EDITORIAL
FOLHA DE S. PAULO
As manifestações que deslancharam a Primavera Árabe tiveram início num ato isolado de desespero. Em dezembro de 2010, o tunisiano Mohamed Bouazizi ateou fogo ao corpo e desencadeou uma revolta contra a situação econômica em seu país, onde o desemprego afligia um quarto da população.
Tendem ao simplismo, como se sabe, as explicações puramente econômicas para eventos sociais. São ainda menos consistentes as tentativas de atribuir um motivo genérico e unilateral a reações eminentemente complexas, como as que atravessam a psicologia e a história peculiar a cada indivíduo.
Contra o pano de fundo do desemprego estrutural, o ato de desespero do jovem tunisiano surgiu após os violentos achaques da polícia, aos quais ele era submetido por tentar a sobrevivência como vendedor ambulante sem licença.
Autoritarismo, repressão, conflitos religiosos e economia misturaram-se naquele momento, e seria incerto transferir esse quadro específico para os países europeus, por exemplo, onde a crise tem determinado índices similares de desemprego, e ainda mais elevados entre os jovens.
O desespero, entretanto, não é menor no mundo desenvolvido e produz efeitos equivalentes, no plano individual, aos que se abateram sobre o ambulante da Tunísia.
Estudo publicado no periódico médico "The Lancet" aponta, de forma persuasiva, a estreita correlação entre crise econômica e aumento de suicídios nos EUA.
De 1999 a 2007, crescia a uma taxa anual de 0,12 por 100 mil habitantes o número de pessoas que davam fim à própria vida naquele país. Com o advento da crise financeira global, o ritmo de crescimento se acelerou, com a adição de 0,51 suicídio por cem mil habitantes nos anos entre 2008 e 2010 -ou 1.580 mortes a mais por ano.
Não é apenas a privação econômica, certamente grave, mas ainda assim amenizada por décadas de progresso social, o que se abate sobre largas parcelas da população nos países desenvolvidos.
A ausência de perspectivas, especialmente entre os mais jovens, propicia uma sensação psicológica em que o indivíduo se vê como que dispensado de prosseguir numa vida útil, diante de um mecanismo impessoal e cego, que a esfera política só aparentemente se acha em condições de administrar.
Talvez seja exagero prever uma "Primavera Europeia" em países como Espanha, Grécia e Portugal, caso ali persistam os atuais índices de desemprego. É inegável, entretanto, que pouco se tem feito para dissipar tamanho surto de aflições.
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