sábado, 21 de julho de 2012

Resistentes ao Alzheimer


FERNANDO REINACH
O ESTADÃO


O envelhecimento não perdoa nenhum de nossos órgãos, e o cérebro não é exceção. No Ocidente, a demência atinge 5% das pessoas com 60 anos, sendo que dois terços dos casos são causados por Alzheimer.

A frequência de pessoas com essa doença praticamente dobra a cada cinco anos de idade. Assim, entre as pessoas com mais de 90 anos, a frequência do Alzheimer chega a 25%.

No cérebro das pessoas com Alzheimer vão se acumulando, aos poucos, placas amiloides. Esse acúmulo está relacionado à perda das funções mentais. Ainda há dúvidas se o acúmulo das placas é a causa da doença ou uma de suas consequências. O fato é que um número enorme de cientistas estuda o processo de acúmulo dessas placas e, ao mesmo tempo, tenta desenvolver drogas capazes de reverter, estancar ou retardar o acúmulo das placas amiloides no cérebro.

Há alguns anos foi descoberta uma mutação no gene que produz a proteína das placas amiloides. Essa mutação torna mais rápido e previsível o acúmulo das placas e o desenvolvimento da doença. O gene do precursor da beta-amiloide (APP, na sigla em inglês) produz uma proteína longa, que é cortada em dois pontos distintos por duas outras enzimas. Nas famílias portadoras dessa mutação, a proteína APP é cortada mais rapidamente, gerando mais cedo grandes quantidades da proteína beta-amiloide, que acumula e forma as placas. As poucas famílias portadores dessa mutação desenvolvem mais cedo, e com mais frequência, a doença de Alzheimer.

Resistência. A novidade é que foi descoberta uma segunda mutação no mesmo gene. Mas, nesse caso, as pessoas portadoras da mutação não desenvolvem Alzheimer e demoram mais para perder suas habilidades mentais. Na prática, essas pessoas são resistentes à doença.

Essa mutação foi descoberta quando os cientistas pesquisavam a diversidade de formas do gene APP. Como todos os genes, o da APP também ocorre de diversas formas, em diferentes populações humanas.

Inicialmente foram analisados os genomas de 1.795 habitantes da Islândia (pois é o único país onde o pedigree de cada um de seus habitantes é conhecido e onde quase todos doaram sangue para pesquisas genéticas). Com base nesse estudo inicial foram identificadas diversas novas formas do gene da APP.

No passo seguinte, pessoas idosas portadoras dessas mutações foram comparadas com outras da mesma idade, e o desenvolvimento da doença de Alzheimer foi analisado. Por meio desse processo foi identificada uma variante do gene da APP na qual uma única alteração na sua sequência (uma alanina havia sido substituída por uma treonina na posição 673) tornava seus portadores resistentes ao Alzheimer.

Essa mutação é extremamente rara, ocorrendo em aproximadamente 3 em cada 1 mil pessoas de origem nórdica e 1 em cada 10 mil pessoas na população dos EUA. Em um trabalho exaustivo, diversas famílias portadoras dessa mutação foram identificadas e as pessoas idosas portadoras da mutação foram estudadas. Os idosos com a mutação praticamente não desenvolvem Alzheimer antes dos 85 anos de idade e têm sua capacidade cognitiva mais bem preservada.

Casos extremos. Os cientistas acreditam que a grande maioria das formas da APP, presente em cada um de nós, nos leva a desenvolver Alzheimer mais cedo ou mais tarde. Essas duas mutações são casos extremos: um deles adianta muito o desenvolvimento da doença e o outro retarda de maneira significativa os sintomas.

O interessante é que a mutação que retarda o aparecimento da doença está localizada, na APP, ao lado do local onde proteína é cortada para produzir a beta-amiloide. Essa alteração torna mais difícil e lenta a produção da proteína que se acumula nas placas de amiloide presentes no cérebro das pessoas com Alzheimer. Esse é o aspecto mais importante da descoberta, pois sugere que, se for possível desenvolver uma droga capaz de inibir o corte da APP, isso poderia reduzir o acúmulo das placas de amiloide e, consequentemente, o desenvolvimento da doença.

Essa descoberta abre a possibilidade de uma droga capaz de inibir o corte da APP retardar o desenvolvimento do Alzheimer. Muitas drogas com essas características estão em desenvolvimento. Com esse novo resultado, tanto o ânimo dos cientistas, quanto o orçamento das empresas que desenvolvem esses medicamentos vai aumentar, e muito.
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