Eu quero minha liberdade de volta
BARBARA CAROLA HINDERBERGER DE ALMEIDA
FOLHA DE SP
Sou juíza há 20 anos. Sou linha dura, dizem. Pressão é comum, mas em 2012 surgiram ameaças de morte. Um medo destruidor, não poder ir ao mercado sozinha
Eu sou juíza e estou ameaçada de morte.
Comecei na magistratura há 20 anos. Há 18, estou aqui em Embu das Artes. Em todos esses anos e por todos os fóruns em que já passei, nunca tive a minha vida ameaçada. Nem mesmo quando julguei grandes processos criminais envolvendo o crime organizado.
Há pouco mais de um mês, ordenei a desocupação imediata de Área de Proteção Ambiental (APA) pertencente à CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano). Ela havia sido invadida por integrantes do MTST, o Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto.
Segui o que manda a legislação ambiental brasileira, uma decisão que favorece a comunidade como um todo, no presente e no futuro.
A partir daí, porém, recebi ameaças de morte, inclusive registradas pela Polícia Militar, por conta de minha sentença favorável à manutenção da APA. Fiquei sinceramente espantada. Nunca imaginei que alguém pudesse tentar me coagir por defender o meio ambiente.
É como o desembargador Roque Mesquita disse em um artigo: "Ser magistrado no Brasil se tornou uma profissão de risco". Fato. Lamentavelmente, isso está se tornando comum. Você sempre está sujeito a sofrer algum tipo de perseguição ou tentativa de coação, nesse caso traduzida em ameaça de morte.
Quando prestei concurso para a magistratura, nunca me passou pela cabeça que um dia alguém, por causa de uma decisão minha, ficaria tão contrariado a ponto de ameaçar tirar minha vida. Foi muito ruim ouvir uma voz ao telefone ameaçando me matar.
Claro que sinto medo. Sou humana. É normal.
Passei a dispor de escolta policial 24 horas por dia. Nesse período, não podia ir ao shopping sozinha, não podia ir ao mercado nem encontrar os amigos sem um segurança por perto.
O medo é um sentimento tão ruim, tão destruidor, que não contei nem para minha própria mãe o que estava acontecendo. Mas o fato se tornou público, e ela leu nos jornais que a sua filha estava ameaçada de morte.
Curiosamente, o que mais eu sentia além de medo era constrangimento! Fiquei constrangida por tirar policiais das ruas, que estavam trabalhando em prol da segurança da população, para servir à segurança de uma única pessoa: eu.
Quanto mais eu convivia com o medo, mais eu tinha a certeza de que não podia parar. Eu não podia e não posso ceder. Não podia deixar que a Justiça fosse derrotada. A Justiça e eu. Afinal, é o meu dever que a segurança e a ordem social sejam garantidas. Não trabalho para mim, trabalho para todos.
Há 15 dias, dispensei a escolta armada que me protegia.
Viver se sentindo como um refém é horrível. É pior do que muitas sentenças que já dei nesses anos de magistratura. Você não fica mais totalmente relaxada. O medo passa a ser sua companhia. E passou a me acompanhar em todos os lugares.
Mas, para ser magistrada, você tem que ser forte. Ser forte e ter caráter para não ceder às pressões -durante os anos de trabalho, você é pressionada de todas as partes e de todas as formas.
Eu amo a minha profissão. Sou uma juíza considerada linha dura. Faço com que as ordens judiciais sejam cumpridas. E no Brasil é preciso que isso aconteça para que o Estado democrático de Direito não seja abalado. É isso o que defendo.
Ser juiz é não ter dúvida que a Justiça será feita. Ser juiz é ter coragem. É desejar que a Justiça prevaleça sempre, não importando o sexo, a classe social ou a escolaridade de quem quer que sejam as partes.
Mas não é por eu estar sendo ameaçada que irei parar de trabalhar ou pensar duas vezes antes de uma decisão. Na verdade, minha decisão já está tomada: não vou desistir, isso não vai afetar o meu trabalho.
Assim como o medo é uma característica humana, a capacidade de ter certeza também. E eu estou segura de ter tomado a decisão certa em favor da sociedade.
A comunidade para qual trabalho reconhece minha luta e minha força. Percebo que estão do meu lado. Desde o frentista do posto de gasolina até o presidente da Câmara dos Vereadores de Embu das Artes me apoiaram. Eu me senti amparada e querida, o que me deu forças. São ações como essas que me fazem perceber que estou no caminho certo, que estou exercendo minha função honestamente.
Agora, o que eu mais quero é minha liberdade de volta.
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