobre um massacre na Síria. Ironia não viaja bem na rede social.
O anúncio, baseado na pescaria que fazem na nossa correspondência privada, deve ser de um software que ajuda a descobrir quem "desamigou" você, mas nem precisei conferir. Não tenho um só amigo no Facebook. A minha conta existe apenas como cortesia para este jornal, para facilitar a mediação de comentários. Antes que o leitor comece a ficar com pena do meu isolamento, explico: prefiro não marcar encontro com amigos num espaço virtual que diariamente me faz a pergunta orwelliana - "no que você está pensando?"-, manda e-mails perguntando se eu conheço fulano ou sicrano e enche a minha página com listas de pessoas que eu "talvez" conheça (sempre se engana, folgo em dizer).
Quando o Facebook passou a marca de 1 bilhão de usuários, diga-se de passagem mais lentamente do que previra, ficamos sabendo que o Brasil é a menina dos olhos da companhia em busca de expansão, junto com Índia, Indonésia, México e, é claro, os Estados Unidos. O caso americano é diferente, o crescimento desacelerou por falta de população alvo e, para continuar conquistando gente aqui, o Facebook estuda uma forma de deixar menores de 13 anos se tornarem membros sem burlar o Ato de Proteção à Privacidade da Criança. Além disso, a companhia acusou o governo federal de cercear a liberdade de expressão de adolescentes porque quer proibir ditos menores de curtir anúncios ou ser seguidos por publicidade em sites de crianças.
Se aquela experiência com os pequenos chimpanzés que usam iPads no zoológico de St. Louis der certo, quem sabe...
A história do capitalismo digital se repete: o revolucionário de hoje é o ditador de amanhã. À medida que aumenta a pressão de anunciantes para monetizar a rede social, continuam soando os alarmes sobre como sua comunicação com seus amigos online é vendida sem a sua permissão. Uma companhia que tem acesso aos dados de 70 milhões de consumidores americanos usa seu banco de dados para descobrir se uma compra foi feita através de um anúncio no Facebook, o que, denunciam críticos, viola a promessa de privacidade feita aos membros quando o Facebook pagou US$ 9,5 milhões de multa à Comissão Federal de Comércio americana, em 2011. O usuário não tem a opção de se excluir da garimpagem de seus passos feita pela nova parceira de sua rede social.
A Europa continua à frente dos Estados Unidos em erguer obstáculos para invasões de privacidade por gigantes como Google e Facebook. No mês passado, o Facebook concordou em apagar o arquivo de membros da União Europeia usando, sem permissão, a tecnologia de reconhecimento facial. A tecnologia foi desenvolvida por uma companhia israelense comprada este ano pelo Facebook. Nos Estados Unidos, cuja Constituição inclui emendas que ajudaram a definir o direito à privacidade, a minha cara no Facebook ainda pode ser usada para descobrir com quem convivo no mundo real, seja através de câmeras na rua ou fotos postadas online.
O Facebook é apenas a maior rede e atrai o maior escrutínio. Mas, à medida que todos os conglomerados, seja operadoras telefônicas, sites de busca ou fabricantes de eletrônicos como a Apple, travam suas batalhas monopolistas, é impossível para o consumidor se manter informado sobre as consequências de sua interação com os outros, seja por amizade, consumo ou necessidade profissional. Na última vez que consultei o dicionário, antissocial era sinônimo de violar a moral da vida em comunidade.
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