domingo, 15 de julho de 2012

Uma executiva no céu


 Max Gheringer

Foi tudo muito rápido.  A executiva bem sucedida sentiu uma pontada no peito, vacilou, cambaleou.  Deu um gemido e... apagou.

Quando voltou a abrir os olhos, viu-se diante de um imenso portal.  Ainda meio zonza, atravessou-o e viu uma miríade de pessoas.. Todas vestindo cândidos camisolões e caminhando despreocupadas.  

Sem entender bem o que estava acontecendo, a executiva bem sucedida abordou um dos passantes:

- Enfermeiro, eu preciso voltar urgente para o meu escritório, porque tenho um meeting importantíssimo. Aliás, acho que fui trazida para cá por engano, porque meu convênio médico é classe A, e isto aqui está me parecendo mais um pronto socorro. Onde é que nós estamos?

- No céu.

- No céu?... É? Como assim, o céu?... Aquele com querubins voando e coisas do gênero?

- Certamente. Aqui todos vivemos em estado de gozo permanente.

Apesar das óbvias evidências (nenhuma poluição, todo mundo sorrindo, ninguém usando telefone celular), a executiva bem sucedida custou um pouco a admitir que havia mesmo apitado na curva.  Tentou então o plano B: convencer o interlocutor, por meio das infalíveis técnicas avançadas de negociação, de que aquela situação era inaceitável. Ponderou, que dali a uma semana ela 
iria receber o bônus anual, além de estar fortemente cotada para assumir a posição de presidente do conselho de administração da empresa.  

E foi aí que o   interlocutor  sugeriu:

- Talvez seja bem melhor você conversar com Pedro, o síndico.

- É? E como é que eu marco uma audiência? Ele tem secretária?

- Não, não. Basta estalar os dedos e ele aparece.

- Assim? (...)

- Pois não?

A executiva bem sucedida quase desaba da nuvem. À sua frente, imponente, segurando uma chave estava São Pedro, o próprio.  Mas, a executiva havia feito um curso intensivo de approach para situações inesperadas e reagiu rapidinho:

- Bom dia. Muito prazer. Belas sandálias o senhor usa. Bem, vamos ao que interessa: eu sou uma executiva bem sucedida e...

- Executiva... Que palavra estranha. De que século você veio?

- Do 21. O distinto vai me dizer que não conhece o termo 'executiva'?

- Já ouvi falar. Mas não é do meu tempo.

Foi então que a executiva bem sucedida teve um insight . A máxima autoridade ali no paraíso aparentava ser um zero à esquerda em modernas técnicas de gestão empresarial. Logo, com seu brilhante currículo tecnocrático, a executiva poderia rapidamente assumir uma posição hierárquica, por assim dizer, celestial ali na organização.

- Sabe, meu caro Pedro. Se você me permite, eu gostaria de lhe fazer uma proposta. Basta olhar para esse povo todo aí, só batendo papo e andando a toa, para perceber que aqui no Paraíso há enormes oportunidades para dar um upgrade na produtividade sistêmica .

- É mesmo?

- Pode acreditar, porque tenho PHD em reengenharia . Por exemplo, não vejo ninguém usando crachá. Como é que a gente sabe quem é quem aqui, e quem faz o quê?

- Ah, não sabemos.

- Headcount , não deve constar em nenhum versículo, correto?

- Hã?

- Entendeu o meu ponto? Sem controle, há dispersão. E dispersão gera desmotivação. Com o tempo isto aqui vai acabar virando uma anarquia. Mas nós dois podemos consertar tudo isso rapidinho implementando um simples programa de targets individuais e avaliação de performance.

- Que interessante...

- Depois, mais no médio prazo, assim que os fundamentos estiverem sólidos e o pessoal começar a reclamar da pressão e a ficar estressado, a gente acalma a galera bolando um sistema de stock option , com uma campanha motivacional impactante, tipo: 'O melhor céu da América Latina'.

- Fantástico!

- É claro que, antes de tudo, precisaríamos de uma hierarquização de um organograma funcional , nada que dinâmicas de grupo e avaliações de perfis psicológicos não consigam resolver. Aí, contrataríamos uma consultoria especializada para nos ajudar a definir as estratégias operacionais e estabeleceríamos algumas metas factíveis de leverage , maximizando, dessa forma, o retorno de investimento do Grande Acionista... Ele existe, certo?

- Sobre todas as coisas.

- Ótimo. O passo seguinte seria partir para um downsizing progressivo, encontrar sinergias high-tech , redigir manuais de procedimento, definir o marketing mix e investir no desenvolvimento de produtos alternativos de alto valor agregado. O mercado telestérico por exemplo, me parece extremamente atrativo.

- Incrível!

- É óbvio que, para conseguir tudo isso, nós dois teremos que nomear um Board de altíssimo nível. Com um pacote de remuneração atraente, é claro, coisa assim de salário de seis dígitos e todos os fringe benefits e mordomias de praxe. Porque, agora falando de colega para colega, tenho certeza de que você vai concordar comigo, Pedro. O desafio que temos pela frente vai resultar em um turnaround radical.

- Impressionante!

- Isso significa que podemos ir para a implementação ?

- Não. Significa que você terá um futuro brilhante se for trabalhar com o nosso concorrente. Porque você acaba de descrever, exatamente, como funciona o Inferno...

Autor: Max Gehringer (Revista Exame) 


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