terça-feira, 31 de julho de 2012

ATRASO NA GESTÃO DO LIXO




EDITORIAL
O ESTADO DE S. PAULO


Há dois anos, ao sancionar a Lei n.º 12.305, o então presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, parecia encerrar a espera de 20 anos por uma Política Nacional de Resíduos Sólidos, com diretrizes para a gestão do lixo no País e a mudança dos padrões de comportamento e consumo. As normas fortaleciam o conceito de ciclo de vida de produtos industrializados - impondo cuidados a serem observados desde a sua produção até a disposição final - e a prática da logística reversa, em que fabricantes, distribuidores e vendedores são obrigados a recolher o lixo tóxico como pilhas, pneus, lâmpadas, lubrificantes e eletrônicos. Das prefeituras, a política exigia planos de gestão para resíduos sólidos, proibindo os lixões a céu aberto. Determinava ainda que o poder público, os setores produtivos e toda a sociedade deviam fazer um esforço para enfrentar as principais questões ambientais e de saúde pública. Dois anos se passaram e em quase todo o País a população continua a fazer o descarte do lixo comum junto com os resíduos tóxicos.
Apenas iniciativas pontuais e sem coordenação foram tomadas por organizações não governamentais e algumas empresas, sem grande impacto no cenário nacional. Algumas poucas indústrias já agiam naquele sentido, antes mesmo da entrada da legislação em vigor, porque os produtos eram reaproveitáveis e tinham valor significativo para os custos da produção. Mas não houve nenhum movimento forte o suficiente para educar a população e mudar seus hábitos. E pouco se fez para oferecer ecopontos em número adequado e de fácil acesso para a população.
Falta também coordenação entre as ações que dependem das três esferas de governo. Em março, por exemplo, a Secretaria-Geral da Presidência da República anunciou os três eixos que sustentariam o programa para tratamento de resíduos sólidos: Brasil sem Lixão, Recicla Brasil e Pró-Catador. São ações planejadas para cumprir as determinações da Política Nacional de Resíduos Sólidos, entre elas a que estabeleceu o fim de todos os lixões do País, por meio da instalação de aterros sanitários, até agosto de 2014. Pela lei, para os aterros deverão ser enviados apenas rejeitos, ou seja, a parte do lixo que não pode ser reciclada ou reutilizada. Conforme o Plano Nacional de Resíduos Sólidos, o governo federal, os Estados e os municípios terão responsabilidade compartilhada nas ações destinadas a atingir essa meta, assim como para investir em cooperativas de catadores e em parcerias para aumentar a coleta seletiva e assegurar a destinação adequada do lixo não reciclável.
Os acordos setoriais e termos de compromisso entre empresários e o poder público para implantar o sistema de logística reversa já deveriam ter sido feitos. O primeiro passo, porém, só foi dado em novembro passado, quando o Ministério do Meio Ambiente publicou edital para a apresentação de propostas referentes ao descarte de embalagens de óleo. Elas ainda estão em estudo. No início de julho, o Ministério lançou editais para o descarte das lâmpadas fluorescentes e embalagens em geral. Os fabricantes, comerciantes, importadores e distribuidores têm 120 dias para fazer suas sugestões.
Nos governos locais, a lentidão também impera e poucas ações estão em curso. Mesmo São Paulo, a cidade mais rica do País, está muito longe de alcançar a gestão eficaz dos resíduos sólidos. O contrato de concessão dos serviços de coleta e destinação do lixo, firmado em 2005, dava prazo até 2009 para que cada subprefeitura tivesse uma central de triagem dos resíduos sólidos. A Prefeitura não conseguiu alcançar a meta fixada e fez uma nova promessa: instalar 51 centrais de triagem de recicláveis até o fim de 2011. Mas hoje pouco mais de 20 centrais operam em São Paulo. A capital encaminha para a reciclagem apenas 1,4% das 15 mil toneladas de lixo domiciliar produzidas por dia pelos seus 11 milhões de habitantes.
A esta altura já está muito claro que, para alcançar os resultados pretendidos, é preciso não só que o poder público faça mais do que tem feito, mas também que consiga agir em conjunto com as empresas privadas.
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Nosso verão de verdade climática


Jeffrey D. Sachs

Valor Econômico 



Durante anos, os cientistas vêm alertando o mundo que o uso intenso de combustíveis fósseis (carvão, petróleo e gás natural) ameaça o mundo com mudanças no clima. O aumento da concentração atmosférica de dióxido de carbono, um subproduto da queima de combustíveis fósseis, aquecem o planeta e alteram os padrões de chuvas e tempestades e elevam os níveis do mar. Agora, o impacto dessas mudanças podem ser sentidos em todos os quadrantes, apesar de poderosos lobbies empresariais e propagandistas de mídia, como Rupert Murdoch, tentarem negar a verdade.

Nas últimas semanas, os EUA entraram em seu pior período de seca nos tempos modernos. O Centro-Oeste e os Estados nas planícies, o celeiro do país, estão ardendo sob uma enorme onda de calor e mais da metade do país está em emergência devido à seca.

Do outro lado do mundo, Pequim foi atingida pelas piores chuvas já registradas e as inundações mataram muitas pessoas. O Japão, igualmente, está sofrendo chuvas torrenciais recordes. Duas das regiões áridas africanas - o Chifre da África, no leste do continente, e no Sahel no oeste - tiveram secas e fome devastadoras nos últimos dois anos: as chuvas não vieram, fazendo com que muitos milhares morressem, enquanto milhões passam fome.

O bem-estar humano, e até mesmo sua sobrevivência, dependerão de as evidências científicas e o know-how tecnológico triunfarem sobre ganância míope, timidez política e o fluxo contínuo de propaganda empresarial anticientífica

Os cientistas atribuíram um nome à nossa era, Antropoceno, um termo construído a partir de uma antiga raiz grega para significar "época dominada pelos seres humanos" - um novo período da história da Terra em que a humanidade tornou-se a causa da escala mundial das mudanças ambientais. A humanidade afeta não só o clima da Terra, mas também a química dos oceanos, os habitats terrestres e marinhos de milhões de espécies, a qualidade do ar e da água, e os ciclos de água, nitrogênio, fósforo e outros componentes essenciais que sustentam a vida no planeta.

Por muitos anos, o risco de mudanças climáticas foi amplamente considerado como algo distante no futuro, um risco, talvez, com que se defrontariam nossos filhos ou seus filhos. Esse risco seria, naturalmente, motivo suficiente para agir. Mas agora compreendemos melhor que as mudanças climáticas também dizem respeito a nós, à geração atual.

Já entramos numa nova era muito perigosa. Se você é uma pessoa jovem, as mudanças climáticas e outros riscos de danos ambientais causados pela humanidade serão fatores importantes em sua vida.

Os cientistas enfatizam a diferença entre clima e tempo. Clima é o padrão geral de temperatura e precipitação pluviométrica em determinado lugar. Tempo é a temperatura e a precipitação em determinado lugar em determinado momento. Como diz o velho gracejo: "Clima é o que esperamos; tempo é o que temos".

Quando a temperatura é particularmente elevada, ou quando as chuvas são especialmente pesadas ou leves, os cientistas tentam determinar se as condições atípicas são resultado de longo prazo das alterações climáticas ou simplesmente refletem a variabilidade esperada. Então, será que a onda de calor atual nos EUA (que torna este o ano mais quente já registrado), a forte inundação em Pequim ou a seca no Sahel, um caso grave de mau tempo aleatório ou apenas o resultado de longo prazo de alterações climáticas induzidas pelo homem?

Durante muito tempo, os cientistas não eram capazes de responder a essa pergunta com precisão. Eles não tinham certeza se um particular desastre climático poderia ser atribuído a causas humanas, em vez de a uma variação natural. Eles não podiam sequer ter certeza de que poderiam detectar até mesmo se determinado evento era tão extremo a ponto de ficar fora da faixa normal.

Nos últimos anos, porém, uma nova ciência de "detecção e atribuição" (de causas) ao clima tem feito grandes avanços, tanto conceitual quanto empiricamente. Meios de detecção determinam se um evento extremo faz parte de flutuações meteorológicas usuais ou são um sintoma de mudanças mais profundas de longo prazo. Atribuição significa a capacidade de identificar as causas prováveis de um evento à atividade humana ou a outros fatores. A nova ciência da detecção e atribuição está aguçando nosso conhecimento - e também nos dando ainda mais motivo para preocupação.

Vários estudos no ano passado mostraram que os cientistas podem realmente detectar alterações climáticas de longo prazo na crescente frequência de eventos extremos - como ondas de calor, chuvas pesadas, secas severas, e fortes tempestades. Usando os modelos mais avançados para simulação do clima, os cientistas não estão apenas detectando alterações climáticas de longo prazo, mas estão também atribuindo ao menos alguns dos eventos extremos a causas humanas.

Os anos recentes trouxeram uma série chocante de eventos extremos em todo o planeta. Em muitos casos, fatores naturais de curta duração tiveram um papel, em vez da atividade humana. Durante 2011, por exemplo, condições criadas por La Niña prevaleceram no Oceano Pacífico. Isso significa que a água quente ficou particularmente concentrada perto do sudeste asiático, enquanto a água fria ficou concentrada perto do Peru. Essa condição temporária causou muitas mudanças de curto prazo nas chuvas e nos padrões de temperaturas, causando, por exemplo, fortes enchentes na Tailândia.

Contudo, mesmo após identificar cuidadosamente tais câmbios naturais de ano para ano, os cientistas também estão descobrindo que vários desastres recentes provavelmente também refletem mudanças climáticas causadas pelos humanos. Por exemplo, o aquecimento do Oceano Índico causado pelo homem provavelmente desempenhou um papel na severa seca no Chifre de África em 2011, que provocou escassez de alimentos, conflitos e fome, afetando milhões de pessoas pobres. A atual megasseca nos EUA reflete, provavelmente, uma mescla de causas naturais, como La Niña, e uma enorme onda de calor intensificada por mudança climática causada pelos humanos.

As provas são sólidas e acumulam-se rapidamente. A humanidade está se colocando em crescente perigo devido a mudanças no clima induzidas pelo homem. Como comunidade mundial, teremos de agir rapidamente e decisivamente no próximo quarto de século, abandonando uma economia baseada em combustíveis fósseis e abraçando novas e avançadas tecnologias de baixa produção de carbono de energia.

A opinião pública mundial está pronta para ouvir essa mensagem e agir com base nela. Mas, por toda parte, os políticos mostram-se tímidos, especialmente porque as companhias petrolíferas e carboníferas são tão politicamente poderosas. O bem-estar humano, e até mesmo sua sobrevivência, dependerão de as evidências científicas e o know-how tecnológico triunfarem sobre ganância míope, timidez política e o fluxo contínuo de propaganda empresarial anticientífica. (Tradução de Sergio Blum)

Jeffrey D. Sachs é professor de economia e diretor do Instituto Terra, da Columbia University. É assessor especial do secretário-geral da ONU no tema das Metas de Desenvolvimento do Milênio. Copyright: Project Syndicate, 2012.
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Sem vergonha



Paulo Brossard

Otávio Mangabeira foi um homem público de largo espectro e apuradas qualidades, que suportou dois exílios; era de família pobre e pobre foi toda a vida, ainda que durante anos tivesse sido parlamentar, deputado e senador, ministro das Relações Exteriores, governador da Bahia, estilista primoroso, foi orador impecável; na conversa apreciava artifícios que apontassem os contrastes humanos com malícia, mas sem maldade; assim, por exemplo, gostava de pilheriar com a própria terra que tanto amava, dizendo: "Imagine um absurdo, por maior que seja, tem precedente na Bahia". Pois estou em dizer que nem na Bahia haverá precedente do fato aqui ocorrido.

Nada menos que um parlamentar, presidente de partido numeroso, de óbvias responsabilidades inerentes a sua situação no mapa partidário, que elegeu a senhora presidente da República, bem como seu antecessor, o atual governador do Rio Grande do Sul como um de seus predecessores, além de outros títulos auferidos no resto do país, cometeu um descoco que nem na Bahia tinha precedente... Em reunião do seu partido, desnecessário dizer tratava-se do PT, realizada em Sapiranga, referiu-se à Justiça Eleitoral em termos simplesmente inacreditáveis, como o seriam se não tivessem sido gravados e reproduzidos pela radiodifusão, sem qualquer ressalva, e, ao contrário, confirmados pelo próprio protagonista; as palavras são poucas, mas nem precisavam ser mais numerosas para estarrecer a gregos e troianos. Com estas palavras o presidente do mencionado partido se referiu aos juízes da Corte Eleitoral – "Nós não controlamos esse bando de sem-vergonha que compõe o Tribunal Eleitoral". Procurado por jornalistas, acusou-os de estar "praticando um jornalismo marrom e vagabundo" e, no dia seguinte, adiantou que "a gravação não tinha sido autorizada"... desse modo confirmou a declaração insultuosa, afinal o "bando de sem vergonha" eram os juízes do TRE do Rio Grande do Sul! Esta a linguagem do parlamentar e presidente de um partido de inexcedível agressividade frontalmente endereçada a um tribunal, cujas decisões podem ser objeto de recursos legais e de críticas explícitas a sua sabedoria, mas jamais como "um bando de sem-vergonha que compõe o Tribunal Eleitoral".

Nunca imaginei que seria juiz do TSE e até seu presidente, ao tempo em que advoguei da primeira à derradeira instância da Justiça Eleitoral, mas posso dizer que nunca, jamais, nem quando advogado, nem quando presidente, vi coisa igual nem parecida com essa agressão covarde, que causou tristeza e mal-estar a quantos se esforçaram por ver praticada e respeitada a maior reforma política já realizada no Brasil, com a adoção da Justiça Eleitoral e do voto secreto, que lhe deu sentido.

Aliás, embora desnecessário, mas apenas a título ilustrativo, lembro que ideias estapafúrdias surgem aqui e ali quando se trata de reformas institucionais, mas nunca alguma que extinguisse a Justiça Eleitoral ou alterasse sua estrutura.

Mas, na minha apreciação, vejo alguma relação entre o jato de insânia despejado a céu aberto contra a verdade eleitoral e a onda de violência que se vai espalhando pelo país. Ainda agora a CUT se arvora em juiz do Supremo Tribunal Federal e o ameaça em caso dele parcializar-se no julgamento do triste episódio do mensalão (sic).

A pretensão em causa revela a disseminação de expedientes visando ao desprestígio da Justiça com a desconfiança nela, ainda que de forma semi-infantil e grosseira, mas solerte e calculada.

De mais a mais, a própria linguagem empregada lembra uma linguagem de sarjeta, mostra o seu descompasso da apropriada a uma entidade investida de relevantes encargos e finalidades pela própria Constituição Federal.

*Jurista, ministro aposentado do STF
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segunda-feira, 30 de julho de 2012

Ideologia de privada


 LUIZ FELIPE PONDÉ
FOLHA DE SP



Vão criar editais para fomento cultural e "científico" a favor dos sem-banheiro, o MSB

Quando eu morava num kibutz em Israel nos anos 80, num dos banheiros masculinos, estava escrito na porta, "fighting for peace is like fucking for virginity"(lutar pela paz é como trepar pela virgindade).

Gays sempre deixaram inscrições nas portas e paredes dos banheiros masculinos, afirmando seus desejos e dotes físicos. Quanto aos femininos, sempre foram objeto de mistério e desejo, afinal, ver mulheres sem roupa sempre foi um sonho de todo cara. Além do fato óbvio de que os órgãos excretores são os mesmos envolvidos no ato sexual. Claro, não apenas eles.

Qualquer iniciado em Freud vê algo de obviamente sexual na nossa relação com banheiros. Fantasias sexuais sempre encontraram nos banheiros um santuário para suas taras. E mais: formas diversas de perversões sexuais envolvendo funções excretoras sempre povoaram o universo das fantasias sexuais mais "heavy".

Talvez alguém ache que eu deva pedir perdão por usar uma expressão como "perversões sexuais" num mundo como o nosso, no qual um sujeito pode gostar de espancar e ser espancado, mas exige seu direito de cidadania "sado-maso". Mas não vou pedir perdão não, tá?

Como já disse antes, hoje em dia todo mundo quer ser "legal" e ninguém quer ser pecador. O cara gosta de transar com cães de grande porte, mas recicla lixo, anda de bike na praça Pan-Americana e come rúcula, e por isso ele é o que chamo de "sado-maso" sustentável, ou seja, "sado-maso" de boutique. Sade vomitaria nele, mas sem nenhum tesão.

Até pouco tempo atrás, isso era tudo que se podia imaginar em termos de metafísica de banheiro. Algo na fronteira do "trash" e do mistério. Imagine quantos meninos já sonharam em se esconder no banheiro das meninas para vê-las sem roupa. Uma "cheerleader" no banheiro é um clássico sonho de consumo.

Mas hoje, metafísica de banheiro é coisa "séria". A cidadania passa pela latrina: rosa ou azul? Logo vão inventar a ideia de que "direitos sanitários" não são apenas o direito a saneamento básico (rede de esgoto, boca de lobo, privadas e similares), mas o direito de invadir o banheiro alheio num movimento, talvez inspirado no MST (as Farc brasileiras), que podemos denominar MSB, "os sem-banheiro".

Há algum tempo que ouço frases (que acho bem bregas, aliás) como "na Europa não existe mais banheiro de homem e mulher". Toda pessoa que faz esse tipo de comparação entre Brasil e "o Primeiro Mundo" revela sua alma de vira-lata metido a chique, um dos piores tipos na galeria de comportamentos esteticamente ridículos. Viajo muito, para minha infelicidade, e continuo vendo banheiros divididos por sexo. Sei também que está na moda falar "gêneros" (sexo é construção social), mas eu que não acredito nisso, continuo falando "sexos".

Normalmente lá, quando não há separação, é porque você está num lugar "chiquinho-cabeça" (antros de mal-educados ideologicamente motivados) ou por miséria de banheiro mesmo. Aliás, quem diz que a Europa é Primeiro Mundo em banheiro é quem não conhece a Europa mesmo, porque lá muitos banheiros são horrorosamente imundos, quando não apenas uma fossa num cubículo.

Quem mais sofre com a invasão ideológica do banheiro alheio são as mulheres, que normalmente são bem preocupadas com privacidade neste assunto, a ponto de muitas vezes, desde pequenas, desenvolverem patologias intestinais ou urinárias devido ao hábito de "se reprimirem" em situações de privação de privacidade sanitária.

Proponho fiscais nos banheiros femininos para assegurarem que os invasores farão xixi sentados para não sujarem tudo.

Vivemos em tempos ridículos (tempos pautados por um acúmulo de conforto e por isso todo mundo fica meio besta): daqui a pouco vão criar editais especiais para fomento cultural e "científico" (o povo da teoria de gênero aplicada à privadas) a favor do MSB, "os sem-banheiro".

E o incrível é que ninguém diz de uma vez que esse papo de crítica de gênero aplicada a privadas é papo furado de quem no fundo quer justificar ideologicamente seus pequeno sintomas, e não respeita a privacidade alheia, principalmente das mulheres.
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Cadáveres latino-americanos




MAC MARGOLIS
O Estado de S.Paulo


Digam o que quiserem de Hugo Chávez, mas o presidente venezuelano sabe como poucos apropriar-se dos holofotes. Doente de câncer, com a economia em baixa e a oposição em ascensão, o líder do experimento bolivariano pode estar com os dias contados. No entanto, basta um factoide e uma oportunidade para que a desgastada marca do socialismo do século 21 ameace ressurgir reluzente.

Assim foi na semana passada, quando o comandante divulgou um novo retrato de Simon Bolívar em três dimensões, reconstituído por tomografias ósseas por uma equipe de cientistas nacionais. Em cerimônia teatral, que contou com a presença de alunos de um colégio de Caracas, Chávez apresentou a repaginada imagem do libertador latino-americano, morto em 1830, agora de uniforme em detalhes dourados, com feições severas e costeletas enormes.

Todos os países reverenciam seus fundadores e a América Latina está cheia de defuntos cobiçados. El Salvador, Honduras e Costa Rica, recentemente, disputaram o herói da independência Francisco Morazán, morto em 1842, e já discutem um rodízio de seus restos mortais.

Equador resolveu a querela sobre o legado de seu libertador, José Eloy Alfaro, dividindo suas cinzas entre um túmulo familiar e um memorial nacional. No Uruguai, conservadores ruidosos impediram um projeto parlamentar para transferir os restos mortais do herói independentista, o general José Artigas, de seu jazigo militar para um mausoléu civil.

Quando o então presidente argentino Nestor Kirchner criou um novo mausoléu para o eterno ícone Juan Domingo Perón, os peronistas rivais transformaram o cortejo em motim. Agora, sua mulher e sucessora, Cristina Kirchner, lança a nova nota de 100 pesos, que leva o semblante da ex-primeira dama Eva Perón.

No entanto, a fissura de Chávez por Bolívar vai além do tributo histórico. Andrés Oppenheimer, colunista do Miami Herald, avalia a obsessão latina pelos falecidos heróis como uma atração fatal pelo passado em uma região que prefere olhar para trás em vez de abraçar o futuro.

O argentino Tomás Eloy Martínez vai além e destaca a queda latino-americana pela melancolia de tempos perdidos, exemplificada na beatificação da Santa Evita, martirizada pelo câncer.

Pode ser. Para Chávez, porém, a história é uma arma prática. Seu novo retrato de Bolívar é mais uma peça do conhecido enredo chavista que lista o Libertador, ao mesmo tempo, como ícone e marca registrada da república, rebatizada da República Bolivariana da Venezuela. Na mão de Chávez, o herói oitocentista está a serviço do marketing político do século 21.

Mais que inspirar, o novo retrato de Bolívar foi encomendado para fortalecer uma tese política, a de que o herói não sucumbiu à tuberculose, como contam os livros, mas tombou envenenado por traidores colombianos (sempre eles). Sua cruzada para provar o complô dos vizinhos (avatares históricos para o imperialismo gringo atual) começou há dois anos de forma macabra e cômica, quando Chávez mandou exumar o cadáver do seu herói para exames forenses.

Mais do que saudosismo, a necrofilia ideológica é a arte de nutrir-se de cadáveres ilustres para engordar um projeto político. Escravocrata e latifundiário (Karl Marx o definiu como algoz dos trabalhadores), afeito ao iluminismo, devoto e, ao mesmo tempo, crítico da democracia ocidental, Simon Bolívar foi como todos os heróis históricos um líder complexo e contraditório o suficiente para servir a qualquer figurino, seja a farda do nacionalismo militar, seja a boina vermelha bolivariana.

Para Chávez, basta pinçar da obra do libertador meia dúzia de tiradas anti-imperialistas - e há muitas - para lustrar sua excêntrica visão do mundo. E as outras atitudes que não se encaixam no manequim? O que dizer de sua busca insistente pela chancela dos líderes europeus e americanos para seu pleito contra a Espanha? Ou de seus elogios efusivos à figura de George Washington, o primeiro filho do Novo Mundo?

A serventia de um herói é justamente prestar-se ao papel de autorizar seus discípulos a realçar alguns feitos e arquivar inconveniências. Entre elas, como lembrou recentemente o blogueiro venezuelano Francisco Toro: "Fuja de um país onde um único homem detém todo o poder, pois é um país de escravos".
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A eletricidade e o custo Brasil



EDITORIAL O ESTADÃO
O Estado de S.Paulo


O governo federal promete reduzir o custo da energia elétrica, uma das principais desvantagens da indústria brasileira diante dos concorrentes mais dinâmicos. Embora importante, essa iniciativa eliminará apenas uma fração do famigerado custo Brasil. Várias novas ações serão necessárias - na área dos impostos, por exemplo - para equilibrar a competição entre o produtor nacional e o estrangeiro. Além disso, o governo central só poderá cortar uma parte dos encargos sobre a eletricidade. O consumidor continuará onerado pelo Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICMS), cobrado pelos Tesouros estaduais. De toda forma, o alívio anunciado pelo ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, será um passo considerável na direção certa, embora representantes da indústria reivindiquem um corte bem mais amplo que o prometido.

O alívio prometido pelo ministro dependerá de ações de dois tipos. Está prevista, inicialmente, a eliminação de três encargos embutidos nas tarifas - a Conta de Consumo de Combustíveis (CCC), a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) e a Reserva Global de Reversão (RGR). Esses itens, somados, correspondem a 7% da conta de eletricidade. O ministro ainda acenou com a possível extinção do Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa), destinado a financiar, por exemplo, instalações de geração eólica. Se essa hipótese for confirmada, haverá mais um corte de 1,1%.

A segunda medida será a renovação, por 20 anos, das concessões do setor elétrico com vencimento previsto para 2015. As empresas beneficiadas, adiantou o ministro, deixarão de incluir em suas contas a remuneração de investimentos já amortizados. Também isso deverá baratear a eletricidade e a redução média das tarifas ficará em torno de 10% - provavelmente entre 15% e 20% no caso das indústrias. As empresas, de toda forma, deverão ser beneficiadas com a desoneração antes dos consumidores residenciais.

O presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, continua defendendo a realização de novas licitações para a seleção das empresas prestadoras dos serviços de eletricidade.

Além disso, empresários do setor manufatureiro cobram reduções bem mais amplas do custo da energia. Com um corte de 10%, a energia brasileira apenas passaria do terceiro para o quarto lugar na lista das mais caras do mundo, argumentou um crítico, citando um levantamento da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan).

Os industriais têm concentrado no governo federal as pressões pela redução do custo da energia elétrica. Mas os governos estaduais são responsáveis por uma parcela muito importante da tributação dos serviços de utilidade pública. Nenhum esforço de racionalização dos impostos brasileiros será suficiente sem o envolvimento dos Tesouros estaduais. O governo federal deveria trabalhar por esse objetivo e o empresariado seria mais realista em suas reivindicações se tentasse envolver os Estados na discussão.

A eliminação dos encargos federais embutidos na conta de eletricidade terá um custo considerável para o Tesouro Nacional. No ano passado, renderam R$ 10,8 bilhões. Até agora, o governo tem procurado compensar os benefícios concedidos a alguns segmentos empresarias com aumentos de impostos e contribuições pagos por outros. Se há alguma renúncia fiscal, nesses casos, é certamente bem menor do que alardeiam as autoridades.

Se a ideia é tornar a empresa brasileira mais competitiva e, portanto, mais capaz de ocupar mercados e de gerar empregos, é preciso dar maior amplitude à desoneração tributária. Para isso será preciso mexer mais corajosamente na política fiscal, tornando o gasto público mais parcimonioso e mais eficiente.

Embora importante, o preço da eletricidade é apenas um dos componentes do custo Brasil. Para executar de fato uma política de competitividade, cantada até pelo presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, numa conferência em Londres, o governo terá de mexer numa porção de outros obstáculos, incluída a própria ineficiência no planejamento e na execução de investimentos em infraestrutura.
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domingo, 29 de julho de 2012

O que é "votar certo"?





Finalmente você resolveu votar certo.
Então, onde e como foi que você errou antes?
Por que não se manifestou ao longo dos quatro anos?
Se você não acompanhou o trabalho do político que você elegeu como sabe que votou errado?
Vamos supor que você se lembra o que ele lhe prometeu ao longo da campanha. Sabe os motivos pelos quais ele não cumpriu o prometido?
Você sabe se é ele quem faz o que prometeu? Não seria o prefeito ou o governador? Então você sabe quais são as funções de um vereador ou deputado?
Você sabia que para fazer o que ele prometeu precisa que mais outros concordem com o que ele está propondo?
Você sabe se o que ele prometeu é factível? Pode ser feito? Está previsto no orçamento que outros combinaram e votaram? 
Sabe como funciona um orçamento municipal ou estadual?
E se o que ele prometeu não puder ser feito por não estar previsto no que foi combinado? Você sabe o que é preciso para seu candidato fazer?
Será que é o mesmo que o partido de seu candidato quer?
E se não estiver de acordo com o que o partido quer, você sabe se ele pode prosseguir para cumprir o que lhe prometeu?
Você sabia que entre ele fazer o que lhe prometeu e o que está previsto no orçamento, ou não for o que os outros querem fazer para aprovar, ou não for o que o partido de seu candidato quer que seja feito, sabe que ele pode não se reeleger? Nesse caso você acha que ele continuará tentando fazer o que lhe prometeu?
Bem, se você não sabe como responder a essas simples e essenciais perguntas como é que agora você acha que vai votar certo?
Se você não sabe como responder a essas perguntas você ACHA que estará votando certo. O mais certo é que você estará votando na imagem e no papo que o candidato lhe passou e estará repetindo o mesmo que você vem fazendo até agora e ACHA que estava errado.
Não seria bom você repensar seus conceitos?
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O estado de violência


GAUDÊNCIO TORQUATO
O Estado de S.Paulo


"Do rio que tudo arrasta se diz que é violento. Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem." A frase lapidar de Bertolt Brecht pode ser o ponto de partida para uma reflexão sobre a sensação de insegurança que, segundo recente relatório da ONU, é a maior do mundo e atinge 70% dos brasileiros. São Paulo, a maior metrópole do País, registra 1% dos homicídios do mundo, mesmo tendo só 0,17% da população global. Os indicadores do estado de violência na capital - assassinatos, estupros, roubos de cargas e de veículos, arrastões - aumentaram seguidamente nos últimos meses (homicídios, 47% em junho), expandindo as correntes de medo e comoção, que desaguaram no assassinato de Tomasso Lotto, italiano de 26 anos que escolhera o Brasil para morar e trabalhar. Lotto chegou na sexta e morreu no sábado, 21.

A constatação do secretário de Segurança Pública, Antonio Ferreira Pinto, de que São Paulo vive uma "escalada de violência", devendo se encaixar o homicídio do jovem italiano na paisagem de eventos corriqueiros que ocorrem "em Cidade Tiradentes, em Itaquera e no Jardim Ângela", não responde à questão central: qual a razão do pico de violência no ciclo em que 30 milhões de brasileiros entram no andar da classe C? Ou, para seguir a pista oferecida pelo dramaturgo alemão, não teria havido descompressão das margens para aliviar a carga de violência do rio? Algo soa estranho. O Brasil do resgate social da era Lula, cantado em prosa e verso porque transformou sua pirâmide em losango com o adensamento das classes médias e o estreitamento das margens de pobreza, aponta para uma composição menos desigual, mais harmônica e, por isso mesmo, menos conflituosa.

Essa é a leitura apropriada de uma paisagem pintada com os traços da distribuição de renda e de menor desigualdade entre classes. A recíproca é verdadeira. Apregoa-se que a exclusão social desencadeia violência por transformar a indignação, a contrariedade de amplos contingentes, a fúria de grupamentos marginalizados em linguagem e arma contra a ordem estabelecida. Os excluídos da mesa social, explicam a sociologia e a psicologia, tendem a ultrapassar as fronteiras da sociabilidade e da civilidade, distanciando-se de práticas civilizatórias da modernidade e se aproximando da barbárie. Atos radicais contra pessoas e organizações constituiriam reflexo de tal condição. Como se pode aduzir, as hipóteses parecem lógicas. Mas não são as únicas que explicam a fenomenologia da insegurança e da harmonia social.

Observe-se, por exemplo, a aparente contradição entre a expansão do progresso social, aqui entendido como elevação dos padrões de vida de classes menos favorecidas, e o incremento da violência no País. Basta analisar as taxas de criminalidade que se expandem no Sudeste, região que detém o maior PIB nacional. Desde a década de 70, os homicídios quadruplicaram em São Paulo e triplicaram no Rio de Janeiro. Mais de cem pessoas morrem no Brasil todos os dias, vitimadas por armas de fogo. No Rio a taxa é maior que o dobro da média nacional. Os motivos são conhecidos. Ali, ao longo de décadas, travou-se uma luta renhida entre traficantes e forças policiais, dentro de uma complexa anatomia urbana, ocupada por favelas que, até há bem pouco, eram consideradas território imune ao império da lei. Hoje, o "país" informal dominado pela criminalidade cede lugar ao Estado formal, que desenvolve árdua tarefa de pacificação nas comunidades.

Já São Paulo, o maior aglomerado urbano do País, comporta uma população equivalente à de dez cidades de mais de 1 milhão de habitantes. Sua cadeia de problemas se deve ainda ao intenso processo de conurbação que liga a capital a 38 municípios no entorno, formando um agregado de cerca de 20 milhões de pessoas. Com tal gigantismo, não surpreende que a região seja abrigo das maiores carências nacionais, a começar da segurança pública. São Paulo e Rio contabilizam mais da metade dos crimes violentos do País. Chega-se, neste ponto, à indagação central: a elevação dos padrões de cidadania - pelo acesso de contingentes marginais ao mercado de consumo e aos direitos básicos dos cidadãos - contribui para a harmonia social? A considerar a planilha de expansão dos crimes, não. Ora, se a resposta é negativa, que fatores explicam o aumento da violência? O primeiro é, seguramente, a ausência do poder do Estado.

O descaso e a omissão dos governos nas frentes dos serviços públicos essenciais são responsáveis pela institucionalização da violência. Agrupam-se nesse vácuo falhas nas áreas de prevenção da segurança, deficiências dos sistemas de saúde, transportes, habitação, educação, etc. As carências abrem espaço a múltiplas formas de violência. Criminosos fazem do crime seu meio de vida. Bafejados por defasadas leis penais, entram em regime de progressão da pena, ganham indulto e liberdade condicional. E retornam ao mundo do crime. Veja-se mais um dado da desorganização: há 514 mil pessoas presas no País e cerca de 500 mil mandados de prisão aguardando cumprimento, 360 mil só no Sudeste. Que segurança se pode ter diante desse quadro?

Um tipo de violência leva a outro. O desarranjo decorrente da ausência dos braços do Estado induz parcelas sociais a descumprir obrigações, desrespeitar leis, fugir ao império da ordem, como se pode constatar nas violações no trânsito ou nas teias de corrupção que se multiplicam nos subterrâneos da administração pública. E o que dizer da violência do próprio aparato policial, cujas condições de vida digna deixam a desejar, a partir de uma miserável remuneração? A violência que viceja no seio das polícias decorre, pois, da violência institucionalizada, cujo responsável maior é o Estado. À guisa de conclusão, com um adendo à lição de Brecht: além das margens, ninguém diz violentas outras áreas que comprimem o rio.
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Sustento feminino


 MARTHA MEDEIROS
ZERO HORA



Participando de um seminário sobre comportamento, foi dito que as mulheres estão de tal forma cansadas de suas múltiplas tarefas e do esforço para manter a independência que começam a ratear: andam sonhando de novo com um provedor, um homem que as sustente financeiramente. 

Não acreditei. Outro dia discuti com uma amiga porque duvidei quando ela disse estar percebendo a mesma coisa, que as mulheres estão selecionando seus parceiros pelo poder aquisitivo não só as maduras e pragmáticas, mas também as adolescentes, que ainda deveriam cultivar algum romantismo. 

Então é verdade? Pois me parece um retrocesso. A independência nos torna disponíveis para viver a vida da forma que sonhamos, sem ter que “negociar” nossa felicidade com ninguém, e são poucos os casos em que se pode ser independente sem ter a própria fonte de renda (que não precisa obrigatoriamente ser igual ou superior a do marido). Não é nenhum pecado o homem pagar uma viagem, dar presentes, segurar as pontas em despesas maiores, caso ele ganhe mais – é distribuição de renda. 

Mas se é ela que ganha mais, a madame também pode assumir o posto de provedora sênior, até que as coisas se equalizem. Parceria é uma relação bilateral. É importante que ambos sejam autossuficientes para que não haja distorções sobre o que significa “amor” com aspas e amor sem aspas. 

As mulheres precisam muito dos homens, mas por razões mais profundas. Estamos realmente com sobrecarga de funções – pressão auto-imposta, diga-se –, o que faz com que percamos nossa conexão com a feminilidade: para ser mulher não basta usar saia e pintar as unhas, essa é a parte fácil. 

A questão é ancestral: temos, sim, necessidade de um olhar protetor e amoroso, de um parceiro que nos deseje por nossa delicadeza, nossa sensualidade, nosso mistério. O homem nos confirma como mulher, e nós a eles. Essa é a verdadeira troca, que está difícil de acontecer porque viramos generais da banda sem direito a vacilações, e eles, assustados com essa senhora que fala grosso, acabam por se infantilizar ainda mais. 

Podemos ser independentes e ternas, independentes e fêmeas – não há contradição. Estamos mais solitárias porque queremos ter a última palavra em tudo, ser nota 10 em tudo, a superpoderosa que não delega, não ouve ninguém e que está ficando biruta sem perceber. 

Garotas, não desistam da sua independência. Façam o que estiver ao seu alcance, seja através do trabalho ou do estudo, em busca de realização e amor próprio. Escolher parceiros pelo saldo bancário é triste e antigo, os tempos são outros. É plausível que se procure alguém com o mesmo nível intelectual e social, com um projeto de vida parecido e com potencial de crescimento – mas para crescerem juntos, não para garantir um tutor. 

A solidão, como contingência da vida, não é trágica, podemos dar conta de nós mesmas. Mas, ainda que eu pareça obsoleta, ainda acredito que se sentir amada é que nos sustenta de fato.
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Livro


LUIS FERNANDO VERISSIMO
O Estado de S.Paulo


Concordo, o livro está caro, mas o cinema também está e a gasolina mais ainda. É cada vez mais econômico não sair de casa. E o livro leva nítida vantagem sobre todas as outras formas de divertimento caseiro. É melhor do que TV. É melhor do que conversar com a família. Você já sabe o que vai encontrar na TV. Também já sabe o que a família tem para dizer. Mas cada livro novo tem coisas novas para contar. É como um desconhecido que entra em sua casa cheio de novidades e de histórias. E você não precisa lhe oferecer nada. Um uisquezinho, uns salgadinhos... Nada.

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Vou exagerar: livro é melhor do que sexo. Você pode tomar o uísque antes, depois e durante a leitura. Livro nunca pede para apagar a luz - pelo contrário, exige que ela fique acesa. Quando você termina a leitura o livro não pergunta "Foi bom para você?". Livro nunca está com dor de cabeça.

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Ler é melhor do que ouvir música. Ouvir música é uma coisa passiva. Na leitura você participa. Segura o livro. Vira a página. Se preferir, pode molhar a ponta dos dedos para melhorar a aderência. Ao contrário da música, você pode, se quiser, começar a ler de trás para diante. Pode fazer anotações nas margens. Pode acariciar, cheirar, manipular o livro. Pode até mastigá-lo, por que não?

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Ler é melhor do que jogar carta. Livro não tem parceria nem adversário. Ler é melhor do que montar estante, trocar lâmpada ou qualquer outro afazer doméstico. Não há possibilidade de acidentes com livro, a não ser cortar o dedo na borda do papel, o que arde mas não mata.

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A superioridade do livro sobre a TV é indiscutível. Livro não tem comerciais. Você lê o livro que quer sem precisar impor sua vontade e disputar o controle remoto com o resto da família a tapas. E de madrugada, quando o livro está ficando bom, não entra um filme que você já viu dez vezes.

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E livro é muito melhor do que cinema. Você escolhe a melhor poltrona para sentar com seu livro sabendo que não haverá uma mulher atrás de você pedindo ao marido para explicar o enredo. E que não há a menor possibilidade de saltar um personagem armado do livro na sua frente e começar a disparar na sua direção.
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Geografia, política e destino





LUIZ SÉRGIO HENRIQUES
O Estado de S.Paulo


Há muitas décadas corria, na América do Norte, uma expressão que passava por espirituosa e pretendia sintetizar o contraste entre o protagonismo dos Estados Unidos e o caráter muito menor da presença canadense no mundo. O Canadá, segundo tal expressão, sofreria de um mal irreparável: sua geografia era tudo, a história, quase nada. Duplo preconceito, é evidente, contra a geografia e contra um país tão plural, diversificado e original quanto o poderoso vizinho mais ao sul.

De uma certa forma, padecemos de síndrome semelhante, que deu origem a inúmeras expressões de autoironia: o "transoceanismo" das nossas elites, inclusive culturais, deixava-nos de costas para a realidade americana, as ideias e as crenças nos vinham com o último paquete da França e nos custou muito adquirir paulatinamente, a partir da intensa modernização do País no século 20, a noção do nosso enraizamento numa realidade nova e desafiadora, bem distante, muitas vezes, do padrão metropolitano. Custou-nos descobrir, afinal, que geografia é destino - logo, é algo saturado de história, com seus dramas, encruzilhadas e até imprevistas acelerações.

É por isso que já agora nos atingem tão diretamente as peripécias individuais dos nossos vizinhos, as marchas e contramarchas do processo de unificação sul-americana: a necessária integração física do subcontinente, o aumento dos seus fluxos de comércio, a elaboração possível de um ponto de vista original sobre o mundo nesses países, em si tão variados e até estruturalmente desiguais, da América ibérica.

O fato é que por aqui convivem, numa assimetria evidente de tempos históricos, países que, como o Brasil, a Argentina ou o Chile, seria melhor considerar como membros plenos de um "extremo Ocidente", com sociedades e economias que se abriram, de um modo ou de outro, à participação dos setores subalternos; e países que, por sua vez, ainda vivem o acidentado processo de expansão das suas Repúblicas para além do restrito âmbito oligárquico. Um processo que, não raro, ocorre de modo autoritário e conduzido "pelo alto", como, aliás, se deu entre nós, nos anos 30 do século passado, e que agora parece reproduzir-se nos países da "revolução bolivariana", especialmente naquele que se singulariza por altíssimas reservas de petróleo e por uma agressiva liderança carismática, capaz de se arvorar, com alta dose de voluntarismo, em porta-bandeira de resistência ao neoliberalismo e de construção do socialismo no novo século.

Geografia e história se misturam, e não se trata de experimentos conduzidos in vitro ou, para citar expressão sugestiva, não são acontecimentos que possam transcorrer "num ringue convencionalmente regulado". Pode acontecer, por exemplo, que ações positivas de democratização social - ou que apontem nesse sentido - se entrelacem com visões esquemáticas da política e da sociedade. Nem tudo, em nuestra América, é Ocidente, ainda que extremo e periférico, razão pela qual, mesmo em ambientes de esquerda, pode predominar uma sociologia política rudimentar, que vê, de um lado, o presidente e o povo, em ligação imediata e sem restos, e, de outro, o conjunto das mediações sociais e instâncias organizativas, vistas como algo irreparavelmente oligárquico e elitista.

Nascem assim projetos autoritários de mudança social, que mais adiante vão cobrar seu preço - tal como aquele cobrado, no final do século 20, pelo esgotamento e pelo colapso das experiências igualmente autoritárias do antigo "socialismo real". As instituições clássicas da democracia política - o Parlamento, o Judiciário independente - são vistas como um obstáculo à mudança, e daí para sua descaracterização e manipulação, em contextos de autoritarismo eleitoralmente competitivo, vai um passo curto, que costuma atrofiar por décadas o florescimento de uma convivência civil livre e autônoma. A própria ideia de uma sociedade civil plural e articulada, como um valor em si mesmo, como espaço de luta muitas vezes áspera, mas também de permanente recriação de consenso e acordo, se perde em favor da arregimentação militarizada da vida social a partir de cima: do Estado e do seu homem providencial.

Os antigos Estados do Leste Europeu fossilizaram-se num sistema de privilégios, que se tornava visível assim que o olhar crítico ia além da superfície de um certo nível de direitos sociais supostamente universalizados, em troca da passividade política ou de um consenso artificialmente obtido. Faltavam-lhes animação cívica, choque de ideias, possibilidade real de alternância entre grupos dirigentes cada vez mais expostos ao controle dos governados, tanto nos critérios da sua formação quanto no exercício das diferentes instâncias de direção. Naqueles países, o contendor político era, invariavelmente, confundido com o agente externo, com o inimigo de classe, que cabia denunciar e esmagar. Em resumo, faltava-lhes o viço que só pode nascer de uma autêntica dialética democrática.

Muito poucos intelectuais de esquerda - poucos, relativamente -, contemporâneos do erguimento daquele tipo de Estado, souberam ou quiseram apontar os limites "corporativos" da experiência, sua incapacidade de marcar época e se oferecer como alternativa de civilização. Não raro, entregaram-se a exercícios "justificacionistas", como se o atraso relativo de uma sociedade implicasse necessariamente uma política baseada em demiurgos, partido único ou avassaladoramente dominante, bem como em estruturas estatais aquém dos requisitos modernos de liberdade individual e coletiva.

O custo histórico desse erro foi, e ainda é, imenso. E na América Latina, se é que entramos no século 21, a geografia também isolará novos surtos desse tipo, cuja expansividade enganosa só incendeia a imaginação dos sectários.
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Não sirvo, sirvo-me

JOÃO UBALDO RIBEIRO
O Estado de S.Paulo


Acho que todo mundo já se intrigou, ou se intriga a cada dia, com a constatação de que a vida pública, segundo os que exercem o poder político, é duríssima e exige todo tipo de sacrifício e, não obstante, ninguém que está no poder quer deixá-lo. É um paradoxo curioso e não duvido que, entre parlamentares, por exemplo, exista quem tenha a cara de pau de afirmar que com isso se demonstra o espírito cívico do brasileiro, disposto a doar a própria vida à nação, pois, conforme está no Hino Nacional, quem adora a pátria não teme a própria morte, quanto mais algumas inconveniências perfeitamente suportáveis para um espírito forte, determinado e norteado por ideais.

Estamos fartos de saber que é tudo mentira e enrolação safada e que, entre nós, o habitual para quem chega ao poder, em qualquer dos níveis da federação, é furtar de todas as formas concebíveis, desde material de escritório a verbas públicas, direta ou indiretamente, ou se beneficiar de sua condição de maneira indevida, seja por meio de privilégios legais mas indecentes, imorais e abusivos, seja por tráfico de influência. Ninguém tem ideal nenhum e muito menos se organiza em grupos ou partidos para procurar fazer valer princípios ou visar ao bem comum. O negócio aqui no Brasil é se fazer e tirar do mandato ou cargo público o maior proveito pessoal possível e todos os partidos obedecem a um mesmo manual de conduta, partido aqui não quer dizer nada.

O poder engorda e os poderosos vivem bem-dispostos e cevados, com todos os dentes. Nenhum deles, evidentemente, admite que se apropria criminosamente do que não lhe pertence ou se aproveita de vantagens ilegítimas. Mas a parentela viceja e o patrimônio prospera. Quantos, por este nosso Brasil afora, não são conhecidos em suas cidades como habilidosíssimos ladrões, que nasceram em famílias para lá de mal remediadas e hoje estão entre as grandes fortunas dos Estados de onde vieram, ou mesmo do Brasil? Ou, se não estão entre as grandes fortunas, se encontram entre os mais bem aquinhoados, com terreninhos, fazendinhas, apartamentozinhos e a família toda "colocada".

E também, apesar dos percalços da vida pública, o poder com toda a certeza libera endorfinas formidáveis, de modo que seus ocupantes têm o riso fácil, são generosos e de boa convivência, em paz com a vida. Não sei se contribui para isso o fato de que os mais poderosos entre eles não têm, nem nunca vão ter, problemas de moradia, problemas de aposentadoria ou problemas de tratamento de saúde, nunca entraram numa fila, nunca precisaram penar à porta de repartição nenhuma, nunca tiveram que se preocupar com o futuro e ficarão impunes, com a fortuna intacta, não importa em que falcatruas sejam pilhados. É, deve favorecer um pouco a calma e a tranquilidade deles.

Já nos acostumamos a ver os nossos governantes - e lembro que parlamentar, seja senador, seja deputado estadual ou federal, assim como vereadores, é governante - serem qualificados de larápios e ninguém mais se espantar, ou mesmo se interessar, quando alguém comenta que o governador Fulano é ladrão, o deputado Sicrano levou comissão em todas as obras de seu reduto eleitoral, o prefeito Beltrano tomou uma grana pesada de empreiteiras e imobiliárias, o desembargador Como-é-nome vendeu duas dúzias de sentenças a peso d'oiro, o vereador Unha Grande cobra por serviços legislativos e por aí vai, qualquer compatriota sabe essas coisas de cor, parecem fazer parte de nossa identidade. Talvez simbolicamente, pelo menos um governante nosso, o lulista Paulo Maluf, está sendo procurado pela Interpol e, se sair do Brasil, vai preso. Em verdade lhes digo: Não se fará justiça enquanto essa lista da Interpol não contiver alguns milhares de nomes genuinamente brasileiros.

Somos assim desde o nosso começo. Em nossa vida pública, muito raramente servir foi a diretriz, servir-se tem sido a norma. Nos Estados Unidos, por exemplo, o governo, diferentemente daqui, não costuma ocupar as principais manchetes. E as capitais, para surpresa de muitos, não são, como no Brasil, as maiores cidades de cada Estado. Ao contrário, são cidades pequenas, destituídas de qualquer glamour e sem nada do movimento das grandes metrópoles. Aqui não, aqui, como se gravita em torno do Estado e do poder, onde o Estado se mete em tudo e a burocracia parasítica e dispendiosa, a ganância fiscal, a roubalheira e a ineficiência fazem parte de um aparato secularmente estabelecido, as capitais são de longe as maiores cidades.

Hoje deve ser mais fácil roubar do que há relativamente poucos anos. A máquina do Estado tornou-se um Leviatã disforme e teratoide, em que ninguém de fato se entende, nem lhe conhece os labirintos institucionais e jurídicos. O dinheiro é cada vez mais volátil e portável pelos ares, ninguém sabe o tamanho e as ramificações dos tentáculos da corrupção e ainda moramos num país com muitos municípios onde, se quiser, o prefeito saca o dinheiro do governo, enfia-o na algibeira e se pirulita para sempre, já aconteceu. Ou às vezes é pegado, mas não dá em nada, o processo rola indefinidamente, o senador Esse-Menino é padrinho do rapaz, o juiz é gente do senador, a acusação faz corpo mole e, sabem como são essas coisas, o pessoal acaba esquecendo e não é nem impossível que o indigitado, munido da bênção do padrinho de um punhado de ordens judiciais, se eleja prefeito novamente.

Por essas razões e por outras, não deve causar espanto anunciarem tanto dinheiro para conquistar prefeituras minúsculas e inexpressivas. Compra-se em grosso, é exigência da economia criada em torno das eleições, que envolve muitas atividades. Não tem nada a ver com o interesse público. Bem verdade que quem acaba pagando somos nós, mas foi combinado que não faz parte da democracia brasileira dar palpite sobre como gastam nosso dinheiro.
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sábado, 28 de julho de 2012

Emergente tardio

Um excepcional artigo descrevendo de forma acadêmica e refinada os sintomas que definem nossa atual situação de desenvolvimento comparado aos demais países.

Um artigo para se guardar, reler várias vezes e a ele se referenciar sempre que se pensar em soluções para o Brasil.

Emergente tardio
Cristovam Buarque

O surgimento dos chamados países emergentes é um dos fenômenos da geopolítica mundial neste começo de século. Até pouco tempo, os países eram divididos em Primeiro, Segundo ou Terceiro Mundo. Depois da queda do Muro de Berlim, o conceito de Segundo Mundo ficou superado. Agora, um grupo de países passa a integrar um bloco diferente, chamado de emergentes. Não faz parte do Primeiro Mundo, mas se diferencia dos demais países em desenvolvimento. A China, a Índia, o Brasil, a África do Sul, a Indonésia, a Coreia do Sul, o México e outros formam o grupo que se caracteriza por participações importantes tanto no comércio internacional, quanto no PIB mundial. Fora isso, são países com baixos índices educacionais, saúde precária, concentração de renda e alto índice de corrupção. São emergentes econômicos, mas não sociais.

Pior: são emergentes tardios e chegam atrasados ao Primeiro Mundo.

A emergência desses países coincide com uma crise no propósito do mundo no qual eles emergem. Os países que lhes servem de modelo e definem o ideal buscam novos padrões para medir o desenvolvimento. Emergimos em direção a um objetivo que não mais satisfaz. É como uma família plebeia que emergisse à nobreza na Rússia Czarista na véspera da revolução socialista .

O mundo desenvolvido tem por base quatro grandes princípios: a Democracia Política, o Crescimento Econômico, o Bem-Estar Social e a Inovação Técnica. Mas, no momento em que os novos países emergem, descobre-se que esta sinergia entrou em crise por causa de quatro novos fatores: os limites ecológicos ao crescimento, a megaconcentração de renda, uma revolução científica e o descolamento do setor financeiro em relação tanto à realidade econômica quanto às fronteiras nacionais.

Daqui em diante, os países do Primeiro Mundo, países ricos, estão sendo obrigados a fazer escolhas entre continuar o crescimento econômico em direção a uma grave crise ecológica; restringir os benefícios sociais em direção ao equilíbrio fiscal; equilibrar suas economias nacionais em um mundo integrado; ajustar seus empregos aos tempos da nova ciência e tecnologia; dominar a megaconcentração de renda sem ferir a democracia; cumprir compromissos presidenciais com uma população que vive mais anos.

O conceito de desenvolvimento e progresso que atraiu os emergentes busca alternativa.

Em todo o mundo, a medição de progresso e, portanto, padrão para definir quem emergiu ou continua para trás já não poderá ser baseada apenas no crescimento econômico. Os novos emergentes, preocupados em emergir ao mundo do PIB elevado, subestimam a preocupação com o meio ambiente e com o bem-estar de seus povos, e não fazem os investimentos necessários para o salto em direção à inovação. Os desenvolvidos entram em uma economia baseada no conhecimento, na ciência e na tecnologia. Os emergentes copiam e quem copia já está atrasado.

O Brasil emerge a um tipo de desenvolvimento em extinção. A civilização industrial consolidada no século XX entrou em crise e se prepara para um novo padrão de progresso. Mas continuamos tão deslumbrados com a emergência ao velho que vivemos em euforia do novo obsoleto.

Isto aconteceu em outras mudanças de rumo no desenvolvimento brasileiro. O Brasil foi rico na produção de ouro e de açúcar, no momento em que a Inglaterra se industrializava. Brasil e Portugal chegaram à riqueza do velho mundo colonial, mas ficaram para trás porque a Revolução Industrial se consolidou como a nova forma de fazer e definir riqueza. Estamos repetindo a mesma situação outra vez.

Emergimos graças à exportação de commodities que nos deixa com uma moeda forte, com um PIB elevado, mas, salvo exceções, continuamos importadores de bens de alta tecnologia. Emergimos como país do "feito no Brasil", no momento em que a riqueza se mede e se define pelo "criado no Brasil"; emergimos para a produção e a renda per capita, quando o mundo evolui para mais tempo livre, maior produção cultural, melhor distribuição e mais qualidade nos serviços públicos, respeitando o meio ambiente; mais atenção à saúde pública, aos idosos e às crianças; revolução no atendimento universal e no conceito de educação por toda a vida; preocupação com o bem-estar e até com a felicidade, ao invés do carcomido PIB ao qual emergimos tardiamente.

Cristovam Buarque é senador (PDT-DF).
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Ciência, tecnologia e ainda a vaca




PAULO CESAR SOARES
FOLHA DE SP


A tecnologia não é, como dito, um "efeito colateral" da ciência básica. Sem investimento direto em inovação, a patente surgirá em outro país, em outra época


Li com muita atenção o artigo do colega físico Ivan Oliveira, "Ciência, tecnologia, inovação, vaca e leite", publicando aqui em 19 de julho.
Ele defende que a inovação é "efeito colateral" da ciência básica e que, por isso, é necessário investir na descoberta científica. Novos produtos e processos virão como consequência.
É preciso observar, porém, que, ao longo da civilização industrial, o desenvolvimento foi se aproximando da descoberta.
Assim, há 150 anos uma descoberta científica geraria um produto novo cerca de cem anos depois. Já há 50 anos, este gap era de cerca de dez anos. No final do século, a tecnologia chega apenas alguns anos atrás da descoberta científica.
O fato interessante, então, é que no passado distante a pesquisa científica, visando a descoberta, e a pesquisa em tecnologia, visando a invenção, não mantinham relação de importância.
Nas duas últimas décadas, porém, a invenção se aproximou tanto da descoberta que nos grandes centros as duas fases do conhecimento praticamente se uniram. Isto significou que a pesquisa científica se associou à tecnológica -é preciso que seja assim.
Os exemplos listados por Oliveira ilustram de uma certa forma a antítese da proposição do autor.
Ele nos conta que cristais líquidos foram descobertos em 1888 pelo botânico Friedrich Reinitzer na Universidade de Praga. Mas tanto Reinitzer quanto a sua instituição certamente não tiveram um papel relevante no desenvolvimento de monitores de TV, computadores ou tablets. E, claro, não receberam patentes por isso.
Outro exemplo que ele cita: Einstein publicou em 1916 a relatividade geral. Hoje, o GPS usa a sua teoria para funcionar corretamente. Mas o físico não teve nada a ver com isso.
Ou seja, não foram os autores ou as instituições onde ocorreram as descobertas científicas que foram os responsáveis pelos inventos. Não foram eles os beneficiários dos seus resultados. Foram terceiros, em épocas e locais diferentes.
Isso significa que a pesquisa científica sozinha não gera o produto que se traduz em benefício e progresso da humanidade. Ela pode surgir em outra época, em outro país, para outros beneficiários.
Ou seja: pode ser que a sociedade que financiou a pesquisa científica básica, assim como o próprio cientista responsável por ela, tenham inclusive de pagar royalties para usar um produto tecnológico que foi criado em função dos seus estudos.
Essa tem sido a grande diferença entre as políticas para a ciência e a tecnologia nos países desenvolvidos e nos dependentes.
No Brasil, por exemplo, como a indústria pouco investe em pesquisa, essa responsabilidade fica para a universidade. Os parcos recursos financeiros governamentais têm sido aplicados preferencialmente em descobertas científicas (pesquisa básica), cerca de 70%. Apenas 30% são direcionados para invenções e inovação (pesquisa aplicada).
Ao contrário, em países como os EUA os recursos são utilizados preferencialmente em pesquisas aplicadas, ainda que provindos em grande maioria de fundos do governo, mas preferencialmente aplicados pela indústria.
Assim, só 2010 as empresas americanas IBM e Samsung Electronics registram sozinhas respectivamente 5896 e 4551 patentes. O Brasil inteiro, no ano de 2011, fez 572 pedidos por meio do Tratado de Cooperação em Patentes.
Então, conclui-se que as pesquisas básicas e aplicadas devem andar de mãos dadas para que o conhecimento científico seja revertido em benefício da sociedade. Devemos refrear a ideia de que basta ocorrer a descoberta científica para que a aplicação em invenção e inovação venham de brinde.
Seria, complementando o brilhante físico Guido Beck citado, necessário dizer que não basta cuidar da vaca para se ter o leite.
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Brasília por dentro

Um depoimento singelo que dá ideia de como é nosso sistema representativo.
Eu tive contato ao longo de alguns anos, nada a se ressaltar, além do mero e inexorável fato de serem pessoas oriundas da própria sociedade que os elege.
Imaginem agora 26 Assembleias Legislativas e mais 5 565 Câmaras de Vereadores.

Brasília por dentro
 JOÃO MELLÃO NETO
O ESTADÃO



Estamos em pleno processo de julgamento do chamado mensalão. Para muitos que estão chegando agora, parece que o Brasil é uma nação vocacionada para os negócios escusos e à primeira oportunidade todos os políticos se voltam para saqueá-la. Outros tantos, que desconhecem o passado recente, repetem com convicção que nunca antes houve tamanha bandalheira como agora. Nem tanto ao céu nem tanto à terra.

Fui deputado federal duas vezes e estadual, uma. A esses 12 anos de experiência pública somo mais dez como comentarista de política no rádio e na televisão (é tão mais fácil falar mal dos outros...). Durante esse período convivi com todo tipo de gente. Há quem fala e não faz, há quem faz e não fala. Há gente que não é capaz de nada mesclando-se com gente que é capaz de tudo. Há políticos que conquistaram seu mandato graças ao voto concentrado numa única região e há os que se elegem por identidade ideológica com segmentos geograficamente esparsos da opinião pública. No somatório, todos eles se assemelham: cada um cuida de si e procura sobressair-se perante seu eleitorado.

Aliomar Baleeiro, que no início da década de 1970 era considerado o homem mais culto e inteligente do Parlamento brasileiro, foi quem cunhou a melhor explicação para o Congresso Nacional: tem por lá uns 10% de gente a fim de trabalhar e que sabe o que está acontecendo e, no outro extremo, há uns 30% que não acompanham sequer as votações em plenário. Entre as duas pontas, ainda sobram 60%. E essa é a massa crítica do Parlamento. Já era assim nos tempos de Baleeiro, continua assim nos tempos atuais.

Não, não se devem esperar gestos de heroísmo provenientes dos parlamentares. Eles só conseguem falar duro escudados pela tribuna e protegidos pela imunidade parlamentar. Fora desse especialíssimo contexto vale a definição atribuída a Kennedy: se Deus lhe deu um par de pernas covardes, por que não usá-las para fugir?

Isso não chega a ser um defeito. É exatamente por causa dessa característica que o Parlamento é a casa do consenso e da conciliação. Inúmeras crises já foram evitadas assim.

Muita gente não compreende que o trabalho parlamentar é um processo. Por se tratar de uma elaboração coletiva, nenhum parlamentar se pode vangloriar de ter proposto sozinho alguma ideia. Toda e qualquer proposta é encaminhada, primeiro, à Comissão de Constituição e Justiça, na qual, segundo as palavras de um colega de minha época, "as propostas são atraídas para um beco escuro onde são cruelmente asfixiadas e esquartejadas". Somente sobrevivem a esse processo as que, de alguma forma, interessam à Presidência da República. Mesmo assim, não sobrevivem incólumes. Recebem inúmeros apêndices que as tornam irreconhecíveis até para seus autores. Depois disso ainda são submetidas às comissões temáticas e só então levadas ao plenário.

Muitas pessoas se perguntam: como é a vida de um deputado em Brasília? Pode-se afirmar com certeza que, salvo algumas raras exceções, os parlamentares gozam de prestígio apenas em sua base eleitoral. Em Brasília convivem com 512 colegas que se acreditam tão importantes quanto eles.

Os deputados são alojados no Anexo IV da Câmara, um imenso edifício de dez andares com cerca de 50 gabinetes por andar. Passei oito anos em Brasília e, mesmo tendo puxado conversa com o responsável pelo meu andar, ele jamais me cumprimentou pelo nome. O que prova, na prática, que em casa que tem muitos donos quem manda, de fato, é o mordomo.

Como são tratados os parlamentares em Brasília?

Um exemplo emblemático ocorreu comigo numa loja de shopping center local. Na hora de pagar a conta, assinei um cheque e a moça do caixa, gentilmente, me pediu documentos. Eu, orgulhoso, saquei a carteira de deputado. Ela me respondeu, impassível: "Tudo bem, mas eu preciso de um documento para valer. O senhor não tem carteira de identidade?"

Outro exemplo, este mais extremo, ocorreu no aeroporto da cidade. Em 1991 existiam quatro empresas aéreas que supriam o tráfego nacional. Eram a Varig, com sua afilhada Rio Sul, a Vasp e a Transbrasil. Acontece que no percurso muitos aviões quebravam, o que deixava a linha aérea desfalcada. Resultado: muitos voos, a partir de Brasília, se atrasavam ou eram simplesmente cancelados. Para evitar tumultos no balcão de embarque quase todas as operadoras seguiam o mesmo procedimento: o gerente ia embora para casa, os diretores não eram encontrados e ficavam no balcão atendentes/aeromoças muito simpáticas, porém sem nenhum poder decisório.

Logo no início do meu primeiro mandato assisti a uma cena muito significativa. José Dirceu, que também estava debutando em Brasília, inconformado por não poder embarcar, resolveu promover um escândalo. Subiu no balcão da empresa aérea e, após um breve e exaltado discurso, avisou que se não pudesse embarcar ninguém mais embarcaria. Como estava pousando outro avião da mesma companhia, que vinha lotado de outras plagas, ele não teve dúvidas: invadiu a pista e se sentou na roda dianteira da aeronave. A Infraero decidiu o impasse: simplesmente ordenou à vigilância que removesse o intruso da pista, Ele saiu carregado, sem violência alguma.

Outro passageiro ilustre teve reação oposta: ao tomar conhecimento do cancelamento do voo, simplesmente remarcou a passagem para o dia seguinte e se foi. Fernando Henrique Cardoso já era senador da República havia mais de uma década. Ele sabia que nessas horas não há nada a fazer.

Se houver alguma inverdade nessa história, desafio o destemido Dirceu a refutá-la. Ele agiu dessa forma. Ele sempre agiu dessa forma.

Assim é Brasília, Eis aqui uma descrição que as pessoas não costumam fazer.
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O Davi contra o Golias

Sucessão presidencial na Venezuela é o tema.
Vale a pena ler e conhecer como se processa a "democracia" (pois os cidadãos acham que o fato de se poder votar significa viver em democracia) chavista.
Assim, também, seremos nós no futuro, graças a anuente omissão da sociedade brasileira.



O Davi contra o Golias
Henrique Capriles Radonski
Veja


O candidato da oposição à Presidência da Venezuela conta como é enfrentar a máquina eleitoral de Chávez e explica por que não é um bom momento para o país entrar no Mercosul

Em contraste com a monotonia vermelha dos comícios em apoio ao presidente venezuelano Hugo Chávez, as passeatas do candidato único da oposição às eleições de outubro. Henrique Capriles Radonski. são uma profusão de cores. Elas representam os mais de vinte partidos que apoiam seu nome para presidente. Nos eventos de Capriles. conhecido como "o Magro", também não há ônibus fretados pelo governo ou bonés e bandeiras com o logotipo da petrolífera estatal PDVSA. alguns dos sinais óbvios do escandaloso uso de dinheiro público a serviço da reeleição de Chávez. Capriles, advogado, governador do estado de Miranda, tem quase três meses para reverter o favoritismo de Chávez. Sua esperança é tornar-se conhecido pelos 23% de eleitores .indecisos. Para apoiá-lo, é preciso coragem. Em um único dia de campanha testemunhado por VEJA, a caravana de Capriles furou três barricadas de chavistas que batiam nos carros e faziam ameaças aos passageiros. Dentro de um ônibus na cidade de Matutín, no leste da Venezuela, e com os braços arranhados pelas mulheres (ele é solteiro e acaba de fazer 40 anos), Capriles concedeu a seguinte entrevista.

Os governos do Brasil e da Argentina aproveitaram a suspensão do Paraguai, no mês passado, para acelerar a adesão da Venezuela ao Mercosul. Apesar do subterfúgio usado para aprová-la, a entrada no bloco será boa para os venezuelanos?

Depende do cenário. Se o modelo econômico vigente em nosso país for mantido, não teremos nada a ganhar. As expropriações de empresas e de fazendas, os confiscos, os blecautes de energia, as estradas malconservadas e os assaltos destruíram o aparato produtivo em todas as áreas. A Venezuela hoje não exporta nada além de petróleo, e até esse setor está em declínio, por causa da falta de investimentos. A produção, que já este-ve acima de 3 milhões de barris, caiu para 2,4 milhões de barris por dia. A Venezuela se tomou essencialmente um país importador. Há filas de barcos ao longo do litoral esperando para desembarcar contèineres cheios de produtos vindos do exterior. Depois, voltam todos vazios para os países de origem. O ingresso no bloco regional só será positivo se mudarmos o modelo econômico, valorizando as exportações. A Venezuela é uma terra bendita, que pode diversificar a economia, desenvolvendo o potencial agrícola, o turismo, a indústria e a mineração de ouro e de ferro. Os outros integrantes do Mercosul poderiam comprar nossos produtos com tarifas de importação reduzidas, o que beneficiaria os trabalhadores venezuelanos. É nesse cenário que eu aposto. Não quero que a Venezuela seja uma economia de portos.

Se não há vantagens comerciais, por que Chávez se empenhou tanto para o país entrar no Mercosul?

Seu interesse é puramente político. O presidente quer estender sua influência. Ele não está preocupado com o desenvolvimento da Venezuela. Um de seus argumentos foi que os produtos importados ficarão mais baratos. Não há nenhuma preocupação com a produção nacional. Vivemos um momento de bonança petrolífera, com o preço do barril de petróleo cotado a preços altíssimos. Quando se olha ao redor, porém, parece que estamos exatamente como há quarenta anos. As estradas não têm asfalto e os hospitais estão em ruínas.

Na última década de governo Chávez, a Venezuela perdeu uma gigantesca oportunidade de se desenvolver.

No início da campanha, o senhor dizia inspirar-se em Lula. Recentemente, ele declarou apoio a Hugo Chávez. Foi uma má ideia associar-se à imagem do ex-presidente brasileiro?

Isso não importa. Não sou do tipo que personaliza as coisas. Lula foi o capitão da equipe, mas o time é o Brasil. O capitão mudou, e o Brasil continuou produzindo. Desde o Plano Real, os brasileiros entenderam que tanto o estado como a iniciativa privada têm um papel a cumprir. Quando esses dois trabalham juntos, os mais pobres se beneficiam. No fim. a saída da pobreza é ter um emprego que permita às pessoas se superar. O Brasil compreendeu isso e mantém um modelo de sucesso.

Muitos eleitores de Chávez são beneficiários das misbnes, como são chamados os programas sociais do governo. Elas reduziram a pobreza na Venezuela?

Os cidadãos só saem da pobreza quando conquistam condições de vida dignas. Não basta ter recursos para comprar comida. Sair da pobreza é ter um emprego estável, ter oportunidades para que os filhos estudem em uma escola de qualidade, morar em uma casa em bom estado e poder ser atendido decentemente em um hospital. O governo criou programas sociais que ajudam. mas não resolvem o problema. Os recursos do estado são insuficientes para que todos possam desfrutar do bem-estar a que aspiram. É preciso contar com a ajuda da iniciativa privada. e isso não aconteceu na Venezuela. Como governador do estado de Miranda, eu também criei programas so-

ciais. Eles têm um objetivo final, pois apontam para uma porta de saída. Quem vive na pobreza deve ter um sustento digno até que se capacite para encontrar um emprego formal. Ocorre que, na Venezuela, não se criaram novos empregos. Eles foram reduzidos. O único empregador que aumentou sua folha de pagamento foi o estado, e ainda assim são postos de trabalho mal remunerados.

O senhor faria alguma mudança nas misiones chavistas?

Eu proponho que elas não sejam partidarizadas e que a escolha dos beneficiários não obedeça a critérios políticos. Se o cidadão não pertence ao partido do governo, não ganha nada. Isso é uma chantagem, uma maneira de comprar apoio para o presidente. Não importa quem seja o governante, os programas precisam estar bem regulamentados para que cheguem até onde devem chegar, ou seja, a todos os venezuelanos que de fato necessitam.

Chávez está no comando da Venezuela há treze anos e, nesse período, as expropriações de empresas, os apagões de eletricidade e os homicídios se tomaram mais frequentes. Apesar disso, ele lidera as pesquisas eleitorais. Como explicar isso?

A alta no preço do petróleo permitiu a ele repartir os lucros desse recurso com os mais pobres, uma parcela da população antes ignorada pelos governos nacionais. Eu não reivindico o passado. Chávez é a consequência de um sistema que implodiu, e se apresentou como um salvador. O problema é que ele não salvou o país.

Como Caracas se transformou na capital com a maior taxa de homicídios do mundo?

Governos como o de Chávez se sustentam na anarquia. Quando há uma situação como a atual, de insegurança, quem são os fortes? São dois, o estado e o delinquente. O fraco é o cidadão. 0 que ele faz? Esconde-se. Nessas condições, é mais fácil para Chávez manter os cidadãos sob controle, porque eles estão amedrontados. O medo e o terror estão presentes na vida dos venezuelanos, isso é uma realidade.

O que o senhor mudaria na política externa da Venezuela?

A Venezuela prioriza as relações com países cujo governo é uma vergonha para todos, como a Bielorrússia e o Irã. Veja os amigos que temos. A política exterior deve fortalecer as relações com países em que há democracia, que respeitam os direitos humanos e com os quais temos interesses em comum: Brasil, Colômbia e Estados Unidos, por exemplo. Chávez fala em não ingerência e em respeitar a soberania de outros países, mas ficou numa situação complicada no Paraguai. Menos por causa da reunião do chanceler Nicolás Maduro com militares paraguaios (em que o venezuelano insuflou um golpe militar para evitar o impeachment do presidente Fernando Lugo) e mais pela ameaça de Chávez de suspender a venda de petróleo a Assunção. Como alguém que se opõe ao embargo econômico a Cuba pode defender o mesmo tipo de sanção ao Paraguai? Isso prova que a diplomacia da Venezuela obedece apenas às preferências políticas e pessoais de Chávez. Ele se relaciona com quem sente afinidade ideológica, e se distancia de todos os outros.

O que Cuba, cujo regime Chávez patrocina, pode esperar do futuro se o senhor se tomar presidente?

Não pretendo suspender as relações diplomáticas com a ilha. Cuba e Venezuela podem ter uma relação ainda mais proveitosa. Atualmente, o que existe é uma admiração de Chávez por Fidel Castro, e uma tentativa do governo venezuelano de manter de pe" o modelo cubano. Este, contudo, é insustentável. O processo de abertura de Cuba vem sendo adiado há muitos anos, mas é inevitável.

O senhor disputa as eleições em igualdade de condições com Chávez?

Qualquer pessoa que ficar uma semana na Venezuela perceberá que não. Ao ligar a televisão, verá todos os canais públicos dedicados a fazer campanha para o presidente. Mais do que isso, verá como esses programas pagos com o dinheiro dos contribuintes se esmeram em me desprestigiar. Tambem verá as publicidades do governo que todos os jornais e canais são obrigados a divulgar de graça. Em compensação, as visitas que tenho feito pessoalmente aos povoados do país são inéditas.

O governo até tentou impedir que eu fizesse a campanha dessa forma. Chávez nunca se empenhou em um corpo a corpo como esse. Assim vencerei essas eleições, não colando cartazes por todos os lados ou falando o tempo todo na televisão.

O senhor se considera de direita, como afirma Chávez?

Não, e esse não é o debate da minha geração. Essas etiquetas não servem mais. A China é comunista? É um debate do passado, assim como as ideias de Chávez. O atual governo, que se diz de esquerda, na realidade é apenas retrógrado. Chávez nunca quis que eu fosse candidato, por isso tenta me desqualificar inventando um rótulo qualquer. Ele queria enfrentar um candidato que representasse o passado. Lamentavelmente para ele, não foi o que aconteceu. Quem comparece aos meus atos de campanha são, em sua maioria, jovens. Entre eles, a taxa de desemprego chega a 20%. As mensagens ideológicas de Chávez não fazem o menor sentido para eles.

Chávez diz que há um plano da oposição para não reconhecer o resultado das eleições. Por outro lado, alguns militares chavistas deram a entender que não aceitarão uma derrota do presidente. Que credibilidade terão essas eleições?

Eu propus a Chávez a assinatura de um acordo formal em que nos comprometeremos a respeitar a decisão das umas. Esse documemo, contudo, deve incluir o compromisso de não usar os recursos da petrolífera estatal na campanha, de não transmitir discursos políticos em cadeias de televisão, de não obrigar os funcionários públicos a ir aos comícios do presidente

e de não usar a polícia para impedir nossas passeatas. Essas violações das leis eleitorais ocorrem diariamente.

(O acordo foi assinado após a entrevista, sem os compromissos adicionais propostos por Capriles.)

Quais são os outros métodos usados pelo governo para intimidar a oposição?

Houve a criação das milícias fiéis ao presidente. que não obedecem às Forças Armadas. Todo país tem o seu conlingente de reservistas. Chávez transformou civis em um braço político armado de seu governo. O objetivo é amedrontar a população. Em Caracas, também existem os coletivos armados. que atacam os opositores do governo e controlam territórios inteiros da capital. É preciso desarmá-los totalmente.

Chávez passou o último ano recebendo tratamento contra um câncer, sobre )- o qual o governo faz muito mistério.

A doença pode influenciar no resultado das eleições?

Não acho que a enfermiadade possa ajudar ou atrapalhar. O debate é outro. As pessoas estão cansadas de sentir medo e de ter de falar o que não pensam apenas para agradar ao governo e não perder o pouco que ganham do estado. A maioria quer mudar o governo e viver em paz. Estou convencido de que a partir de 8 de outubro, após a votação, haverá uma nova realidade política no país.
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