sábado, 27 de outubro de 2012

Falta investimento ao Brasil



Roberto A. Zanchetta Borghi
Valor Econômico



Uma das questões mais intrigantes ao se comparar o desempenho econômico brasileiro com o de outras economias em desenvolvimento, particularmente asiáticas, é: por que o Brasil não consegue sustentar taxas elevadas de crescimento por um período relativamente longo? Finda a fase do modelo desenvolvimentista de industrialização por substituição de importações, nos anos 1970, o país não encontrou nenhum caminho para atingir taxas de crescimento sustentado. A partir da inserção da economia brasileira na era da globalização, caracterizada pela maior mobilidade dos fluxos de capitais e mercadorias e serviços em escala mundial, momentos de maior dinamismo se tornaram episódios esporádicos interrompidos diante de adversidades conjunturais.

Cumpre papel decisivo nessa dinâmica perversa a taxa de investimento. Nos anos recentes, mesmo antes da eclosão da crise internacional em 2008, a taxa de investimento brasileira teve dificuldades para se manter próxima a 20%, nível semelhante à média mundial. Embora represente avanços em relação a anos anteriores, ainda se encontra aquém da taxa de outras economias com grande potencial de demanda e, portanto, de crescimento, a exemplo de China e Índia. Na China, desde 2003 a taxa de investimento é superior a 40% do Produto Interno Bruto (PIB), registrando mais de 48% em 2009, segundo dados do Banco Mundial. Na Índia, mantém-se acima de 30% desde 2004, com pico de 38% em 2007.

Investimento público e a criação de condições competitivas são centrais para trajetória de crescimento

Historicamente, sempre se mostrou relevante a associação positiva entre o volume de investimentos e o desempenho econômico de um país. A experiência asiática de elevado crescimento ao longo de décadas é incontestável nesse aspecto, seja induzida por esforço exportador, seja mediada por políticas de caráter doméstico. O caso brasileiro no período de elevado e sustentado crescimento também exemplifica a importância da manutenção de altas taxas de investimentos.

De uma perspectiva keynesiana, é a decisão capitalista de gasto que gera renda, ou seja, é a decisão capitalista diante de diversas possibilidades de alocação do capital que determina o nível de atividade econômica. Nesse âmbito, a decisão de investir constitui apenas uma das alternativas de gasto, a mais propensa a flutuações, na medida em que depende de expectativas futuras em relação ao retorno do investimento em longo prazo e do grau de confiança nessas expectativas. Logo, a opção de ganhos financeiros mais certos e imediatos, muitas vezes colocada às empresas com atuação no Brasil, principalmente diante de taxas de juros elevadas, representa um desincentivo a novos investimentos, cuja realização também depende de uma estrutura institucional consolidada ao seu financiamento.

Em termos agregados, apesar da importância de todos os componentes da demanda para puxar o crescimento econômico, é a demanda por investimentos a força motriz de um processo sustentado de crescimento. A demanda por consumo está associada ao nível de capacidade produtiva corrente junto ao volume de importações, de forma que o consumo em geral tende a estimular a produção de bens finais que, por seu turno, requer insumos de outros setores em uma dada estrutura produtiva. O efeito multiplicador sobre o sistema econômico depende dos encadeamentos desenvolvidos na estrutura produtiva doméstica, o que inclui a participação de bens finais e insumos importados no atendimento da demanda final.

Espera-se que uma economia com cadeias produtivas mais integradas e diversificadas seja capaz de gerar mais renda e acelerar o crescimento doméstico a partir de um estímulo de demanda inicial. Como cada setor, influenciado pelas condições competitivas em que se encontra, apresenta capacidade distinta em estimular a produção, agregar valor e gerar emprego, a estrutura setorial de como a produção doméstica está organizada também é importante na determinação do desempenho econômico dos países.

Essas observações são igualmente válidas para a demanda por investimentos, no sentido de que esta apresenta um efeito multiplicador sobre a estrutura econômica cujo resultado está relacionado à organização setorial da produção e ao grau de dependência da oferta externa. A diferença, contudo, reside em três fatores. Em primeiro lugar, a demanda por investimentos abarca uma perspectiva futura, de longo prazo. Trata-se da expansão da capacidade produtiva considerando uma demanda esperada que, ao ser efetuada, promove um aumento de renda corrente a partir dos encadeamentos setoriais. Em segundo lugar, a concretização de um investimento perdura por mais tempo do que as atividades do ciclo produtivo corrente, representando uma demanda contínua que gera dinamismo na economia por um período mais prolongado. Em terceiro lugar, a demanda por investimentos contém a capacidade de engendrar mudanças estruturais no sistema produtivo doméstico, ao fortalecer encadeamentos capazes de gerar mais renda.

Diante dessas considerações, torna-se necessário combinar esforços para impulsionar novos investimentos na economia brasileira, a fim de promover um processo de crescimento econômico sustentado. No atual contexto de crise e demanda externa arrefecida nas economias centrais, o investimento público e a criação de condições competitivas e de financiamento em prol das decisões privadas de investimento no país mediante a orientação do regime macroeconômico constituem elementos centrais para se engajar em uma trajetória de crescimento.

À luz das experiências asiáticas de inserção na globalização, isso também exige a adoção de políticas coordenadas para lidar com o capital externo, as possibilidades de alocação doméstica do capital e as formas de organização da produção em termos de adensamento das cadeias e do suprimento de bens finais e insumos mediante oferta externa, sobretudo sendo o Brasil visto como um promissor mercado interno. Caso contrário, o país deve continuar assistindo a mini-ciclos de crescimento fortemente sujeitos às vicissitudes externas.

Roberto Alexandre Zanchetta Borghi é economista, mestre pelo IE/Unicamp e doutorando da Universidade de Cambridge, Reino Unido.
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