Um dos mais difíceis crimes transnacionais para se combater, ao lado de tráfico de órgãos. Definido como tal na convenção de Monterrey, México, em 2003 este tema já é realidade no Brasil, haja vista a crescente tendência nas mídias virtuais.
Central do Brasil foi o primeiro filme de sucesso que tangenciou, logo no início, o tema, quando a heroína salvou o garoto de tal desdita. De lá para cá parece que a nova novela terá serventia.
Como em qualquer país, notadamente subdesenvolvido, se a sociedade não se engajar este crime só prolifera, pois os ganhos são altos.
O tráfico internacional de pessoas
Lázaro Guimarães
Correio Braziliense
Magistrado e professor
Nas próximas semanas e meses, um tema da maior relevância estará em ampla discussão no país, dada a força mobilizadora da televisão e ao talento de Glória Perez: o tráfico internacional de pessoas, especialmente de crianças. Eis aí uma contribuição intelectual da maior importância, ao contrário do anúncio pela defesa de alguns acusados da Ação Penal 470 de que iriam recorrer à Corte Interamericana de Direitos Humanos da decisão do Supremo Tribunal Federal.
Nesse último caso, há evidente erronia, pois o órgão de direito internacional não se sobrepõe à soberania nacional, mas, simplesmente, coordena os esforços das nações americanas na promoção da defesa dos direitos humanos e serve como órgão consultivo da Organização dos Estados Americanos (art. 106 da Carta da Organização dos Estados Americanos, OEA).
Aqui não se irá discutir bobagem como essa, mas, sim, a necessidade de o Brasil reforçar a cooperação com os organismos mundiais, como as Nações Unidas e a OEA, no controle e na repressão à exploração globalizada de seres humanos, utilizados como mercadorias para fins de prostituição, de trabalho escravo e até de extração de órgãos para transplantes. Em 1990, escrevi artigo dedicado ao estudo da adoção na disciplina do Estatuto da Criança e do Adolescente, a recém-promulgada Lei nº 8.069/90, em articulação com a Convenção Internacional sobre Direitos da Criança, a que o nosso país acabara de aderir.
Dizia, então, que "os nobres europeus empobrecidos costumavam vender nomes e títulos de suas famílias aos burgueses afortunados de além-mar. Para isso utilizavam, dentre outros expedientes, a adoção. Mudam-se os tempos e os costumes. É da América do Sul para a velha Europa, neste final de milênio, que se dirigem os mercadores de ilusões. Não oferecem brasões, nem apelidos ilustres. Simplemente, entregam crianças, em troca de moedas fortes".
Pois, mais de 20 anos depois, essa prática persiste, espalhando-se grupos criminosos pelos diversos estados, principalmente nas áreas mais pobres, em contínua e crescente atividade de recrutamento de crianças, para adoção, formalizada ou fraudada, e de pessoas em geral, preferencialmente jovens e mulheres, para encaminhar aos centros de recepção nos países centrais, principalmente na Europa e na América do Norte.
A novelista, filha do saudoso ministro Jerônimo Ferrante, do antigo Tribunal Federal de Recursos, e também marcada pelo sofrimento, com o brutal assassinato da filha, Daniela, tem conhecimento e vivência bastante para despertar a opinião pública nacional para a necessidade de uma repressão mais eficaz a esse tipo de delito.
Certamente, buscará no enredo ficcional, inserir dados de uma realidade ignominiosa, trágica, revoltante, para convencer a plateia diária de muitos milhões de espectadores, de que é preciso que todos colaborem com as autoridades para fornecer informações sobre os descaminhos que geralmente começam com a abordagem de famílias carentes, de jovens desesperadas pela falta de oportunidades de emprego, ou pela vilania do subemprego, seguem com o embarque para um destino ilusório e terminam com a mais terrível subjugação aos interesses das quadrilhas.
A Convenção Interamericana de Direitos Humanos, art. 6, ítem 1, assim dispõe: "Ninguém pode ser submetido a escravidão ou servidão e tantos estas como ao tratamento como escravos ou a exploração de mulheres estão proibidas em todas as suas formas". A Corte Interamericana tem a seguinte competência: "Quando decida que houve violação de um direito ou liberdade protegidos nesta Convenção, a Corte disporá que se garanta ao ofendido o gozo de seu direito ou liberdade envolvidos. Disporá ainda, se isso for procedente, que se reparem as consequências da medida ou situação que tenha configurado a vulneração desses direitos e o pagamento de uma justa indenização à parte ofendida". O cumprimento da deliberação fica a cargo de cada nação soberana que tenha aderido à convenção.
Como se vê, em relação ao julgamento da Ação Penal 470, que se desenvolve com a total observância do direito de defesa, do contraditório e da deliberação pela mais alta Corte do país, nada há a ser levado ao organismo internacional, mas, se alguém estiver desprotegido em relação à sua liberdade individual, como as vítimas do tráfico internacional de pessoas, e não obtiver solução no plano nacional, aí, sim, será o caso de recorrer à OEA.
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