sábado, 21 de julho de 2012

Riscos e vantagens de um país em suas emergências



Paulo Yokota 
Valor Econômico 


O sucesso econômico dos últimos anos colocou o Brasil em posição privilegiada entre as economias emergentes e levou o país para o centro das atenções de investidores e analistas de todo o mundo. A construção dessa imagem tão favorável esteve associada, desde o início, porém, a um fator crítico: a instabilidade dos preços das commodities, agora em tendência de queda. Estariam sob risco, portanto, as perspectivas de crescimento sustentável do Brasil. A ressalva é feita por Ruchir Sharma, diretor da área de mercados emergentes e economia global do Morgan Stanley, em artigo recentemente publicado em "Foreign Affairs", adaptação de análise que faz em seu livro "Breakout Nations - In Pursuit of the Next Economic Miracles".

Na mesma edição da revista, as opiniões de Sharma são comentadas por Shannon O"Neal, pesquisadora do Council on Foreign Relations; Richard Lapper, analista de "Brazil Confidential", publicação do grupo "Financial Times"; Larry Rohter, autor do recém-lançado "Brasil em Alta"; e Ronaldo Lemos, diretor do Centro de Tecnologia e Sociedade da Fundação Getulio Vargas e "fellow" do Centro de Políticas de Tecnologia da Informação da Universidade de Princeton.

Segundo Sharma, enquanto a China aumentava suas importações, o agronegócio pôde fornecer importante fluxo de divisas para o Brasil. Internamente, o controle da inflação, alcançado sobretudo por meio de uma política de juros elevados, serviu a objetivos sociais num quadro de estabilidade e crescimento econômico. O retorno para o investidor estrangeiro, superior a 10%, deu forte estímulo à entrada de recursos externos e, assim, o real tornou-se uma moeda cara, inibidora de exportações.

A redução do crescimento chinês contribuiu para a desaceleração da economia brasileira. Os gastos com programas de bem-estar social, mesmo melhorando a distribuição de renda, vêm sacrificando o crescimento. As empresas não investem em eficiência, segundo Sharma, enquanto a China amplia suas exportações, mantendo o yuan desvalorizado, mas também investindo em infraestrutura e educação. O baixo investimento tornou o Brasil letárgico, sem estímulos que poderiam advir de investimento maior em educação e formação de mão de obra qualificada.

Shannon O"Neil afirma que Sharma deixa de reconhecer que a estabilidade impulsiona o crescimento. Com o real, o Brasil pôde manter a inflação sob controle, além de ter ampliado a abertura do mercado e a privatização. Em seu governo, Luiz Inácio Lula da Silva convenceu os céticos de que não voltaria ao passado, fator de estímulo do crescimento mais importante que os preços das commodities. A extensão dos programas sociais melhora a distribuição de renda e amplia o consumo, o que impulsiona a economia. As crianças das famílias beneficiadas são mais saudáveis e passam mais tempo na escola.

Nada se garante apenas com o benefício de commodities, mas o Brasil pode exibir vários outros pontos a seu favor

Segundo Shannon, Sharma também não leva em conta, em suas comparações, que a renda per capita, na China, continua sendo a metade da brasileira. Para os 10% de renda mais baixa, o crescimento do PIB tem sido o mesmo da China. Metade da população brasileira tem nível de classe média, enquanto na China apenas 10% podem ser assim classificados. O mercado interno ajudou a diversificar a produção brasileira. Shannon admite que, sim, o Brasil enfrenta desafios de infraestrutura e educação.

Richard Lapper afirma que Sharma não vê vários sinais positivos que sugerem que o Brasil vai continuar a crescer. Observa que o país expandiu sua força de trabalho formal, criando 12,3 milhões de empregos desde 2000. Habilitou os trabalhadores a tomarem empréstimos que são descontados nas folhas de pagamento. Milhões foram integrados à nova classe média e ainda há espaço para a expansão do mercado de crédito, hoje abaixo dos padrões internacionais. O governo introduziu modificações na previdência social, sem afetar os direitos dos já empregados. Afirma que Sharma não reconhece as vantagens comparativas da agricultura, mineração e outros recursos naturais do Brasil. Não menciona os esforços governamentais para a redução da taxa de juros, nem a atração de recursos externos para melhorar a infraestrutura com privatizações.

Segundo Lapper, a visão de Sharma é simplista e pessimista, pois o país conseguiu superar a crise financeira dos últimos anos em termos melhores que o resto do mundo. Se o dinamismo do mercado interno não imuniza o Brasil contra efeitos dos problemas mundiais, é fato, afirma, que tornou o país mais resistente a choques externos.

Larry Rohter observa que Sharma recomenda ao Brasil seguir os passos da China, mas isso constituiria uma volta ao autoritarismo. Os gastos sociais são investimentos de longo prazo, que contribuem para a redução das desigualdades. A China opta pelo crescimento, sem levar em conta o Estado de Direito. Para continuar a crescer, diz Rohter, o Brasil deve continuar a prover o bem-estar da população, sem privilegiar os bancos, com altas taxas de juros, e as grandes empresas.

Ronaldo Lemos entende que o governo brasileiro vem procurando algo similar ao que Sharma recomenda. Foram lançados programas para impulsionar a indústria e o ensino técnico, mas ainda é preciso reduzir o "custo Brasil", que tira competitividade ao país. Na educação, o uso de meios eletrônicos não levou aos resultados imaginados. Deveriam ser institucionalizados canais, na universidade e na indústria, para absorção de conhecimento produzido no exterior. Em sua opinião, o país continuará a prosperar se abraçar a inovação e aceitar os riscos para aplicá-la.

Em sua resposta, Sharma pondera que Shannon e Lapper admitem que no Brasil o crescimento continua lento, abaixo da China e da Índia, e parecido com o de países de renda média, como Rússia e Turquia. Mas a questão não é apenas de crescimento. Na verdade, o país está tomado por uma espécie de esclerose. Os governantes não entendem de reforma, e não se trata de diferenças de sistemas políticos, pois das 124 economias que cresceram abaixo de 5% pelo menos por dez anos, as que eram democracias e ditaduras tiveram desempenho praticamente igual. Sharma afirma que a competitividade brasileira continua baixa, e os programas sociais são estatizantes, retirando recursos do setor privado.

Sharma reafirma que o desenvolvimento brasileiro é dependente da exportação das commodities e da expansão do crédito. Aponta que, mesmo com a melhoria na distribuição de renda, as tensões sociais continuam elevadas - tanto que o país é um dos melhores lugares para vendedores de carros blindados. Enfatiza que o Brasil se beneficiou de uma bolha e precisa ir além disso.

Paulo Yokota, economista, é ex-diretor do Banco Central e ex-presidente do Incra
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