terça-feira, 10 de julho de 2012

“Os generais foram fiéis à pátria”


 “Os generais foram fiéis à pátria”
Federico Franco 
Veja 

 O novo presidente do Paraguai confirma que a Venezuela tentou promover um levante militar no país para evitar a deposição constitucional de Fernando Lugo

Empossado há menos de um mês co­mo novo presidente da República, o médico Federico Franco, de 49 anos, se impôs um ritmo alucinante de trabalho para demonstrar que o que ocorreu no Paraguai é um sinal de vigor da democracia no pais - e não o contrá­rio. Não tem sido fácil. Além da descon­fiança interna, o novo governo tem pela frente um imenso desafio na área diplo­mática. Mesmo que tenha sido feito em obediência total ao ritual previsto pela Constituição do Paraguai, o processo de impeachment do presidente Fernando Lugo, iniciado e concluído em menos de 48 horas, provocou alvoroço entre os go­vernos da região, culminando com a exa­cerbada e ilegal tentativa da Venezuela de fomentar um golpe militar em Assunção. O Brasil. embora assumindo posição mais moderada, apoiou a suspensão tem­porária do Paraguai de seu assento no bloco econômico do Mercosul. Na terça-­feira passada, o presidente Federico Franco recebeu VEJA no Palácio de Ló­pez, a sede do governo paraguaio, quan­do concedeu a entrevista abaixo.

O afastamento de Lugo foi um golpe de estado? 
Não houve golpe, absoluta­mente. O que aconteceu foi uma mudança de governo que respeitou a Constituição. O governo Lugo era um governo inviável, responsável por um massacre no qual morreram dezessete pessoas, sendo seis oficiais da polícia e onze civis. Uma série de circunstâncias levou ao desgosto popular generalizado e ao evidente mau exercício do cargo. Em face disso, somente um deputado - de um total de 77 - e quatro sena­dores - de 43 - votaram contra o im­peachment de Lugo. Estamos falando de quase unanimidade.

Por que o ex-presidente Lugo perdeu a sustentação política?
Ele cometeu uma série de erros. Em primeiro lugar, go­vernou prescindindo do nosso partido que o levou ao poder. Mas o pior foi o ex-presidente Lugo ter promovido pessoa envolvida na operação que resultou no massacre. Em qualquer parte do mundo, esse oficial seria submetido a um inquérito para apurar suas responsabilidades. Lugo o promoveu. A isso se somou também a nomeação de um ministro do Interior que não encontrou apoio nem mesmo entre os assessores mais fiéis ao ex-presidente. Foram ações que minaram a sustentação política do chefe do governo.

Como o senhor viu a reação dos principais países do continente à sua posse como presidente? 
Estamos acompanhando com muita tranquilidade a posição dos países vizinhos. Nós, paraguaios, sabemos que os governos latino-americanos acabarão entendendo o que se passou aqui. Sabemos também que há uma grande pressão por parte da Venezuela. Somos o único membro do Mercosul que não aprovou a entrada da Venezuela no bloco. Foi essa nossa posição que provocou a reação de alguns países. Nossas ações vão demonstrar nosso compromisso com a democracia. O Paraguai é uma república soberana e independente.

0 presidente venezuelano Hugo Chávez disse que não reconhece “um governo ilegal e ilegítimo” e classificou a saída de Lugo de “golpe da burguesia paraguaia”. 
Respeito a opinião dele. Mas discordo diametralmente da visão de Chávez sobre nossa política interna. Como já disse, acredito que ele tem essa posição porque o Paraguai foi contra a inclusão da Venezuela no Mercosul. Foi o próprio Lugo que retirou do Congresso o projeto que a incluiria no Mercosul. Não é um problema meu.

Os militares paraguaios foram mesmo incitados pelo governo de Chávez a impedir sua posse? 
Houve uma clara tentativa de ingerência por parte do governo Chávez. Há inclusive, um vídeo que prova a presença do chanceler Nicolás Maduro em reuniões com os nossos chefes militares. 0 chanceler venezuelano e o embaixador do Equador tentaram sublevar as Forças Armadas paraguaias, apelando para que não reconhecessem a decisão do Congresso. Os generais do alto comando, no entanto, foram ciosos de seu papel de defender nossa Constituição. Depois da queda da ditadura de Stroessner, com o retomo da democracia ao Paraguai, as Forças Armadas se afastaram das atividades políticas e mantêm uma relação de obediência absoluta às autoridades legitimamente constituídas. Os generais foram fiéis à pátria. 

Como o senhor avalia a intromissão direta do governo venezuelano Alguns grupos terroristas, como o Exército do Povo Paraguaio (EPP), que tem relações com as Farc, estão em atuação no Paraguai. 
As Farc são reconhecidas pelo governo de Hugo Chávez como força beligerante. Creio que essa situação demonstra mais uma vez que há uma relação entre eles. No Paraguai a cidadania não aceita a luta de classes. As coisas aqui estão claramente estabelecidas: temos uma democracia representativa com tradição mais que centenária, em que os partidos políticos disputam as eleições e o povo delibera através  do seu parlamento, eleito democraticamente. O político que acha que pode governar divorciado da vontade do povo é fadado  ao fracasso. Esse sistema do presidente  Chávez, que governa por decretos e sem Congresso, que censura meios de comunicação, que fecha ou estatiza  propriedades e empresas privadas, não interessa aos paraguaios. 

No dia do impeachment a televisão mostrou imagens de manifestações de rua de simpatizantes de Lugo. Foi  insubordinação? 
Não. Foi respeito à liberdade de expressão. Logo que tomei  posse, ocorreu algo inédito, quando todos os partidos, as lideranças a Igreja, o empresariado, os produtores e quase toda a imprensa apoiaram. O único meio de comunicação que ficou contra foi a televisão pública, uma empresa do estado. Uma opção seria simplesmente proibir suas transmissões, mas dei ordens  ao ministro das Comunicações para não recorrer à censura nem interferir nas decisões editoriais da emissora. Assim foi. O único veículo que não transmitiu minha visita oficial ao Congresso  quando fui apresentar a mensagem anual da Presidência, o único que não transmitiu as audiências e atividades do presidente da República foi justamente a televisão pública. Isso é uma  demonstração clara de tolerância e espírito democrático do novo governo.

A presidente da Argentina, Cristina Kirchner, classificou de “golpe suave” a  ação constitucional que tirou Lugo do cargo. 0 senhor respeita a opinião dela também? 
Ou há golpe, ou não há golpe.  Aqui não houve golpe. Eu a convido a  percorrer as ruas do meu país. Aqui os  militares estão nos quartéis, a polícia  está nas ruas resguardando a segurança dos cidadãos, os alunos e os professores  estão nas salas de aula. O Congresso está deliberando, as instituições públicas trabalhando. Aqui você não vai ver um só militar ou policial que não esteja servindo à sociedade. Houve um impeachment que está previsto na Constituição, um processo feito em obediência às leis do nosso país, com respeito absoluto à democracia e aos direitos humanos. Tanto é assim que Fernando Lugo anunciou que vai ser de novo candidato a presidente e tem a plena garantia deste governo de que não haverá obstáculos a sua campanha eleitoral. Demos a Lugo um veículo blindado e reforçamos sua segurança, para que possa fazer sua campanha política como ex-presidente sem nenhum tipo de constrangimento oficial. 

Como o senhor viu a iniciativa da presidente Dilma Rousseff de apoiar a entrada da Venezuela no Mercosul e a suspensão temporária do Paraguai do bloco? 
Tenho um grande respeito pela presidente Dilma. Não vou cometer a torpeza de fazer comentários sobre a política interna do Brasil. Espero que Dilma tome sempre a melhor decisão para os brasileiros. Nós acreditamos que existem muitos motivos para que nos unamos à presidente e ao povo brasileiro. Somos donos juntos da maior usina hidrelétrica do mundo. Aproximadamente 500000 brasiguaios vivem no Paraguai. São paraguaios de origem brasileira, têm identidade paraguaia, criaram família aqui e adotaram nossos costumes. São paraguaios por opção e os responsáveis pelo grande crescimento do leste do país, nosso  progresso não pode ser explicado senão pelo trabalho dos brasiguaios. Eles são mais que um vínculo sólido nas nossas relações com o Brasil. Na hora certa o governo do Brasil saberá dar valor a quem está garantindo a absoluta tranquilidade aos brasiguaios para trabalhar e viver aqui. 

A posição da diplomacia brasileira nesse episódio afeta a relação entre os dois países? 
Tenho esperança de que o Itamaraty, que sempre teve uma conduta retilínea e exemplar, possa reavaliar sua posição. Temos muita coisa em comum. Temos de construir a segunda ponte entre Porto Meira e Presidente Franco, temos de levantar a ponte entre Porto Murtinho e Carmelo Peralta, temos de fazer com que a produção de Mato Grosso do Sul encontre no Chaco paraguaio o caminho mais rápido, para escoar os produtos, unindo o Atlântico ao Pacífico. Temos um projeto comum com a Ferroeste, outro com a Ferronoroeste. Há muitos outros temas que unem os brasileiros e os paraguaios. Eu cito a hidrovia Paraguai-Paraná, que é o caminho mais rápido, cômodo e barato para transportar nossa produção até os mercados da Bacia do Prata, Mato Grosso do Sul e o norte do Paraná. Cito a presença da Petrobras e o Porto de Paranaguá. Tudo nos une. Nada nos separa.

Qual o grau de dependência da economia do Paraguai em relação ao Mercosul? 
Total. Sempre digo que o Mercosul é 70% Brasil, 20% Argentina, 6% Uruguai e 4% Paraguai. O Paraguai é um país muito pequeno. Estamos conscientes de que, como costuma dizer nosso atual chanceler, José Félix Estigarribia, o Paraguai é o presunto recheando dois poderosos países, o Brasil e a Argentina. Estamos absolutamente conscientes de que devemos trabalhar juntos, de forma harmônica. 

Com a suspensão do Mercosul, o Paraguai se sente agora mais livre para estabelecer acordos comerciais fora do bloco? 
Já disse ao meu chanceler que somos partidários de respeitar acordos e manter as relações bilaterais. Nós podemos manter relações comerciais com Estados Unidos. Europa, China, mas nossa prioridade é manter boas relações com os vizinhos. O Cone Sul é muito importante, e o Brasil, em particular, é peça-chave para a economia paraguaia. Sabemos que o Brasil tem tido uma série de governos exitosos economicamente, como o de Fernando Henrique, o de Lula e o da presidente Dilma. Então, para o Paraguai é vital estar unido a um país poderoso, sólido economicamente. Ter boas relações com Brasil, Argentina e Uruguai é mais prioritário para nós do que fazer acordos com nações de fora do bloco. Mas não descarto a possibilidade de fechar esses acordos. 

Como seu governo vai responder às ações violentas do Exército do Povo Paraguaio, o EPP? Faremos tudo dentro da lei. Fora da lei, nada. Nada. absolutamente nada. Mas o EPP sabe que no meu governo terá tolerância zero. Vamos fazer com que respeite o estado de direito. Ele tem de entender que o Paraguai busca o desarmamento, inclusive o de espíritos. A zona norte do país continua submetida ao terror do EPP. Ainda há pouco, soubemos da morte de um lavrador brasileiro. O ministro do interior e o chanceler receberam ordens de se solidarizar com a embaixada brasileira e explicar o episódio. Aproveito para deixar muito clara a mensagem de que nosso governo entende a questão fundiária, compreende a situação dos pobres no Paraguai, mas não vai tolerar que grupos ou pessoas recorram à justiça pelas próprias mãos. Neste governo esse recurso não será aceito. Vamos negociar como pessoas civilizadas e procurar novas soluções para velhos problemas, mas de forma alguma aceitaremos a extorsão, os sequestros, tampouco os assassinatos.

O senhor vai aceitar que emissários da União de Nações Sul-Americanas (Unasul) acompanhem o processo eleitoral do próximo ano? 
Claro. Os organismos internacionais são bem-vindos ao Paraguai.
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