sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Súditos ou cidadãos?

GUILHERME AFIF DOMINGOS

O ESTADÃO

Em artigo no Estadão do dia 22/11, o ex-ministro da Fazenda Mailson da Nóbrega questiona a lei, aprovada recentemente pelo Congresso, que determina que os consumidores sejam informados, mediante estimativa constante da nota fiscal, do montante de impostos incidentes sobre os produtos que adquirem. Para o ex-ministro, "tal exigência não existe em lugar algum, pois seus custos superam os supostos benefícios". Argumenta, ainda, que a medida não teria influência no comportamento dos consumidores em relação à carga tributária. Ele também discute as dificuldades técnicas para a apuração da tributação e os custos dela decorrentes, mencionando ainda a possibilidade de que alguns possam "recorrer ao Judiciário para contestar o valor".

É lógico que, numa democracia com liberdade de imprensa, se podem levantar dúvidas e objeções em relação ao projeto aprovado, mas parece que o ex-ministro Mailson da Nóbrega exagerou e se equivocou nos argumentos contrários à transparência dos tributos.

Em grande parte dos países na zona do euro, o valor do Imposto sobre o Valor Agregado (IVA) é destacado separando o preço de produto do valor dos impostos. Nos Estados Unidos, os preços são mostrados sem o imposto e, depois do "plus tax", o preço total. Nesses países, a carga tributária sobre o consumo é bem menor. Aqui, no Brasil, o nosso IVA é o ICMS, que é calculado sobre um preço de produto que carrega, embutida e escondida, uma parafernália de tributos e taxas que oneram os produtos até chegarem ao consumidor.

O ex-ministro acenou com a possibilidade de que alguém questione na justiça o cálculo da tributação constante da nota fiscal. Ele considera que essa estimativa tem efeito fiscal e servirá para apuração do tributo a ser pago. É um argumento absurdo!

Quanto à opinião de que a transparência do tributo não terá nenhum impacto sobre o comportamento da população, ele subestima a inteligência do cidadão brasileiro que se manifestou a favor da exposição dos impostos na nota, com mais de 1,5 milhão de assinaturas de apoio ao projeto de lei que regulamentou o parágrafo 5.º do artigo 150, de minha autoria na Assembleia Nacional Constituinte.

Para apresentar esse projeto, quando presidente da Associação Comercial de São Paulo, procuramos, com a ajuda de especialistas, fazer o cálculo estimativo do valor dos impostos para informação do consumidor de forma simplificada.

Vários institutos e auditorias renomadas já vêm fazendo essas estimativas. As grandes cadeias de varejo e supermercados, por meio de suas entidades, foram consultadas e aprovaram a sistemática, muito simples para quem tem todos os seus sistemas informatizados.

No caso das micro e pequenas empresas, já se prevê a possibilidade do uso de tabelas, mas seria possível tornar voluntária sua adesão, com base no princípio do tratamento diferenciado, previsto no artigo 179 da Constituição, também de minha autoria.

Tenho certeza de que todos aderirão ao direito de serem informados sobre a tributação, previsto no texto constitucional, que visa a permitir o exercício pleno da cidadania, com o consumidor tendo clara a noção de contribuinte, com seus deveres e direitos. Muitos cidadãos humildes, por estarem isentos do Imposto de Renda e do IPTU, consideram que não pagam tributos e que os precários serviços públicos que recebem são um favor do Estado pelo qual têm de se mostrar agradecidos, em vez de exigirem seus direitos. Comportam-se como súditos.

Vamos assegurar a transparência da tributação e deixar que a população tome suas decisões com base nessas informações. O lema da campanha para a coleta de assinaturas em favor do projeto Pago, logo exijo significa o direito de saber o quanto paga de impostos e o direito de exigir o retorno compatível com esse pagamento.

Com nosso projeto aprovado e com a sanção da presidente Dilma, vamos transformar súditos em cidadãos.
.

A traição.

Não sou afeto a enviar artigos específicos acerca de politicagem, todavia presenciar o jornalista Mino Carta criticando, abertamente, Lula e o PT é, para mim, algo inusitadíssimo. Nos últimos vinte anos foi a pessoa linha de frente e criticar FHC defendendo as maravilhas que Lula traria ao Brasil. Estou, ainda, esbasbacado ao ler tal editorial. Inacreditável.




A traição do PT
MINO CARTA
EDITORIAL CARTA CAPITAL


A traição do PT 
MINO CARTA 


Dizia um velho e caro amigo que a corrupção é igual à graxa das engrenagens: nas doses medidas põe o engenho a funcionar, quando é demais o emperra de vez. Falava com algum cinismo e muita ironia. Está claro que a corrupção é inaceitável in limine, mas, em matéria, no Brasil passamos da conta.

Permito-me outra comparação. A corrupção à brasileira é como o solo de Roma: basta cavar um pouco e descobrimos ruínas. No caso de Roma, antigos, gloriosos testemunhos de uma grande civilização. Infelizmente, o terreno da política nativa esconde outro gênero de ruínas, mostra as entranhas de uma forma de patrimonialismo elevado à enésima potência.

A deliberada confusão entre público e privado vem de longe na terra da casa-grande e da senzala e é doloroso verificar que, se o País cresce, o equívoco fatal se acentua. A corrupção cresce com ele. Mais doloroso ainda é que as provas da contaminação até os escalões inferiores da administração governamental confirmem o triste destino do PT. No poder, porta-se como os demais, nos quais a mazela é implacável tradição.

Assisti ao nascimento do Partido dos Trabalhadores ainda à sombra da ditadura. Vinha de uma ideia de Luiz Inácio da Silva, dito Lula, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo até ser alvejado por uma chamada lei de segurança nacional. A segurança da casa-grande, obviamente.

Era o PT uma agremiação de nítida ideo­logia esquerdista. O tempo sugeriu retoques à plataforma inicial e a perspectiva do poder, enfim ao alcance, propôs cautelas e resguardos plausíveis. Mantinha-se, porém, a lisura dos comportamentos, a limpidez das ações. E isso tudo configurava um partido autêntico, ao contrário dos nossos habituais clubes recreativos.

O PT atual perdeu a linha, no sentido mais amplo. Demoliu seu passado honrado. Abandonou-se ao vírus da corrupção, agora a corroê-lo como se dá, desde sempre com absoluta naturalidade, com aqueles que partidos nunca foram. Seu maior líder, ao se tornar simplesmente Lula, fez um bom governo, e com justiça ganhou a condição de presidente mais popular da história do Brasil. Dilma segue-lhe os passos, com personalidade e firmeza.CartaCapital apoia a presidenta, bem como apoiou Lula. Entende, no entanto, que uma intervenção profunda e enérgica se faça necessária PT adentro.

Tempo perdido deitar esperança em relação a alguma mudança positiva em relação ao principal aliado da base governista, o PMDB de Michel Temer e José Sarney. E mesmo ao PDT de Miro Teixeira, o homem da Globo, a qual sempre há de ter um representante no governo, ou nas cercanias. Quanto ao PT, seria preciso recuperar a fé e os ideais perdidos.

Cabe dizer aqui que nunca me filiei ao PT como, de resto, a partido algum. Outro excelente amigo me define como anarcossocialista. De minha parte, considero-me combatente da igualdade, influenciado pelas lições de Antonio Gramsci, donde “meu ceticismo na inteligência e meu otimismo na ação”. Na minha visão, um partido de esquerda adequado ao presente, nosso e do mundo, seria de infinda serventia para este País, e não ouso afirmar social-democrático para que não pensem tucano.

O PT não é o que prometia ser. Foi envolvido antes por oportunistas audaciosos, depois por incompetentes covardes. Neste exato instante a exibição de velhacaria proporcionada pelo relator da CPI do Cachoeira, o deputado petista Odair Cunha, é algo magistral no seu gênero. Leiam nesta edição como se deu que ele entregasse a alma ao demônio da pusilanimidade. Ou ele não acredita mesmo no que faz, ou deveria fazer?

Há heróis indiscutíveis na trajetória da esquerda brasileira, poucos, a bem da sacrossanta verdade factual. No mais, há inúmeros fanfarrões exibicionistas, arrivistas hipócritas e radical-chiques enfatuados. Nem todos pareceram assim de saída, alguns enganaram crédulos e nem tanto. Na hora azada, mostraram a que vieram. E se prestaram a figurar no deprimente espetáculo que o PT proporciona hoje, igualado aos herdeiros traidores do partido do doutor Ulysses, ou do partido do engenheiro Leonel Brizola, ­obrigados, certamente, a não descansar em paz.

Seria preciso pôr ordem nesta orgia, como recomendaria o Marquês de Sade, sem descurar do fato que algo de sadomasoquista vibra no espetáculo. Não basta mandar para casa este ou aquele funcionário subalterno. Outros hão de ser o rigor, a determinação, a severidade. Para deixar, inclusive, de oferecer de graça munição tão preciosa aos predadores da casa-grande.
.

Novos líderes, velhos problemas -


 KENNETH MAXWELL
FOLHA DE SP


Neste sábado, Enrique Peña Nieto tomará posse como presidente do México. A ocasião marcará o retorno ao poder do Partido Revolucionário Institucional (PRI).

O partido conquistou a Presidência com apenas 38% dos votos e não terá maioria no Legislativo, mas a vitória de Peña Nieto representa uma notável recuperação.

O PRI controlou o México durante 71 anos e foi definido pelo romancista peruano Mario Vargas Llosa como "a ditadura perfeita".

Não surpreende que o recentemente reeleito presidente dos EUA, Barack Obama, tenha recebido o presidente eleito do México segunda-feira, na Casa Branca.

A vitória eleitoral de Obama foi muito auxiliada pelos eleitores hispânicos, que representam o grupo de mais rápido crescimento no eleitorado norte-americano, e o Partido Democrata pretende manter esse apoio.

Peña Nieto alega representar um novo partido. Descobrir se o PRI, de fato, se reformou é algo que só o tempo dirá. Contudo os problemas que os presidentes Obama e Peña Nieto precisam enfrentar são antigos e já se provaram intratáveis no passado. A imigração é apenas um deles. Muito mais grave é a guerra continuada contra os traficantes de drogas, para os quais os EUA continuam a ser o maior mercado.

O poder do crime organizado desconsidera fronteiras. Dadas as imensas quantias envolvidas, não surpreende que grandes bancos internacionais tenham se envolvido em lavagem de dinheiro.

Os EUA também continuam a ser a principal fonte para as armas utilizadas pelas quadrilhas de tráfico de drogas, um problema que os políticos norte-americanos hesitam em confrontar. É muito mais fácil, afinal, bancar guerras contra as drogas em terras alheias, à custa de vidas alheias.

E o problema tampouco se confina ao relacionamento entre o México e os EUA.

A convergência entre o tráfico de drogas, o contrabando e a guerrilha também afeta a América Central e a América do Sul.

Atinge a fronteira tríplice entre a Argentina, o Paraguai e o Brasil, a fronteira entre o Brasil e a Venezuela, a fronteira entre o México e a Guatemala, a fronteira entre a Colômbia e o Equador e, acima de tudo, a fronteira entre a Colômbia e a Venezuela, onde ocorreram cerca de 30 mil mortes nos dez últimos anos.

Organizações criminosas mexicanas e colombianas lutam pelo controle das lucrativas rotas clandestinas de comércio de drogas para a América do Norte, o Caribe, a África ocidental e a Europa.

Tradução de PAULO MIGLIACCI
.

O pior no Brasil já passou


ALBERTO TAMER
O Estado de S.Paulo


A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) está pessimista com o crescimento das principais economias mundiais que integram a organização, e mais otimista com o Brasil.

Este ano, o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro deve ficar em 1,5%, bem abaixo da média mundial de 2,9%, mas acredita que no próximo ano pode chegar a 4% por causa das medidas de estímulos fiscais e monetários anunciadas pelo governo.

Muito mais, porém, terá de ser feito para atenuar o cenário depressivo da economia mundial. Um cenário que, prevê a OCDE, deve durar dois anos e somente será atenuado se os governos e os bancos centrais agirem imediatamente. O apelo da OCDE é para mais liquidez - só os bancos europeus vão precisar de US$ 500 bilhões.

Por que essa diferença de visão entre o Brasil e o mundo? Para a organização, o governo já começou a agir e a economia não sofre os mesmos efeitos negativos do desemprego elevado e crescente dos outros países. Mas o governo deve persistir, ir mais adiante, porque a economia não deixará se ser afetada pelo clima depressivo mundial.

O que falta? A OCDE não vai mais adiante em sua análise, mas aponta a falta de investimento aqui e lá fora. O governo deu os primeiros passos para incentivá-lo, mas os resultados ainda demorarão para vir. Como os investimentos privados não reagem, os do governo caminham lentamente. Todas as previsões , do mercado, da OCDE, se baseiam no contínuo crescimento atual do consumo interno, e não no aumento da produção industrial. É uma saída, mas não uma solução sustentável a médio prazo. Mas podemos confiar nela pelo menos por mais um ano? Dados divulgados pelo IBGE e do mercado dizem que sim, mas com distorções porque a renda média dos assalariados continua crescendo - não pela produção industrial e sim pelas importações. Um fato que não é novo, mas vem se agravando de forma impressionante, como assinalou o Instituto de Estudos e Desenvolvimento Industrial, nesta semana. É de tal forma significativo que e merece destaque especial da coluna. É um desafio que está longe de ter sido enfrentado, apesar da nova taxa de câmbio. As vendas do varejo, diz o estudo, cresceram 8,9% em termos reais nos três primeiros trimestres deste ano sobre igual período do ano passado. Esta é uma indicação de que está em curso uma aceleração do nível de atividade do setor no corrente ano. Os dados são referentes ao "comércio restrito" de bens, não englobando o comércio de automóveis, autopeças e de material de construção. Considerando o "varejo ampliado", que inclui essas atividades, o avanço no ano é inferior, mas, mesmo assim, muito expressivo: 7,8%.

Ainda que o desempenho do último trimestre venha a ser mais fraco, o resultado deste ano será excepcional porque se dá em um contexto de aumento de apenas 1,5% do PIB e de um impulso modesto do crédito ao consumidor se comparado aos anos anteriores.

A análise dos segmentos que mais vêm se destacando é reveladora das atuais tendências de consumo. A elevação de vendas no acumulado do ano em "equipamentos e materiais para escritório, informática e comunicação" (+13,5%) e em "móveis e eletrodomésticos" (+13,1%) corresponde à diversificação do consumo por parte das dezenas de milhões de novos consumidores que ingressaram no mercado consumidor desde 2005. Inovações de produtos nesses setores e incentivos tributários, como a redução de IPI na compra de móveis e de bens duráveis da chamada linha branca, concorreram para renovar e intensificar as vendas.

Indústria não. Há um contraste muito acentuado entre os índices do varejo e os da indústria, diz o Iedi, citando o IBGE. A industria brasileira continua sendo incapaz de atender ao mercado interno, cedendo espaço ao produto importado a despeito da taxa de câmbio mais favorável.

Por quê? Isso refle o tempo necessário para que várias políticas já adotadas tenham efeito para reduzir o custo industrial e reposicionar a competitividade da indústria. Em 2011, os dados de variação do varejo e da produção industrial foram de: 6,7% e 6,6%, respectivamente, e de 0,4% e -0,5%, para a indústria geral e indústria de bens de consumo. Em 2012, até setembro, o varejo evoluiu 8,9% e 7,8%, enquanto a produção industrial caiu 3,4% e 2% (indústria geral e de bens de consumo). Ou seja, o desafio de aumentar a produção industrial e atender à expansão da demanda interna , não só está aí, mas vai demorar ainda para ser superado.

.

De estatal para estatal


 EDITORIAL O ESTADÃO
O ESTADÃO

 A concessão do maior financiamento da história do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para o Consórcio Norte Energia - responsável pela construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu -, embora prevista contratualmente, confirma a interpretação de que o leilão dessa usina, anunciado como a forma ideal para atrair capitais privados e baratear custos de construção e de geração de energia elétrica, não passou de um embuste político.

Já por ocasião do leilão, em abril de 2010, era evidente para as empresas privadas experientes que as condições exigidas dos interessados - preço máximo da energia, custo das obras, prazos, além de eventuais restrições ambientais - não recomendavam sua participação na disputa. Mesmo assim, o governo Lula, por razões políticas - era um ano eleitoral -, manteve o leilão. Para realizá-lo com a participação de empresas privadas, anunciou empréstimos generosos do BNDES, que agora se concretizam, e deduções do Imposto de Renda. Mesmo assim, teve de forçar empresas estatais a liderar a constituição de dois consórcios, para dar a impressão de disputa.

Em ambos, era notória a presença estatal. Num deles, o Belo Monte Energia, duas estatais da área energética (Furnas e Eletrosul) respondiam por 49% da composição; em outro, o Norte Energia, a Chesf detinha exatamente 49,98% do capital, o que teoricamente não lhe assegurava o controle. Venceu o liderado pela Chesf, que em sua composição tinha também sete empresas privadas, quase todas da área de construção. As vendas de participações ocorridas desde então ampliaram ainda mais a porcentagem de recursos públicos na Norte Energia.

As construtoras privadas saíram do consórcio. Empresas privadas ou não estatais brasileiras como Neoenergia, Vale e a siderúrgica Sinobrás participam dele. Mas a entrada da Eletronorte, responsável pelos estudos de viabilidade da Usina de Belo Monte, da Eletrobrás (controladora da Eletronorte e da Chesf) e de fundos de pensão de estatais, como o Funcef (dos funcionários da Caixa Econômica Federal) - que há dois meses ampliou para 10% sua participação no consórcio, com a compra da participação de uma construtora privada - e o Petros (dos funcionários da Petrobrás), o tornam um empreendimento nitidamente estatal.

O empréstimo recorde do BNDES, no valor de R$ 22,5 bilhões, representa 78% do atual custo previsto da obra, de R$ 28,9 bilhões (recorde-se que, inicialmente, o custo total era estimado em R$ 19,6 bilhões, considerado irreal por empresas especializadas em construção de usinas hidrelétricas). O valor corresponde a mais do dobro dos empréstimos concedidos às duas hidrelétricas em construção no Rio Madeira (Santo Antônio e Jirau), que, juntas, obtiveram financiamento de R$ 15,6 bilhões.

Canalizado para um empreendimento estatal, o empréstimo à Norte Energia - embora esteja dentro das limitações legais de operação do banco, como a de a operação não ultrapassar o equivalente a 25% do patrimônio de referência, isto é, R$ 23,06 bilhões - reduz substancialmente a disponibilidade de recursos que a instituição pode oferecer para empresas privadas que necessitam modernizar suas instalações ou ampliar seu parque produtivo, para aumentar sua competitividade.

O financiamento gigantesco concedido pelo BNDES é mais um item polêmico que se soma aos muitos envolvendo Belo Monte. Até a realização do leilão, o projeto era questionado na Justiça sob o argumento de que comunidades indígenas não tinham sido consultadas.

Igualmente o modelo de geração adotado em Belo Monte - de fio d"água, que não exige grandes reservatórios - tem sido criticado, pois assegurará a geração média equivalente a 40% de sua capacidade total, inferior à média de 55% de outras usinas hidrelétricas construídas de acordo com o modelo tradicional.

Há pouco, reações violentas dos trabalhadores envolvidos em sua construção forçaram a paralisação das obras. Mesmo assim, o consórcio garante que a primeira unidade geradora entrará em operação em fevereiro de 2015.
.

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

A presença do Estado


 MARCELO MITERHOF
FOLHA DE SP 


O gasto público cria empregos e dá estabilidade ao capitalismo porque representa demanda efetiva

Na semana passada, reclamei de serviços públicos prestados sem compromisso com a população. A repercussão em comparação com as colunas anteriores foi grande, o que ocorreu em razão da homenagem à menina catarinense Isadora Faber e porque houve uma identificação com as experiências de muita gente que se sente desamparada diante de serviços públicos ruins.

Essa repercussão reforça a principal conclusão do artigo, a de que a validação do Estado de Bem-Estar Social precisa ocorrer na prática. No entanto, a forma de lidar com tal constatação difere conforme as orientações políticas e econômicas.

O liberalismo econômico prega o papel primordial do mercado, instância livre e impessoal que permite a cada um fazer as melhores escolhas possíveis. Em oposição, a atuação do Estado sofre com uma dificuldade intrínseca à tarefa de centralizadamente prever o que é o melhor para as pessoas.

Assim, a atuação do Estado deveria ser reduzida ao indispensável -educação, segurança e, quando muito, saúde e infraestrutura- para permitir que o dinamismo privado faça os negócios se expandirem até o pleno emprego. Esse seria obtido desde que o mercado de trabalho fosse livre, sendo os salários nominais flexíveis, de maneira que seus valores seriam determinados pela interação entre a oferta de mão de obra dada pelos trabalhadores e sua demanda pelas empresas.

A intervenção estatal -estabelecendo salário mínimo, num exemplo extremo, ou cobrando altos impostos- só criaria rigidezes que prejudicam a obtenção do melhor equilíbrio possível, o que é dado pelas condições de oferta: espírito empreendedor, capacitação da mão de obra, disciplina para poupar etc.

Não foi à toa, portanto, que parte das mensagens de apoio que recebi foi de pessoas identificadas com a agenda liberal. Como disse na semana passada, diante de serviços públicos ruins, é difícil tirar-lhes a razão, pelo menos em alguma dose.

Ainda assim, um contraponto é necessário. Keynes foi um dos primeiros a apontar que a teoria econômica convencional erra quando supõe que a flexibilidade nominal dos salários existe no mundo real (ainda bem), o que significa que o pleno emprego não pode ser obtido por ajustes no mercado de trabalho.

A determinação do nível de produção e emprego depende da propensão a consumir e das expectativas dos empresários acerca da demanda futura, que os farão tomar decisões de investimento. Assim, o equilíbrio no pleno emprego não é automático. O espírito inovador do capitalismo colabora para ter boas perspectivas para os negócios. Mas também o Estado é fundamental para o desenvolvimento.

Por exemplo, políticas de distribuição de renda favorecem o crescimento porque as pessoas mais pobres têm uma maior propensão a consumir. O gasto público cria empregos e ajuda a dar estabilidade ao capitalismo porque representa demanda efetiva que impulsiona as expectativas empresariais acerca dos negócios futuros, levando-os a investir e, assim, a aumentar a produtividade, a renda e o emprego.

O Estado é gerador de empregos também no setor privado.

Não existe uma dicotomia entre Estado e mercado como há na teoria convencional. Keynes percebeu que a superação da crise de 1929 foi feita por aumentos dos gastos públicos em obras de infraestrutura, previdência, seguro-desemprego, ampliação das coberturas de saúde e educação etc.

Assim, a discussão sobre o seu papel não passa por reduzir os impostos ou pela dicotomia entre investimentos públicos e gastos correntes. Botar todo mundo numa boa escola, construir hospitais, ter uma polícia eficiente, previdência, pagar bem professores, médicos, enfermeiros, policiais, entre outras coisas, dão robustez à economia. Contudo, haverá diferenças na forma de prestar tais serviços.

A forma de elevar a produtividade do setor público não se dá preferencialmente por reduções de seu custo de atuação, mas sim pelo aumento da qualidade dos serviços prestados. Isso certamente depende de crescimento. Nem por isso a vigilância em torno deles deve ser relaxada, em especial em países que já não são pobres, como o Brasil.

Tal vigilância contribui para validar a atuação do Estado como uma forma de organização coletiva ao menos tão importante quanto o mercado. Essa é uma tarefa crucial para que o país ingresse de vez numa trajetória virtuosa de desenvolvimento.
.

Petróleo: um erro estratégico


FÁBIO GIAMBIAGI
Valor Econômico 


Nesta semana, foi publicado um livro que ajudei a organizar, chamado "Petróleo - reforma e contrarreforma do setor petrolífero brasileiro" (Editora Campus). A organização foi conjunta com Luiz Paulo Vellozo Lucas e o livro, além dos organizadores, contou com artigos de 19 autores, entre eles alguns dos mais conceituados analistas do setor de energia.

Na sua apresentação, fazemos uma distinção entre erros simples e estratégicos. Uma pessoa pode ir a um restaurante e escolher mal o prato. É algo sem maiores consequências. Já casar com a pessoa errada pode ser fonte de dor de cabeça por muitos anos para ambas partes.

Analogamente, uma empresa pode planejar a produção de um mês julgando que a demanda vai ser X e a demanda ser 10% maior, perdendo a chance de aproveitar melhor o momento, mas podendo se recuperar no mês seguinte. Já o erro poderá ser fatal se ela escolher apostar tudo num produto que está sendo abandonado pelos consumidores.

A revisão do modelo regulatório deveria entrar na agenda, sob pena de se perder oportunidade histórica

Esse tipo de equívoco é o que se denomina de "erro estratégico". Trata-se de atos que moldam a ação de um agente durante anos e podem, no limite, levar à falência (quando se trata de uma empresa).

A comparação é válida para as economias. Um país pode reduzir juros quando deveria aumentá-los ou aumentá-los quando deveria reduzir, mas nada disso é muito grave, pois trata-se de uma decisão errada com efeitos limitados e que pode ser corrigida pouco tempo depois. Opções estratégicas, porém, têm efeitos duradouros.

Países fazem opções. O Chile fez a escolha certa quando montou uma estratégia voltada para o Pacífico, com ênfase na abertura comercial. Em contraste, o Brasil nos anos 80 fez uma escolha desastrosa quando adotou a Lei de Informática, que atrasou o desenvolvimento do país durante anos, impedindo acesso aos avanços tecnológicos justamente quando o "boom" de informática estava se iniciando. Foi uma opção pela autarquia que se revelou errada em termos históricos, míope em termos econômicos e calamitosa em termos práticos, com péssimas consequências para o país.

Os historiadores que analisarem no futuro a primeira década do atual século provavelmente qualificarão de forma parecida a mudança de regime feita pelo Brasil em 2010 no setor de petróleo, quando adotou a partilha e resolveu privilegiar a política de conteúdo local, jogando pela janela um modelo que tinha dado certo durante 13 anos, com resultados espetaculares. Enquanto o modelo de concessão vigorou sozinho, foram realizadas diversas rodadas de licitação, as reservas provadas do país dobraram, a produção elevou-se em 150 % e a arrecadação acumulada da soma da participação especial e dos royalties alcançou mais de R$ 160 bilhões. Tudo funcionava muito bem, até o setor ser atropelado pela agenda ideológica que orientou a mudança de regime.

Confirmando mais uma vez o sarcasmo de Delfim Netto, de que "quando o governo compra um circo, o anão começa a crescer", a intervenção oficial travou o setor. Embora o cidadão comum possa julgar que o setor de petróleo vai de vento em popa, os fatos demonstram o contrário: as metas de produção não têm sido alcançadas, o país - cada vez mais distante da autossuficiência - importa quantidades crescentes de derivados e as empresas - incluindo a Petrobras - penam por conta do radicalismo da política de conteúdo local. No longo prazo, nada poderia ser mais preocupante do que a redução da área exploratória, do pico de mais de 340 mil km2 em 2009, para apenas um terço disso atualmente, devido à falta de novos leilões nos últimos anos.

A presidente queixa-se da falta de investimentos no país e, nos meios oficiais, as reclamações são contra o ambiente internacional de crise. A questão, porém, é que apesar da crise, há países da América Latina que estão muito bem, com destaque para Chile, Peru e Colômbia. Este último, especificamente, tem uma empresa de petróleo 


(Ecopetrol) que tem dado um "show de bola" no mercado internacional, seguindo os passos da Petrobras de 1997/ 2009 e rivalizando com ela em valor de mercado, apesar de ter ativos que são uma fração modesta dos ativos da nossa estatal.

Como diz corretamente Wagner Freire, antigo quadro histórico da Petrobras e que ajudou a escrever a história de sucesso da empresa, em um dos capítulos do livro, "as diferenças [entre as empresas] são enormes, mas o que conta mesmo para o valor de mercado é o que o mercado pensa sobre a administração da companhia e o comando do controlador". Nesse sentido, a combinação de 1) incerteza regulatória; 2) guerra federativa; 3) ausência de leilões; 4) excessos da política de conteúdo local; e 5) controle de preços, está sendo uma "bola de ferro" que impede o retorno do ciclo virtuoso do setor, que poderia ter um papel fundamental para o crescimento do PIB. A revisão do modelo regulatório do setor deveria entrar na agenda, sob pena de perdermos uma oportunidade histórica de utilizar adequadamente a riqueza de nosso solo.
.

terça-feira, 27 de novembro de 2012

Eduacação: Brasil fica em penúltimo lugar em ranking global sobre a qualidade de educação




Tudo isto tem um triste histórico. Comecei a ficar curioso com o pedido de demissão da primeira ministra da Educação, Esther de Figueiredo Ferraz. Ela não conseguia prosseguir o principal projeto na época, de alfabetização e ensino básico. A elite queria expressivos investimentos nas universidades. Ela tinha visão diferente. Passou, também, a bater de frente nas universidades com a esquerda ideológica, quase invisível na época. Depois foi a vez do imortal Portela, dono da frase "eu não sou ministro, "estou" ministro. Conseguiu sair como herói no embate com o presidente-general Figueiredo. Ganhou, mais tarde, um "prêmio"  por sua obra, virou imortal da ABL.

Era "cult" na época, dizer que o governo não investia em educação. Bobagem, desde aquela época, intensificando-se no governo Sarney, que Educação e Saúde foram as maiores fatias no orçamento. O PT, em crescimento, arregimentava intelectuais sob este mote: a Educação no país presisa mudar, tem que ser inclusiva. O que temos agora amigos? Dez anos de Lula e PT no poder? Melhoramos? E contando com FHC e Itamar, quando a esquerda ganhou corpo, são vinte e cinco anos. Melhoraram o que criticaram? O que lhes serviu de encorpamento e visibilidade para com a sociedade? Não.

A conclusão que chego é a mesma, batida, antiga: A Educação não melhora porque a sociedade não quer, e não os políticos. Esta omissão contumaz é a principal causa. Reflete-se de várias formas. 

Se tinha algo que me irritava após planejar, cuidadosamente, minhas aulas, era a porra do "resuminho" o "macetinho" em uma sociedade que não leva a sério a Educação. O "corta, copia e cola" sobretudo nos meios acadêmicos, um horror.

Eu não digo que é preciso fazer algo, venho tentando fazer há anos. Perco um bom tempo de minha noite lendo artigos importantes e selecionando os melhores, sob vários temas de relevância. Seleciono os melhores, posto no blog, no Face, no Linkedin e, ainda, envio via email para um seleto grupo que "disse" que se interessava. Aí, quando cruzo com alguns, pergunto: E aí, está gostando? Claro, não tenho muito tempo, "seleciono" para ler depois e mais adiante proclama uma besteira, via Face ou internet, sob um assunto onde um especialista ou vários havia analisado e eu enviado via email. Leu porra nenhuma, então não mente, que fica feio.

Enfim, minha parte na cidadania eu faço, mas ao longo dos anos tenho visto que não gera interesse. 3300 contatos no Face e 3350 no Linkedin e apenas vinte ou trinta visitas aos artigos postados mostram o grau de interesse da sociedade, em particular, esta que tenho contato direto. Isto meus caros, é cansativo e desestimulante. É dar murro em ponta de faca. O sociedade se amarra em ficar em cima do muro, faz parte de nossa idiossincrasia. Contra biotipo e idossincrasia não se briga. Minha frase favorita ao abrir módulos letivos.

Aí, pergunto: O país vai melhorar? Não, não vai, pois o cidadão é comodista, não gosta de ir a reunião de condomínio ou de escola de filhos. Gosta de ficar na comodidade do lar, na zona de conforto e dizer, da mesma forma que dizia na "época dos militares": "É um absurdo...alguém tem que fazer algo para mudar isto que está aí...".
Não verás país algum...





Brasil fica em penúltimo lugar em ranking global sobre a qualidade de educação

O Brasil ficou em penúltimo lugar em um ranking de educação que comparou 40 países. No topo, aparece a Finlândia, seguida da Coreia do Sul e de Hong Kong. O estudo, que levou em conta, entre outros fatores, notas de avaliações e qualidade dos professores, foi encomendado à consultoria britânica Economist Intelligence Unit (EIU), pela Pearson, empresa que fabrica sistemas de aprendizado.

As informações são da BBC Brasil. De acordo com reportagem publicada nesta terça-feira (27), os 40 países foram divididos em cinco grandes grupos de acordo com os resultados. Ao lado do Brasil, mais seis nações estão na lista dos piores sistemas de educação do mundo: Turquia, Argentina, Colômbia, Tailândia, México e Indonésia, país do sudeste asiático que aparece na última posição.

Entre os critérios usados para definir a colocação dos países, estão testes internacionais, como o  Pisa, o Pirls (sigla em inglês para programa sobre leitura e alfabetização) e o Timss (sigla para programa sobre matemática e ciências), além de aspectos como autonomia das escolas, idade que as crianças entram na escola e tempo médio de permanência, taxas de pessoas alfabetizadas e com nível superior.

A pesquisa encomendada pela Person está disponível aqui, em inglês.

Entrevistado pela BBC, Michael Barber, consultor-chefe da Pearson, disse que as nações que figuram no topo da lista valorizam seus professores e colocam em prática uma cultura de boa educação. As nações asiáticas se destacam porque o estudo tem um distinto grau de importância na sociedade e as expectativas que os pais têm dos filhos são muito altas.

O relatório também fala sobre a importância de empregar professores de alta qualidade, a necessidade de encontrar maneiras de recrutá-los e o pagamento de bons salários, segundo a BBC.
.


Tudo, de bolso

NIZAN GUANAES

FOLHA DE SP


A telinha do celular será em breve uma das principais vitrines da sua atividade; o pequeno ficou grande

Entre tantas revoluções nas comunicações, uma das mais importantes é a migração das telonas para as telinhas, da conexão por PCs e laptops para aparelhos móveis como celulares e tablets.

É a revolução da mobilidade, ou "mobile", em globish. Que está nos transformando.

A comunicação, quanto mais intensa, mais interfere em nossas vidas. A comunicação, afinal de contas, é o que nos une. Ela já é total e segue evoluindo rapidamente.

Unir a comunicação à mobilidade é como unir o território ao movimento, o espaço dos lugares dando lugar ao espaço dos fluxos. É nessa torrente que você, seus amigos, sua empresa, sua marca e seu produto estão navegando.

A mobilidade é a nova dimensão, o 4D. Um ponto infinito dentro do bolso. É só tirar e acessar... tudo. Sua conta bancária, suas lojas favoritas, seus jornais, seus programas de TV, suas músicas, os restaurantes da redondeza, o tempo, o trânsito, o caminho. Em resumo, tudo e o seu contrário. O mundo.

Mas, principalmente, acessar seus amigos e seus relacionamentos. E carregar os amigos no bolso é genial.

Entre 2013 e 2015, o reinado dos PCs vai acabar, e a maioria dos acessos à internet será feito por aparelhos móveis.

Em países emergidos, como o Brasil, os aparelhos móveis serão cada vez mais a forma dominante de acesso por serem mais baratos que os computadores tradicionais.

E a propaganda precisa ir aonde a audiência está. Basta olhar em sua volta e no espelho: nossa atenção está cada vez mais nas telinhas que carregamos no bolso ou na bolsa. Você pode esquecer tudo em casa, mas, se esquecer do celular, vai voltar.

Enquanto a TV, o aparelho dominante das últimas décadas, nasceu junto com o marketing, a nova pequena tela para o mundo oferece pouco espaço para a publicidade como a conhecemos.

No começo da internet, muita gente simplesmente pegou o anúncio off-line e o adaptou à web, mas off e on são obviamente muito diferentes. No "mobile", aprendemos com nossos primeiros erros digitais. Não faz sentido adaptar estratégia web para o "mobile".

É preciso usar o que há de específico e elementar nesse ambiente, como localização do usuário, conectividade com agenda e calendário, capacidade de fazer ligações telefônicas.

Em cima dessas capacidades, uma indústria de aplicativos difusa e inovadora constrói velozmente serviços tão específicos quanto a criatividade de milhões e milhões de desenvolvedores espalhados pelo mundo. Um desenvolvimento que, como Steve Jobs, consegue unir a compreensão do humano com a compreensão da tecnologia.

O resultado são serviços fáceis de acessar que os usuários consideram relevantes e úteis, do mais frívolo ao mais importante.

Na sexta-feira passada, nas promoções da "Black Friday", a grande sensação nos Estados Unidos foram aplicativos que mostravam as melhores ofertas de lojas próximas de acordo com escolhas do usuário.

Existem ainda aplicativos que literalmente salvam vidas, previnem e auxiliam na cura de doenças. Na África do Sul, uma operadora de telefonia atuou com ativistas sociais e pesquisadores para enviar 1 milhão de torpedos diários incentivando ligações para serviço de informações sobre Aids, com resultados espetaculares.

Na Tailândia, a eficiência de tratamento contra tuberculose aumentou sensivelmente com o envio diário de torpedos lembrando aos pacientes a hora certa da medicação.

No Quênia, um aplicativo chamado MedAfrica permite checar credenciais de um médico, localizar hospitais próximos, consultar manual de primeiros socorros, conhecer propriedades e dosagens de remédios, identificar sintomas de doenças.

Eric Schmidt, presidente do conselho de administração do Google, disse na Clinton Global Initiative que a mobilidade é o fator que mais pode ajudar na mobilização das causas sociais. Certamente, ela pode fazer o mesmo com causas comerciais.

Se você quer um insight desta coluna, é o seguinte: a telinha do seu celular será brevemente uma das principais vitrines da sua atividade. É melhor dar à devida atenção a ela desde já.

O pequeno ficou grande.
.

Resultado do aparelhamento das agências


Há alguns anos que venho denunciando aos distraídos cidadãos que, por ocasião da posse dos novos presidentes, deve-se dar atenção não a quem comandará ministérios e sim quem abocanhará cargos de segundo e de terceiros escalões, onde o dinhe
iro, de fato, rola. Só que a novela e o futebol são a preferência nacional e o cidadão, após ser pego com um mal serviço prestado de forma contumaz, limita-se a reclamar confortavelmente de dentro de sua zona de conforto, atribuindo a outrem, a responsabilidade por se mobilizar contra. As agências reguladoras, notadamente as de telecomunicações, aviação civil e de saúde, vem sendo encharcadas por nomeações políticas ao invés de técnicas, HÁ ANOS, sob o silente e atento cochilo de uma sociedade anômica e despreparada para vivenciar a democracia participativa. Mesmo com as redes sociais, a anomia é tão grande que eu não vejo perspectiva alguma de que melhore no futuro.

Resultado do aparelhamento das agências
O Globo

Logo ao assumir no primeiro mandato, em 2003, o presidente escolheu as agências reguladoras como alvo. Talvez pelo fato de elas terem relação direta com o programa tucano de privatização - tema explorado pelo PT -, não importou que fossem um instrumento inspirado nas boas práticas internacionais de modernização da administração pública.

Nada mais equivocado do que considerar que as agências "terceirizavam" o poder do Executivo. Ora, elas foram criadas como organismos independentes aos governos para, sem qualquer tipo de interferência, fiscalizar a prestação de serviços de concessionários de áreas em muitas das quais houve transferência de empresas públicas para o setor privado e concessão de exploração de serviços a empresas particulares.

Mas o governo Lula acabou, na prática, com a independência das agências, tratando-as como autarquias menores de ministérios, à disposição do jogo político fisiológico de troca de cargos e verbas por apoio no Congresso e em eleições.O mais novo escândalo patrocinado pelo grupo hegemônico no PT, deflagrado em torno da chefe de gabinete do escritório da Presidência em São Paulo, Rosemary Nóvoa de Noronha, é um caso de corrupção decorrente, entre outras causas, da degradação das agências reguladoras.Se elas não houvessem sido atraídas para a órbita do Palácio, continuassem a ser de fato independentes, dirigidas de forma profissional, Rosemary, ou Rose, desembarcada em Brasília na comitiva do primeiro governo Lula, de quem foi secretária pessoal, não teria montado um esquema de tráfico remunerado de influência a partir de agências reguladoras (ANA, de águas, e Anac, agência de aviação civil).

Um dos sinais do poder do esquema foi a pressão para a aprovação pelo Senado da indicação de Paulo Rodrigues Vieira, apadrinhado de Rosemary, para a ANA. Rejeitado uma vez, o Planalto reapresentou o nome e conseguiu aprová-lo. Na sexta-feira, a Operação Porto Seguro, da Polícia Federal, prendeu Paulo e o irmão, Rubens Carlos Vieira, encaixado na diretoria de infraestrutura aeroportuária da Anac - uma das mais aparelhadas das agências reguladoras.

A demonstração do alcance do esquema é o envolvimento do segundo no organograma da Advocacia-Geral da União (AGU), José Weber Holanda. Dilma agiu com rapidez e demitiu todos, ainda no sábado, como necessário. Mas é preciso se conhecer o mapeamento desta teia de negociação de pareceres e outros "negócios".

Por ironia, no mensalão, ainda em julgamento, e neste novo escândalo repetem-se dois personagens: José Dirceu, "chefe da quadrilha" do mensalão e de quem Rosemary foi secretária no PT antes de ir trabalhar ao lado de Lula; e o indefectível mensaleiro Waldemar Costa Neto (PR-SP), pilhado em negociações com o esquema. E mais uma vez surge um descuidado Lula, "traído" no mensalão e agora "apunhalado pelas costas" por Rose e protegidos.
.

sábado, 24 de novembro de 2012

Mais um super-herói social




GUILHERME FIÚZA
O GLOBO


Joaquim Barbosa tomou posse no STF com discurso militante, para delírio dos progressistas que o veneram pela cor da pele


José Dirceu acertou uma: disse que o populismo chegou ao Supremo Tribunal Federal. E chegou mesmo. Não no mérito do julgamento do mensalão, que é o que Dirceu quer desclassificar. Mas nas maneiras e nos discursos afetados dos ministros, em especial o presidente que a Corte acaba de empossar, Joaquim Barbosa — o novo herói brasileiro.

O presépio está ficando completo: a “presidenta”, afilhada do ex-operário, que indicou o negro para a elite do Judiciário. Negro como Barack Obama, o presidente da nação mais rica, que ganhou o Nobel da Paz sem fazer nada — não por seus belos olhos, mas pela cor da sua pele. O mundo politicamente correto é racista.

Depois do Nobel “étnico”, Obama começou a trabalhar e mostrou enfim quem era: um líder fraco, canastrão, tentando se equilibrar entre o conservadorismo americano e seu símbolo de defensor dos fracos. Não agradou verdadeiramente a ninguém. Conseguiu uma reeleição apertada contra um dos piores candidatos republicanos dos últimos tempos. E já saiu anunciando aumento de impostos para os “ricos” — a única coisa que os populistas sabem fazer: garfar quem produz e quem investe para engordar a burocracia estatal.

Claro que Obama não vai produzir bem-estar social nenhum desse jeito, sangrando uma economia asfixiada a pretexto de distribuir renda. Os esquerdistas que emergiram na Europa panfletando contra o rigor fiscal alemão já começaram a dar com os burros n’água. As sociedades cresceram demais, e o que pode salvá-las é mais dinamismo, e não mais impostos e gastos estatais. Mas o mito do governante bonzinho que vai salvar a todos parece indestrutível.

O Brasil vive esse sonho de ter um governo mais humano por ser presidido por uma mulher. As pessoas acreditam em qualquer coisa. Basta ver os argentinos dando corda para os delírios autoritários de Cristina Kirchner (o presépio progressista tinha que ter uma viúva profissional). Cristina e Dilma são irmãs gêmeas em certas decisões maternais, como a redução na marra das tarifas de energia. O desastre decorrente dessa bondade já se consumou na Argentina, e começa a se consumar no Brasil, com as ações das empresas do setor desabando vertiginosamente. É comovente como o populismo arruína as estruturas de um país sem perder a ternura.

Enquanto a propaganda do oprimido funcionar, o governo sabe que não precisa governar. A última pérola é a campanha publicitária da Infraero. Como se sabe, o governo Dilma não planeja nada (não dá tempo), e aí vem a Copa do Mundo jogar um holofote nos remendos da infraestrutura. O que faz então o governo? Propaganda. Após anos de escárnio no Aeroporto Internacional do Galeão, onde já se viu até passageiro arrastando bagagem pela escada por falta de elevador, o contribuinte tem que ouvir agora a mensagem de que a Infraero está trabalhando pelo seu conforto etc. Podem zombar, os brasileiros não ligam.

Nem se importam que o ministro da Justiça faça comício contra as prisões brasileiras, quando seus companheiros mensaleiros se encaminham para elas. José Eduardo Cardozo disse que preferia morrer a ir preso no Brasil. Aparentemente, também prefere a morte a ter que descer do palanque e administrar as prisões. Com a crise de violência em São Paulo, um preposto do ministro apareceu para declarar que ofereceu uma maleta detetora de celulares ao governador paulista. O mais importante era avisar à imprensa que o governo tucano não respondera à generosa oferta. Em meio à onda de mortes, a estratégia do governo popular era fazer pegadinha partidária.

Cardozo disse que as prisões brasileiras são medievais. Em seguida, por coincidência, Dias Toffoli, o ministro do PT no Supremo, declarou que as penas de prisão para os mensaleiros são medievais. Os brasileiros não se incomodam de ter um juiz partidário fingindo que julga seus companheiros, e aí ficam achando que o que julga de verdade é herói.

Onde está o heroísmo de Joaquim Barbosa? Ele foi o relator de um processo julgado sete anos depois do fato — e nesse intervalo o partido dos réus fez a festa em três eleições. A estratégia petista de fazer o mensalão sumir no retrovisor só não deu certo porque a imprensa gritou contra o escândalo do escândalo — e praticamente empurrou o STF para o julgamento.

Joaquim fez bem o seu trabalho. Mas também fez bravatas, mostrou pouca serenidade em bate-bocas com colegas (tivera um embate público quase infantil com Gilmar Mendes), se empolgou às vezes com sua própria mão pesada, mostrou-se intolerante e preconceituoso ao dizer a jornalistas que eles estavam fazendo “pergunta de branco”. Tomou posse no STF com discurso militante, para delírio dos progressistas que o veneram por sua origem pobre e pela cor da sua pele.

O Brasil mimou o ex-operário e não aprendeu nada com isso. Continua em busca do seu super-herói social. Os parasitas da nação agradecem. Eles se saem muito bem no reino da fantasia.
.

O grande e velho planeta


PAUL KRUGMAN
O Estado de S.Paulo


Como os EUA pesquisarão recursos naturais se as escolas que ensinam geologia precisarem dedicar igual tempo a afirmações de que o mundo tem só 6 mil anos?


N o início desta semana, a revista QG publicou uma entrevista com o senador Marco Rubio, para muitos um possível candidato à indicação republicana nas eleições presidenciais de 2016. Uma pergunta feita a Rubio foi sobre a antiguidade do mundo. Depois de dizer "não sou um cientista", o senador assumiu um comportamento desesperadamente evasivo, para acabar declarando que "esse é um dos grandes mistérios".

É uma situação engraçada e conservadores gostariam, como nós, de esquecer o ocorrido o mais rápido possível. Ora, dizem eles, o senador estava querendo apenas satisfazer os prováveis eleitores nas primárias republicanas de 2016. Afirmação que por alguma razão seria para nos tranquilizar. Mas não devemos esquecer essa história facilmente. Ler a entrevista de Rubio é como dirigir por um cânion profundo; de repente você consegue ver claramente o que está sob a superfície. Como as camadas de rochas que nos explicam as eras geológicas, a incapacidade de Rubio para reconhecer uma evidência científica também explica a mentalidade antirracional que tomou conta do seu partido político.

A propósito, esse assunto não surgiu de repente. Como presidente da Câmara dos Deputados da Flórida, Marco Rubio prestou uma enorme ajuda aos criacionistas que querem restringir a educação científica. Numa entrevista, ele comparou o ensino da evolução às táticas de doutrinação comunistas, embora tenha acrescentado: "Não estou equiparando os evolucionistas com Fidel Castro". Puxa, obrigado! Qual é a reclamação de Rubio com relação ao ensino de ciências? Que pode destruir a fé das crianças naquilo que seus pais disseram que deviam acreditar. E aí você tem a visão moderna do Partido Republicano, não no caso da biologia, mas com relação a tudo. Se a evidência contradiz a fé, vamos suprimir a evidência.

O exemplo mais óbvio, além da questão da evolução, é o problema da mudança climática provocada pelo homem. À medida que o aquecimento do planeta se torna cada vez mais evidente e assustador, os republicanos se afundam cada vez mais na negativa, com afirmações de que tudo é uma fraude criada por uma vasta conspiração de cientistas. E essa recusa é acompanhada de medidas frenéticas para silenciar e punir qualquer pessoa que reporte fatos inconvenientes.

O mesmo fenômeno é observado em muitas outras áreas. A mais recente demonstração foi no caso das pesquisas eleitorais. Na última eleição, as pesquisas por Estado apontaram uma vitória de Obama, mas quase todo o Partido Republicano recusou-se a reconhecer essa realidade. Analistas e políticos rejeitaram furiosamente os números e atacaram pessoalmente todos aqueles que mostravam o óbvio: a demonização de Nate Silver, do The Times, em particular, foi notável.

O que representa esta rejeição? No início deste ano, Chris Mooney, jornalista que cobre matérias científicas, publicou "The Republican Brain", que não é, como você pensaria, uma ladainha partidária, mas um levantamento da hoje extensa pesquisa ligando ideias políticas a tipos de personalidade. Como ele mostrou, o moderno conservadorismo americano está muito vinculado a uma propensão autoritária - e os autoritários têm uma forte inclinação a rejeitar qualquer evidência que contradiga suas crenças. Os atuais republicanos se escondem numa realidade alternativa definida pela Fox News, por Rush Limbaugh e a página editorial do The Wall Street Journal. Somente em raras ocasiões, como na noite da eleição, encontram algum indício de que aquilo em que acreditam pode não ser verdade.

Isso não é simétrico. Os liberais, como humanos, com frequência cedem a quimeras, mas não da mesma maneira sistemática, abrangente.

Voltando à idade do mundo, é importante? Não, disse Rubio, proclamando que se trata de "uma disputa entre teólogos". E quanto aos geólogos?, eles "não tem nada a ver com o PIB ou o crescimento econômico dos Estados Unidos". Ele não pode estar mais errado.

Afinal, vivemos numa era em que a ciência tem um papel econômico crucial. Como os EUA vão pesquisar eficazmente os recursos naturais se as escolas que ensinam geologia moderna precisarem dedicar igual tempo a afirmações de que o mundo tem somente seis mil anos? Como o país vai continuar competitivo no campo da biotecnologia se as aulas de biologia evitarem qualquer matéria que possa ofender os criacionistas?

E ainda há a questão de usar a evidência para criar uma política econômica. Recente estudo do Serviço de Pesquisa do Congresso concluiu que não existe apoio empírico para o dogma segundo o qual cortar impostos dos riscos acarreta um maior crescimento econômico. Como os republicanos responderam a isso? Suprimindo o relatório. Na teoria econômica, como nas ciências exatas, os modernos conservadores não querem ouvir nada que conteste suas ideias preconcebidas. E não querem que ninguém ouça esse tipo de coisa também.

Portanto não deve-se tratar com indiferença esse momento embaraçoso de Rubio. Sua incapacidade para lidar com a evidência geológica é indicativo de um problema mais amplo - que pode, no final, colocar os EUA no caminho de um inexorável declínio.
 TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO.
.

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Barbosa, futebol e "coitadismo"





Por que tanta exultação pelo fato do primeiro negro a assumir a presidência do STF? Por que tanta e contumaz imaturidade social? Em que isto nos fará pessoas ou cidadãos melhores? 

Pelé foi famoso no mundo inteiro, declarou que brasileiro não sabia (não sabe, aliás) votar. Em que isto nos  mobilizou para melhorarmos? 

Quando a primeira mulher ministra -Maria Esther de Figueiredo Ferraz-, logo da educação, pedagoga logo em governo de presidente militar (os presidentes militares primavam pelo especialista no executivo e não por distribuição partidária), assumiu, houve uma quase comoção social nos dizendo que chegara o momento de crescermos pela Educação. Crescemos? 

Alguém acredita que somos cidadãos melhores? É só dar uma olhada a sua volta, enquanto a rua está seca e vc pode sair de casa, de dia, claro. Só pioramos, apesar de bons exemplos públicos e de antigos referenciais sociais sérios e éticos, em termos de agressão ao meio-ambiente, em termos de cidadania (ocupação de vagas de deficientes e idosos, etc), violência no trânsito, violência gratuita urbana, etc.

Em que melhoramos, de lá para cá? O apagão de mão-de-obra é, por acaso, um exemplo dessa melhora iniciada trinta anos atrás? 

Tivemos senadores que foram despachantes, presidentes da república agricultor rural, outro filho de operários que jogou futebol em rua sem calçamento, finalmente um  legítimo (??) operário, em que isto serviu de exemplo para nos tornar cidadãos melhores? Nosso apego ao trabalho aumentou? E a exultação por feriados imprensados? Representa esta melhora ou o fato de termos trabalhadores como presidentes? 

Nos últimos dez anos as mulheres estão em posições chaves na Adm federal, estadual e municipal. Em que isto serviu de exemplo social? 

Contudo, este eterno e contumaz espírito carnavalesco de comemorar efemérides tolas e pueris é que não sinaliza, nem de longe, o alcance de nossa maturidade social. Aliás, exportamos tal exultação com a eleição e reeleição de Obama, nos EUA. O curioso é que não houve o mesmo por Cristina Kirshner, na Argentina, tampouco Angela Merkel, na Alemanha. Deve ser o nosso inexorável "coitadismo", grave acometimento moral e intelectual que este vencedor não tem, o que, por si só, já o torna louvável, reverenciável.

Em nenhum momento o vi abraçado a estapafúrdia tese e movimento do "coitadismo" de gênero, contra Monteiro Lobato, tampouco o vi defendendo a comissão que quer nos expropriar em QUATRO trilhões de reais de nossa sociedade (vale ressaltar que no nosso PIB, aos trancos e barrancos beira pouco mais de um trilhão de reais - querem apenas, quatro vezes este valor- para indenizar todo e qualquer descendente de escravos. 

Aliás, este fato que deixei por último, é o que mais corrobora o que escrevo, pois um lídimo exemplo de raça e cor chegou lá, venceu, mas esta súcia de "excluídos sociais por serem negros injustiçados pela sociedade ao longo da História" quer nos sugar, sem o suor do rosto e da tez de ébano, justificados, apenas, pelo coitadismo em meio a uma sociedade de politicamente corretos estúpidos.

Enfim, espero que haja, ao menos, bom-senso para entender que, como os demais, estou feliz por este cidadão normal, por acaso negro, tenha atingido o ápice de sua vida, não por sua cor, mas por seus atributos.  Todavia, ícones e referenciais sociais tem sua serventia. Este, para nossa incipiente sociedade, terá uma ribalta fátua.


Ele será mais um cujo exemplo de esforço ético e responsável para vencer na vida de nada servirá a  nossa sociedade. Ele é bom de bola, joga muito bem futebol, pois já o vi algumas vezes no campo no anexo do prédio da presidência da república jogando. Mas cometeu o grave pecado de não ser jogador de futebol. Não fora pelo julgamento do mensalão ele seria um presidente do STF, ilustre desconhecido da sociedade. Este cidadão é o que de mais puro e genuíno em que a meritocracia se faz representar, todavia o desesperado apego aos "todos são iguais perante a lei" na Constituição Federal faz com que muitos pleteiem, via de regra por intermédio de greves, os mesmos direitos que os mais esforçados e destacados obtém por esforço próprio.


O que nos afasta da maturidade social e política é que queremos tapar o sol com a peneira. O problema não está nas circunstâncias sociais, está em nós, simplesmente em nós e não enxergamos.
.

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Shakespeare no Brasil

 ROBERTO DaMATTA
O Estado de S.Paulo 


"O mundo é um palco e todos os homens e mulheres são meros atores. Eles têm suas entradas e saídas de cena e cada homem, a seu tempo, representa muitos papéis."

Essa profunda descoberta está na peça Como Gostais ou Como Quereis (em inglês, As You Like It), de William Shakespeare. A obra foi escrita em 1599, quando o Brasil, gloriosamente habitado por tupinambás, fundava suas primeiras cidades e era invadido pelos franceses. Vale lembrar essa reflexão sobre o teatro e o mundo que eu chamo de "axioma de Shakespeare" neste Brasil de 2012, habitado por tribos que querem o poder a qualquer preço e por políticos que, diferentemente de Rosalinda (a mocinha da peça), não sabem que há uma razoável distância entre ator e papel, entre o cargo (com suas demandas) e quem o ocupa (com suas limitações).

Ademais, é preciso liquidar de vez com a relação entre política e teatro porque, se há muito de teatral na política, política não é teatro. No palco pode haver esse "as you like it" - esse "a teu gosto" shakespeariano. Mas na política é preciso cumprir metas atacando de frente a injustiça e a desigualdade ou - como lembrou o ministro da Justiça - multiplicar o número de prisões e tirá-las de um medievalismo desumano.

Num caso, tudo é fantasia e tem hora para começar e terminar; no outro, a luta contra a iniquidade não acaba e o Brasil, como estamos fartos de saber, está atrasado em quase tudo. Repetimos dramas que não deveriam mais ser vistos com uma insistência que causa vergonha e não os aplausos que conferimos com gosto no teatro.

O fato central é que o axioma de Shakespeare, esse fundador do humano, na opinião douta de Harold Bloom, nos leva a discutir se o papel faz a pessoa ou se ocorre justamente o oposto.

Eis a questão que tem permeado a democracia liberal e a modernidade tão exemplarmente demarcadas por Alexis de Tocqueville quando descobre que, na América que visitou nos 1830, o mundo era construído mais de indivíduos do que de pessoas, como ocorria nas aristocracias das quais ele fazia parte. Nas aristocracias, o mundo era fixo, as pessoas entravam nos papéis. Nas democracias, dava-se exatamente o contrário: o papel era moldado por pessoas que os redesenhavam ou expandiam. Novos papéis eram sempre inventados.

Mas até que ponto podemos sair e entrar nos papéis que o grande palco da vida nos obriga a desempenhar? Até onde eles devem ser levados a sério? Será que hoje vivemos uma dessacralização de todos os papéis?

* * * *

Penso que não. Sobretudo se falamos dos papéis públicos - os chamados cargos governamentais. Esses papéis tão pouco discutidos no Brasil, mas que têm sido centrais no meu trabalho.

Cargos públicos ou papéis sociais coletivos, voltados para o bem ou para o mal comum, são parcialmente escolhidos e legitimados. Uma pessoa quer ser ministro, mas para tanto precisa ser escolhido pelo presidente. Ser e estar, como disse Eduardo Portella, é um traço fundamental desses ofícios. Eu posso estar e não ser; ou posso ser e não estar. O lado individual tem de ser conjugado pelo lado legitimador da autoridade. Ninguém é ministro sozinho e quando se está ministro não se está individualizado. Pode um ministro dar publicamente uma opinião como cidadão?

Melhor não fazê-lo. Imagine um general dizendo que seus soldados são uns merdas. Ou um presidente dizendo que a tarefa é maior do que ele imaginava. Ou um juiz que se comporta como advogado de defesa.

Tais casos configuram, no máximo, má-fé e estelionato coletivo (algo que nos últimos dez anos temos assistido passiva e covardemente no Brasil) e, no mínimo, falta de consciência de que um cargo público (pertencendo à coletividade) não permite que o seu ocupante tenha vida privada. Há cargos e cargos. Mas os públicos devoram o lado íntimo das pessoas que os ocupam. O cargo, sendo coletivo, contamina o ator obrigando-o a uma complexa transparência. Só nós, brasileiros, que estamos sempre a reinventar o mundo legal e político com ficções que legitimam o crime como heroísmo e o roubo como parte de uma boa biografia, nos surpreendemos com esse fato.

Se assim não fosse, eu poderia ter as páginas deste jornal para falar grosso disso ou daquilo. Não falo porque não sou ministro; porque não tenho a presença coletiva de um cargo que não é meu, mas é do País e da sociedade. Os pais podem maldizer ou abençoar seus filhos e os ocupantes de cargos públicos podem desgraçar ou exaltar partidos e governos.

É o que vemos hoje no Brasil. Uma shakespeariana troca de papéis com - graças a Deus - consequências e, espero eu, consciência.
.

terça-feira, 20 de novembro de 2012

Fome na África






DOCUMENTÁRIO ALEMÃO REFLETE SOBRE ERROS DA AJUDA AO DESENVOLVIMENTO

Jochen Kürten
Deutsche Welle


Exibido no 20° Festival de Cinema de Hamburgo, o filme “Doce veneno – Ajuda como negócio” registra as consequências da ajuda ao desenvolvimento equivocada na África, no decorrer das últimas décadas.
Süsses Gift– Hilfe als Geschäft (Doce veneno – Ajuda como negócio) é um documentário que deverá desencadear muitas reações adversas na Alemanha, pois ataca diretamente a ajuda estatal ao desenvolvimento. E, para tal, não propõe teses críticas, nem levanta polêmicas contra a inflação desse tipo de iniciativa, mas simplesmente deixa falarem as pessoas in loco. O resultado é uma maior proximidade e verosimilhança.
Peter Heller trabalha há 40 anos com documentários. Na África, já rodou 30 filmes sobre os mais diversos assuntos, do colonialismo aos problemas sociais do continente. Em seus filmes, porém, o diretor sempre manteve o olhar também voltado para seu país, explorando a relação dos alemães com a África.
50 anos de independência
Essa experiência anterior do diretor é um dos trunfos de Doce veneno. Heller, que já esteve em função de seus outros filmes no Quênia, Tanzânia e Mali, pôde recorrer a muito material de seus trabalhos anteriores. Sendo assim, Doce veneno se tornou uma espécie de documentação de longo prazo, que trata do assunto “ajuda ao desenvolvimento” num contexto histórico mais amplo.
Mas o que inspirou o diretor a retomar o tema exatamente agora? “Há 50 anos, muitos países africanos se tornaram independentes”, contou o diretor depois da estreia de seu filme em Hamburgo. “Sempre me incomodaram a dependência e a letargia em que as pessoas caíam, devido á ajuda ao desenvolvimento.”
Mas o que há de errado na ajuda ao desenvolvimento? O que há de errado com a meta de ajudar às pessoas in loco? Heller esclarece não ter nada contra, por exemplo, a ajuda emergencial em caso de catástrofes naturais, embora também aponte irregularidades nestas doações internacionais. “Muitas empresas na UE, nos EUA e no Canadá fazem bons negócios com isso”, afirma. Em Doce veneno, contudo, Peter Heller aborda sobretudo a ajuda de longo prazo concedida pelos países ocidentais, com base em três exemplos.
No Lago Turkana, norte do Quênia, o diretor se deparou com um caso evidente de ajuda ao desenvolvimento mal conduzida. Lá organizações norueguesas tentam há anos auxiliar as vítimas da seca, através de um programa de relocação. Os nômades turkana foram removidos do interior seco para a região do lago e “treinados” para serem pescadores.
Os noruegueses investiram muito dinheiro no projeto e mandaram construir enormes fábricas altamente tecnológicas para a indústria da pesca. “Eles tinham boas intenções”, ressalta Heller, “e queriam inserir os turkana no mercado internacional, muito antes da globalização”. Só que deu tudo errado.
Vitória do calor africano
A fábrica hipermoderna era grande demais, e não adaptada às necessidades da população local. Além disso, não havia energia elétrica suficiente para manter os frigoríficos gigantescos em constante funcionamento. Depois de apenas seis semanas a fábrica foi fechada.
Outro erro cometido pelos mentores noruegueses da ajuda ao desenvolvimento foi subestimar a mentalidade, os costumes e as tradições dos nativos. Pois tão logo os homens e mulheres iam ganhando um pouco de dinheiro com a pesca, investiam o que tinham em gado e retomavam seus hábitos nômades. Três anos mais tarde, os noruegueses também abandonaram o local.
Como mostra o filme de maneira impressionante, hoje os habitantes tornaram-se permanentemente dependentes da ajuda vinda dos países ocidentais. “Quando os noruegueses brancos vão voltar e trazer para cá o progresso?”, pergunta um ancião camponês no filme. A fábrica, hoje uma ruína enorme e monstruosa, é usada como depósito para peixe seco. Apenas recentemente os investidores voltaram a demonstrar interesse pelas instalações.
Fome “made in Germany”
Outro exemplo drástico foi pesquisado por Peter Heller no Mali. Décadas atrás, empresas alemãs lá construíram uma represa enorme, a fim de garantir o fornecimento de água para a agricultura. As intenções eram as melhoras, mas também aqui o tiro saiu pela culatra: 34 povoados foram inundados e muitas pessoas foram desalojadas para regiões menos férteis.
O projeto foi feito para durar de 10 a 15 anos, mas acabou sendo interrompido depois de três anos. Na Alemanha, ocorreu uma mudança de governo e os novos políticos no poder tinham outras prioridades. Hoje, a maioria dos homens deixou a região para migrar para a Europa, enquanto mulheres e crianças passam fome.
Outro projeto documentado por Doce veneno é uma plantação de algodão na Tanzânia, no fim dos anos 70. Heller presenciou quando tudo começou. “Era um projeto-modelo com tratores alemães e bombas de aplicação de agrotóxicos. Falava-se de uma ‘revolução verde’ na época”, recorda. “Revolução verde”, no caso, tinha um significado muito diferente do que tem hoje. Naquele momento, ainda não se falava em proteção ambiental.
“Diziam para simplesmente colocarmos um lenço de papel duplo sobre o nariz, enquanto os africanos espalhavam a substância tóxica”, lembra o diretor. Mas já nos anos 80, o projeto começou a decair. E nos anos 90, a queda nos preços internacionais do algodão puseram um fim à história. A ideia era produzir em grande escala para o mercado mundial, desde o início – um erro fatal.
Pelo fim da ajuda estatal ao desenvolvimento
No filme, Heller não defende de maneira explícita o fim da ajuda estatal ao desenvolvimento, deixando que isso seja, antes, dito através dos comentários e posições tomadas pelos africanos in loco. Em entrevista à Deutsche Welle, no em tanto, ele citou diversos argumentos contra o procedimento.
A ajuda ao desenvolvimento é, em primeira linha, um negócio para empresas ocidentais; há muito dinheiro envolvido; muitos grandes projetos de ajuda ao desenvolvimento não são ajustados às condições locais, argumenta Heller. Dever-se-ia investir recursos sobretudo no setor agrícola; o certo seria plantar e vender alimentos no local, em vez de importá-los dos países ocidentais; e é preciso apoiar as diversas pequenas ONGs, que têm experiência prática nesse campo.
Por fim, o filme de Heller questiona por que os estimados 600 bilhões de dólares de ajuda ao desenvolvimento investidos nos últimos 50 anos não contribuíram para um progresso visível das regiões em questão. As respostas são dadas por encarregados de ajuda ao desenvolvimento, intelectuais, ativistas políticos e comerciantes.
“A ajuda ao desenvolvimento cria uma espécie de letargia”, diz um jornalista africano, que considera o auxílio internacional nocivo e muito perigoso. Segundo ele, a ajuda destrói toda motivação, por vir de fora e não incentivar o esforço próprio. Um exportador africano de algodão conclui: “Cinquenta anos depois da independência dos países africanos, chegou a hora de assumirmos a responsabilidade, e não só esperar até que a ajuda chegue”.
.

GEOMAPS


celulares

ClustMaps