João Mellão Neto
O Estado de S. Paulo
Nuremberg, Alemanha, 1945. Na mesma cidade em que surgiu o nazismo e onde Adolf Hitler fazia seus gigantescos comícios, logo após o fim da 2.ª Guerra Mundial as nações vencedoras iniciaram o julgamento daqueles que, supostamente, eram os maiores criminosos do conflito. A guerra durara menos de seis anos, mas fora tempo suficiente para que cerca de 70 milhões de vidas fossem ceifadas.
O previsível, ao seu término, era que os principais inimigos capturados fossem passados pelas armas sem a menor contemplação. Mas houve quem alertasse: se executarmos sumariamente os vencidos, seríamos moralmente superiores em quê? Em termos de progresso da civilização, qual teria sido a nossa contribuição?
Imbuídos de tal espírito, os comandantes aliados decidiram que dariam àqueles homens uma oportunidade que eles, sistematicamente, haviam negado às suas vítimas: o direito a um julgamento seguindo o due process of law - o devido processo legal. Com imensa repercussão pela imprensa, foram então levados ao tribunal 22 réus, 12 dos quais acabaram condenados à pena máxima: a morte na forca. Esses 12 foram executados, em 16 de outubro de 1946, sem grande alarido. De acordo com os relatos existentes da época, não houve nenhuma concessão ao espetáculo: não mais que meia centena de testemunhas assistiu ao fato, sendo os condenados chamados, dois a dois, para ocuparem o cadafalso.
O julgamento de Nuremberg demandou centenas de advogados, tanto de defesa como de acusação, e durou mais de 280 dias. Mas o que os líderes das nações aliadas pretendiam foi conseguido.
Ninguém reclamou das sentenças nem se compadeceu dos condenados. Ao contrário, a opinião pública mundial ficou estarrecida ao tomar ciência das atrocidades cometidas pelos nazistas e seus comparsas. E a ideia de que a paz é sempre a melhor solução perdura até os dias de hoje.
É certo que o ex-presidente Lula não é Hitler, nem Brasília não é Nuremberg, tampouco os crimes aqui cometidos, no caso do mensalão, tiveram a gravidade dos nacional-socialistas. A única semelhança - e ela se tem mostrado fundamental - é a cobertura pública dos julgamentos.
Não poderia ser de outra forma. Se, com todos os escrúpulos que têm acompanhado as sentenças, já há réus por aí reclamando, alegando terem sido injustiçados e ameaçando recorrer à Organização dos Estados Americanos (OEA) - sem nenhuma base legal, diga-se de passagem -, imagine-se o que seria se tais sanções não estivessem solidamente fundamentadas nas leis.
Ao que parece, a "teoria da conspiração" é o passatempo predileto dessa gente. Quando está por cima, conspira para tentar aumentar os seus poderes. Quando está por baixo, atribui aos adversários a origem de todos os seus pesares.
A partir dessa ótica egocêntrica e paranoica, pode-se imaginar a sua histeria diante dos fatos atuais. Num site reconhecidamente vinculado ao PT, na semana passada podia-se ler a seguinte manchete: A imprensa golpista, mancomunada com os ministros do Supremo Tribunal Federal, está tentando desmoralizar o PT.
Como perguntar não ofende, vai aqui a minha dúvida: "imprensa golpista" compreende-se, porque, para a companheirada, todos os segmentos da imprensa são golpistas. Mas colocar no mesmo cesto os juízes do Supremo Tribunal Federal não seria forçar demais a barra? A maioria esmagadora dos ministros, convém lembrar, foi indicada pelo próprio PT. E, ao que se sabe, estão procurando fundamentar ao máximo as suas sentenças. Se a donzela não é bela, de que adianta culpar o espelho?
A torto e a direito, o machado inclemente vai cortando cabeças e cumprindo as suas obrigações. De ninguém se compadece, uma vez que todos os envolvidos puderam exercer o livre-arbítrio. E eu conheço boa parte deles. Fui deputado federal por dois mandatos e pude conviver com os principais. José Dirceu tomou posse junto comigo. Genoino já estava por lá. Da bancada de meu partido, o Partido Liberal, fulgurava a estrela de Valdemar Costa Neto.
E agora, reputações arruinadas, carreiras perdidas, resta a todos eles lamentar. Delúbio Soares, o "carequinha" Marcos Valério, a banqueira malvada Kátia Rabello... um triste destino espera cada um deles. Por que fizeram o que fizeram? Sabe-se lá. Uns, por vaidade; outros, por ambição. Todos queriam aproximar-se do poder. E o chefe supremo, aquele a quem queriam agradar, nada pode fazer agora. Ele é uma fera acuada. Quem sabe, não se tornará também uma presa de sua própria esperteza?
Há um ditado que nunca perde a serventia. É o que diz que daqueles que vendem a honra nunca vale a pena comprá-la.
Passei oito anos da minha vida em Brasília. Saí de lá com o mesmo patrimônio com que entrei. Talvez um pouco menos, porque não pude dedicar-me a ele.
Os monumentos nas praças homenageiam algum momento de bravura. Já a reputação de um homem de bem, por vezes, demanda uma vida inteira.
Não imaginem os leitores que boas e escusas oportunidades não passaram à minha frente. Mas não valiam a pena. Elas nunca valem a pena. Pois são como sereias que encantam os marinheiros para, depois, afogá-los nas profundezas do mar. Pobres daqueles que se deixam seduzir.
Ernest Hemingway - na minha opinião, o maior escritor da língua inglesa depois de Shakespeare - inspirou-se nisso para citar um verso de John Donne. Ao relembrar que, nos vilarejos da Espanha, sempre que morria alguém os sinos das igrejas davam uma badalada, ele reiterou: "Não perguntes por quem os sinos dobram. Eles sempre dobram por ti".
.
Nenhum comentário:
Postar um comentário