sábado, 27 de fevereiro de 2010

Alegres e ignorantes Lya Luft


Só a maturidade pode permitir que se produza uma peça magnífica como esta abaixo escrita.


"Estar informado e atento é o melhor jeito de ajudar a construir 
a sociedade que queremos, ainda que sem ações espetaculares"


Lya Luft é escritora
http://veja.abril.com.br/030310/alegres-ignorantes-p-024.shtml



Há fases em que, inquieta, eu talvez aponte mais o lado preocupante da vida. Mas jamais esqueço a importância do bom humor, que na verdade me caracteriza no cotidiano, mais do que a melancolia. Meu amado amigo Erico Verissimo certa vez me disse: "Há momentos em que o humor é até mais importante do que o amor". Eu era muito jovem, na hora não entendi direito, mas a vida me ensinou: nem o amor resiste à eterna insatisfação, à tromba assumida, às reclamações constantes, à insatisfação sem tréguas. Bom humor zero. Desperdício de vida: acredito que, junto com dinheiro, sexo e amor, é a alegria que move o mundo para o lado positivo. Ódio, indignação fácil, rancores e inveja – e nossa natureza predadora – promovem mediocridade e atos cruéis.
Quando, seja na vida pessoal, seja como cidadãos ou habitantes deste planeta, a descrença e o desalento rosnam como animais no escuro no meio do mato, uma faísca de bom humor clareia a paisagem. Mas há coisas que nem todo o bom humor do mundo resolveria num riso forçado. Como senti ao ler, numa dessas pesquisas entre esclarecedoras e assustadoras (quando vêm de fonte confiável), que mais de 30% da nossa chamada elite é de uma desinformação avassaladora. Aqui o termo "elite" não tem a ver com aristocracia, roupa de grife, apartamento em Paris ou décima recostura do rosto, mas com a gente pensante. A que usa a cabeça para algo além de separar orelhas. Pois, segundo a pesquisa, entre nós a imensa maioria dos ditos pensantes não consegue dizer o nome de um só ministro desta nossa República. Senadores, nem falar.
A turma que completa o 2º grau, que faz faculdade, que tem salário razoável, conta no banco, deveria ser a informada. Essa que não precisa comprar carro em noventa meses e deixar de pagar depois de quatro. A elite que consegue viajar conhece até algo do mundo, e poderia ter uma pequena biblioteca em casa. Em geral, não tem. Com sorte, lê jornal, assiste a boas entrevistas e noticiosos daqui e de fora, enfim, é gente do seu tempo. Para isso não se precisa de muita grana, acreditem. Mesmo assim, essa elite é pouco interessada numa realidade que afinal é dela.
Resolvi testar a mim mesma: nomes de ministros atuais desta nossa República. Cheguei a meia dúzia. São quase quarenta. Então começo a bater no peito, em público, aliás. Num país onde mais da metade dos habitantes são analfabetos, pois os que assinam o nome não conseguem ler o que estão assinando, ou vivem como analfabetos, pois não leem nem o jornal largado na praça, os que sabem ler deveriam ser duplamente ativos, informados e participantes. Não somos. Nossos meninos raramente sabem o título de seus livros escolares ou o nome dos professores (sabem o dos jogadores de futebol, dos cantores de bandas, das atrizezinhas semieróticas). Agimos como se nada fora do nosso pequeno círculo pessoal nos atingisse.
Além das desgraças longe e perto, vindas da natureza ou do homem, estamos num ano eleitoral. Inaugurado o circo de manobras, mentiras e traições escrachadas ou subliminares que conhecemos. Precisamos de claridade nas ideias, coragem nos desafios, informação e vontade, e do alimento dos afetos bons. Num livro interessante (não importa o assunto) alguém verbaliza velhas coisas que a gente só adivinhava; um filme pode nos lembrar a generosidade humana; uma conversa pode nos tirar escamas dos olhos. Estar informado e atento é o melhor jeito de ajudar a construir a sociedade que queremos, ainda que sem ações espetaculares. Mas, se somos desinformados, somos vulneráveis; se continuarmos alienados, bancaremos os tolos; sendo fúteis, cavamos a própria cova; alegremente ignorantes, podemos estar assinando nossa sentença de atraso, vestindo a mordaça, assumindo a camisa de força que, informados, não aceitaríamos.
Alegria, espírito aberto, curiosidade, coisas boas desta vida, todos as merecemos. Mas me poupem do risinho tolo da burrice ou da desinformação: o vazio por trás dele não promete nada de bom.
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2 comentários:

  1. Alegria, em certos momentos, pode ser confundida com aquiescência.

    Seleção criteriosa de opinião, por sua vez, representa, para os mesmos avaliadores, que somos pessoas turronas e mal-humoradas.

    Ser aberto a informações não é, necessariamente, como bem esclarece a autora, apresentar-se como um bobo da corte.

    A deseperança por outro lado, também é necessária para quem prefere começar de novo, reestrutar ideias e, como em qualquer cálculo ou desenvolvimento de programas para computadores, "fazer o chinês" e partir do zero.

    Enfim, desenvolver novos raciocínios e abordagens sobre a sociedade brasileira pode, quem sabe, ser confundido como mau humor.

    Há que ser ter cuidado com opiniões dos desinformados e, ao mesmo tempo, sabermos diferenciar esses dos maledicentes interessados na disseminação da ignorância.

    Deus nos proteja...

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  2. marinez araujo de Carvalho da Silva28 de novembro de 2010 às 15:46

    Uma critica a Autora do texto .Quando ela diz:A turma que completa o 2º grau, que faz faculdade,deveria ser a informada.
    a autora generalizou todos. Dessa forma deixo claro que a autora deve se corrigir este erro.Se ela falasse 90% Noventa por cento que completa o 2º grau,que faz faculdade, deveria ser informada.

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