quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Economia sentimental


 ROLF KUNTZ
O Estado de S.Paulo


A presidente Dilma Rousseff é uma sentimental. Ela se mostra saudosa dos bons tempos das carroças motorizadas, dos computadores precários e dos bens de capital anteriores aos controles informatizados. Seu coração meigo, propenso a tratar a indústria brasileira como indústria nascente, é mal compreendido e pouco valorizado pelos estrangeiros. Eles estão errados - americanos, europeus, australianos e outros concorrentes incomodados com o crescente protecionismo brasiliense. Deveriam agradecer à presidente, em vez de censurar sua política. Se tudo seguir o curso normal, a indústria brasileira estará mais fraca do que hoje, quando o mundo sair da crise. Se caprichar um pouco mais, o governo poderá abalar também o agronegócio, o segmento mais competitivo da economia nacional. A culpa, como nos bons tempos, será das potências estrangeiras. Esse discurso faz sucesso de novo.

Para justificar a escalada protecionista, em parte legal, em parte contestável, a presidente esbraveja contra o mundo rico. Se o Brasil vai mal, é porque europeus e americanos são incapazes de lidar com a própria crise, produzem um tsunami monetário e com isso minam o poder de competição dos países em desenvolvimento. Há alguma verdade nesse relato, mas a história completa é outra. Só aceita integralmente a versão oficial quem desconhece informações básicas do País e de seu comércio.

De janeiro a setembro, as exportações para a América Latina caíram mais do que as vendas para a União Europeia, enquanto aumentaram os embarques para os Estados Unidos. Quando se examinam os detalhes do comércio, as alegações da presidente se desmontam. Do lado interno, os problemas são inequívocos. A produção geral da indústria aumentou 1,5% de julho para agosto, puxada pela fabricação de bens intermediários (2%) e de consumo (1,2%). A fabricação de bens de capital - meios de produção - aumentou só 0,3%.

No ano, até agosto, a indústria de bens de capital produziu 12,2% menos que de janeiro a agosto de 2011. Mas esses números mostram só uma parte do fracasso da política de investimentos.

Alguns detalhes são muito úteis para a avaliação do discurso oficial. Até setembro a exportação rendeu US$ 180,6 bilhões, 4,9% menos que um ano antes. O valor importado, US$ 164,9 bilhões, foi 1,2% menor que o dos meses correspondentes de 2011. As vendas à América Latina e ao Caribe foram 10,4% inferiores às de janeiro a setembro do ano anterior. O comércio com a Argentina foi o mais desastroso, com perda de 20,2%. No mesmo período, o Brasil faturou 11% mais com as exportações para os Estados Unidos, um dos mercados mais atingidos pela crise e uma das fontes do tsunami monetário. As vendas para a União Europeia, atualmente a área em pior situação, ficaram 8,1% abaixo das de janeiro a setembro de 2011, com recuo bem menor que o dos mercados latino-americanos. No caso da China, a redução de 3,8% é explicável pela desaceleração econômica do país e pela desvalorização de algumas commodities.

Os números ficam ainda mais instrutivos quando se examina a composição das vendas. Os detalhes disponíveis correspondem ao período até agosto, mas são suficientes para algumas distinções importantes. De janeiro a agosto o Brasil exportou para os Estados Unidos manufaturados no valor de US$ 8,7 bilhões. Esse valor, correspondente a 46,8% das vendas para o mercado americano, foi 19,1% maior que o de um ano antes. Os manufaturados vendidos à União Europeia renderam US$ 11,7 bilhões, compuseram 35,8% da receita e proporcionaram 0,6% mais que no período janeiro-agosto de 2011. Para o Mercosul, a indústria brasileira vendeu pouco mais que isso, US$ 13,6 bilhões, 16,6% menos que um ano antes. Para a China o setor manufatureiro enviou produtos no valor de apenas US$ 1,6 bilhão.

Nenhum dos argumentos habitualmente recitados pela presidente Dilma Rousseff explica esse conjunto de detalhes - até porque ela se esquece, em geral, de apontar o dedo para o país mais conhecido pela manipulação da moeda, a China. A política oficial ainda seria defensável se o seu resultado fosse menos pífio. O protecionismo pode oferecer algum conforto à indústria no mercado interno, mas será inútil para fortalecer o produtor brasileiro no exterior. Se o Banco Central estiver certo em suas novas previsões, o Brasil investirá neste ano menos que no ano passado. Se nada muito mais sério for feito, dificilmente a taxa de investimento passará nos próximos anos de 20% do PIB, embora a meta oficial seja chegar a uns 24% até 2014 ou 2015. Sem um esforço muito maior de formação de capital fixo nenhum protecionismo tornará a economia mais competitiva. O maior obstáculo, todos sabem, é o governo: investe mal e atrapalha o investimento privado.
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2 comentários:

  1. Caro Jefferson,

    Muito interessante o texto de Rolf Kuntz. Apesar de concordar em parte e ser um grande crítico do governo (e do brasileiro), eu também sei observar os pontos positivos(e sem precedentes) que essa administração fez e faz.

    Certamente essa chamada era da desindustrialização tem sido uma bola de neve por décadas - não é culpa da administração atual. Nossa indústria se caracteriza por produtos manufaturados de baixa qualidade mas, mesmo assim, os preços ainda são altíssimos. O porquê? A estratégia retórica é a mesma, culpando os impostos mas, como se sabe, a taxa de lucro no Brasil é uma das mais altas no mundo, como vemos no ramo automobilístico. Assim sendo, se o Brasil oferece uma taxa tão alta de lucro, por que o governo é sempre o culpado e os empresários comentam que a principal barreira são os impostos se esses valores são repassados para a população? O governo sozinho não pode capacitar a mão-de-obra e cuidar para que os empresários tenham mais interesse em investir na capacitação e modernização de seus equipamentos. Enquanto o interesse for lucro imediato, como também vemos em uma indústria diferente hoje em dia (imobiliária), acredito que a iniciativa privada tem uma parcela igual ou maior de culpa se comparada a parcela da iniciativa pública.

    A razão para que importemos mais está descrita no parágrafo acima (altos preços para produtos de baixa qualidade) e, claro, na questão do mercado de commodities, algo que o Brasil se baseia inteiramente no mercado de exportação. Sabe-se que produtos de valor agregado que impulsionam a indústria de uma nação mas, infelizmente, com a falta de incentivos presente em governos passados mais as práticas da iniciativa privada brasileira, fica difícil a produção de produtos industrializados de alto nível com preços competitivos a produtos americanos, por exemplo. Outra causa para a alta na importação, como vemos a balança comercial ao redor de 32% inferior a de 2011, é a forma como os EUA manipulam o mercado de câmbio ao injetar dólares em economias diversas, comprando títulos de governo e manipulando o chamado "spreading", algo que nosso governo tenta controlar internamente.

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  2. Antes de entrar nas vias de fato, citando empreitadas progressivas dessa administração, gostaria de deixar claro que era inconcebível há 10 anos um presidente do Brasil (ou presidenta) ter voz perante a comunidade internacional, ao ponto de criticar a política monetária dos mais ricos e proteger nossas manobras econômicas, como a proteção à nossa indústria que, como se sabe, se comparada (essa manobra) a manobras de países desenvolvidos, veremos que está nas normas da OMC e, sinceramente, acredito que é a solução a curto prazo. O porquê? A Argentina, nosso principal parceiro comercial, apertou os pontos para que produtos brasileiros tivessem dificuldade em entrar no país, algo que também nos afetou significativamente. Além disso, os EUA continuam a estimular sua indústria e tem como alvo o mercado brasileiro, como vimos mais e mais produtos vindo ao Brasil com preços baixos, manobra inteligente para nos tirar a competitividade. A crise internacional fez com que exportássemos menos a China e principalmente a Europa, algo que também nos afetou diretamente.

    A administração atual deu passos importantes, como:

    1) Atingir a menor taxa de juros na história do Brasil, algo que estimula o consumo e melhora o mercado de crédito;

    2) Incentivos fiscais como IPI reduzido, o que ajudou a atingir o maior mês na história do país em vendas de carros (agosto 2012);

    3) Incentivos fiscais como 50% de IPI para montadoras que construíremcarros mais econômicos nos próximos 3 a 4 anos;

    4) Concessão bilionária para investimentos em modernização e infra-estrutura;

    5) Aumento de receitas na área de P & D, educação e saúde pública;

    6) Redução na conta de luz em até 28% para as grandes indústrias. Como se sabe, essa era uma barreira na questão de investimentos em nossa indústria - agora é fiscalizar os empresários para sabermos se eles estarão colocando mais dinheiro em seus bolsos ou investindo em nosso valor humano;

    Claramente não é o ideal mas o governo atual mostra mais "carinho" perante a população e os criadores de empregos. Agora resta ambas as iniciativas se abraçarem, trabalharem juntas e capacitar a mão-de-obra do país.

    Sinceramente,

    Filipe de Souza

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