O Estado de S. Paulo
Melhor para o Brasil que a descoberta de petróleo em grande escala tenha ocorrido depois de o País ter conseguido montar um parque industrial diversificado. A observação é do economista Maurício Canedo Pinheiro, da FGV, autor de um estudo que propõe um debate sobre a melhor forma de compatibilizar a política de conteúdo local de equipamentos com os interesses superiores do desenvolvimento econômico nacional. Como ele lembrou, em países como a Venezuela e a Nigéria, a riqueza petrolífera desperta a chamada "maldição das matérias-primas" - uma espécie de barreira ao desenvolvimento industrial. O Brasil tem base industrial, mas erra ao querer forçar a sua indústria a "produzir tudo" em matéria de máquinas e equipamentos para a área de petróleo e gás, o que acaba atrasando a exploração do pré-sal.
O estudo considera que a decisão da Petrobrás de rever o seu Plano Estratégico, reduzindo a meta de produção de petróleo de 4,91 milhões de barris/dia para 4,2 milhões de b/d em 2020, significa a admissão de que a companhia não está conseguindo contratar equipamentos críticos necessários para ampliar a sua produção nos prazos previstos.
Embora a política brasileira de conteúdo nacional de bens e equipamentos seja altamente discutível, o trabalho não contesta a validade dessa orientação, bem característica da administração petista. Em vez de uma contestação frontal, o estudo propõe uma "cláusula de saída", ou seja, a fixação de metas a serem checadas ao longo do tempo, o que permitiria que a exigência de conteúdo nacional fosse alcançada de forma progressiva, de acordo com as condições existentes.
"Apostar na verticalização pode funcionar. Difícil é ter escala para fazer tudo", argumenta Luiz Guilherme Shimura, presidente do Ibre, da FGV. Sem uma flexibilização dos critérios atuais, o Brasil poderia produzir máquinas e equipamentos internamente que poderiam ser 25% ou 30% mais caros que os ofertados no mercado externo, sem promover ganhos de eficiência capazes de tornar a indústria instalada no País capaz de competir globalmente.
São inegáveis as vantagens da expansão da indústria nacional, ao mesmo tempo que agrega novas tecnologias. Isso significa mais emprego e mais renda em setores que funcionam em cadeia, mas é preciso evitar que isso acarrete aumentos de custos muito difíceis de reduzir na produção de petróleo e gás. O saldo de uma política industrial racional, ajustada por metas, pode ser positivo, como diz Canedo Pinheiro, se os benefícios forem perenes e a elevação dos custos, transitória.
São citados os casos da Noruega e da Coreia do Sul, que praticaram políticas industriais bem-sucedidas, "sem nenhuma barreira à importação de insumos ou regra de conteúdo local mínimo". Na Coreia do Sul, a meta de tornar a indústria naval internacionalmente competitiva foi alcançada com a criação de demanda doméstica, crédito subsidiado e direcionado para investimento e exportação, além de subsídios e isenções fiscais para investimento em pesquisa e desenvolvimento. Os mesmos instrumentos foram utilizados pela Noruega, que foi além, fomentando parcerias com empresas estrangeiras para transferência de tecnologia.
Com exceção dos investimentos em P&D - que mal chegam a 1% do PIB -, o Brasil vem utilizando todo esse arsenal. Recorreu até à reserva de mercado, como no caso da indústria naval. Essa mesma indústria, quando se trata de construção de petroleiros, vem deslanchando muito lentamente, exigindo assistência técnica estrangeira. E note-se que apenas 25% das empresas da área de petróleo e gás, que se pretende incentivar, têm presença no mercado externo, e grande parte exporta menos de 10% da produção, faltando-lhes preparo para enfrentar a concorrência externa.
O estudo da FGV merece consideração por parte dos mais altos escalões do governo. Se a intenção é acelerar os investimentos para que a economia possa ter um crescimento mais vigoroso, as ações com esse objetivo não podem ser subordinadas a dogmas ideológicos.
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