sábado, 28 de julho de 2012

Do descolar ao naufrágio






Ernesto Lozardo
Valor Econômico


Na década passada, os países emergentes tiveram maior participação na produção global: registraram um aumento de 20% para 34%. Trata-se de um feito memorável. Nesse mesmo período, os países desenvolvidos - Estados Unidos, União Europeia e Japão - reduziram sua participação de 71% para 57%. Constatou-se uma assimetria de 14 pontos percentuais entre os emergentes e os desenvolvidos na produção global. Os países emergentes cresceram em média quatro pontos percentuais acima dos desenvolvidos. Diante desses fatos, alguns especialistas deduziram que a dependência dos emergentes em relação ao crescimento econômico dos países desenvolvidos havia chegado ao fim. Nomeou-se esse feito de descolar ou decoupling.

A ideia do descolar pressupõe que o crescimento dos países emergentes rompeu as vinculações econômicas com a conjuntura dos países desenvolvidos. No entanto, a história econômica prova que, quando os países desenvolvidos crescem, aumenta a demanda por importações de bens e serviços. Nesse aspecto, os países que puderem suprir essas necessidades expandem suas exportações e estimulam seus investimentos, o nível de emprego e o crescimento.

Caso a crise dos desenvolvidos se agrave, a economia internacional crescerá menos que 3% até o fim desta década. Neste mundo de relações globais, com o prolongamento da crise financeira, nenhum país sairá ileso, e muitos naufragarão.

A globalização dos mercados de produção tem favorecido o crescimento econômico dos países emergentes. Há décadas os países do Leste Asiático norteiam o processo de desenvolvimento nacional para a modernização da estrutura produtiva por meio da abertura econômica. Em 1978, a China representou 0,8% das exportações globais; em 2010, atingiu 10,4%. Em 1978, os emergentes representaram 19% das exportações globais; em 2010, alcançaram 42%. Esses resultados constituem o ponto de partida para analisar a fragilidade do pressuposto sobre o decoupling do crescimento dos países emergentes.

Os Estados Unidos e os países da União Europeia, desde 1992 até 2007, cresceram, em média, 3% e 2,5% ao ano, respectivamente. Esse fato estimulou o crescimento do comércio global. Nessas duas regiões, a demanda de recursos para investimentos, o aumento da demanda e a necessidade de financiamento do déficit em conta-corrente foram supridos, em grande parte, pelas exportações de bens de consumo e de capital da China.

Em 2011, no comércio internacional, as exportações e importações chinesas totalizaram US$ 3,7 trilhões, correspondendo US$ 1,961 trilhão a exportações e US$ 1,739 trilhão a importações, o que consiste numa alta de 22% em relação ao ano anterior. Na importação de manufaturados, 60% foram utilizados para compor os produtos exportados. As exportações chinesas são direcionadas da seguinte forma: 45% para os países desenvolvidos - Estados Unidos, União Europeia e Japão; 33% para o Sudeste Asiático; 22% para outros países.

O comércio dos países do Sudeste e Leste Asiático em relação às demais economias emergentes representou 75%. Desse total, a China participou com 40%. A China, ao importar commodities dos emergentes e bens de capital e tecnologia dos desenvolvidos para atender à demanda global, estimulou as exportações dos emergentes e o crescimento global.

Enquanto a China exportou para os países desenvolvidos produtos de elevado conteúdo tecnológico (45% das suas exportações), os emergentes exportaram para a China e para o Leste Asiático commodities com baixo valor agregado. Desse modo, a China tornou-se um país formador de preços, e os emergentes tomadores de preços internacionais. Em face da elevada competitividade dos produtos chineses nos mercados dos países desenvolvidos, os emergentes passaram a depender do crescimento chinês. A dinâmica das exportações e o crescimento econômico chinês têm sido o fio condutor da prosperidade dos países emergentes. O suposto decoupling dos emergentes - América Latina, África, Oriente Médio e os países Sudeste Asiático - mudou-se para a China, porém todos dependem da conjuntura dos desenvolvidos. Mesmo assim, a estrutura de produção desses países permanece a mesma: fornecedores de matérias-primas e de produtos de baixo valor agregado para os Asiáticos e estes exportadores de produtos de maior conteúdo tecnológico para os países desenvolvidos. Ao fechar o círculo da dependência econômica conclui-se que: o crescimento dos emergentes depende das perspectivas econômicas dos desenvolvidos.

O descolamento é inconsistente com os fundamentos da globalização, pois nele encontra-se o capitalismo interconectado e interdependente entre as nações do Norte e as do Sul. Essa interdependência representa o sopro da esperança para reduzir as discrepâncias da renda por habitante, tecnológicas e institucionais entre as nações desenvolvidas e emergentes. Caso a crise dos países desenvolvidos se agrave, a economia internacional crescerá menos que 3,0% até o final desta década. O comércio chinês que já expandiu acima de 20% ao ano, ficará abaixo de 10% e o seu produto, que já cresceu 12% ao ano, deverá permanecer abaixo de 8% ao ano. Neste mundo de relações globais, com o prolongamento da crise financeira global, nenhum país sairá ileso, e muitos naufragarão.

Ernesto Lozardo é professor de Economia da EAESP-FGV, autor do livro Globalização: a certeza imprevisível das nações (2.ª edição. Editora do Autor, 2008)
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