domingo, 4 de novembro de 2012

Visão Global




Sibylla Brodzinsky
O Estado de S. Paulo


Reflexos de um pacto com as Farc

As pequenas rachaduras nas paredes brancas da casa de blocos de con­creto de Victor Salas contam a história recen­te da violência da guerrilha nesta cidadezinha do sudoeste da Colômbia. Toda vez que um carro-bomba explode perto da delegacia, a várias quadras de distância, ou uma granada é lançada numa loja vizinha, aparece uma nova rachadura. As trin­cas estão em toda a casa, que antes não tinha nenhuma.

Corinto é uma das cidades mais atin­gidas pelo recrudescimento dos ata­ques das Forças Armadas Revolucioná­rias de Colômbia (Farc). Agora, uma negociação pode pôr fim a cerca de 50 anos da luta entre o governo colombiano e o que começou como um levante de cam­poneses de inspiração marxista, mas que deixou dezenas de milhares de mortos e milhões de refugiados.

Muitos analistas consideram o mo­mento a maior chance de paz da Colôm­bia na história do conflito. Três outras tentativas feitas nos últimos 30 anos acabaram em derramamento de sangue e vio­lência. Mas o novo balanço de forças - com um governo dotado de maior legiti­midade e o movimento rebelde conside­ravelmente enfraquecido - levou as duas partes a elaborar um programa concreto de cinco pontos. O programa inclui a dis­cussão do desarmamento e a possibilida­de de participação política dos guerrilhei­ros desmobilizados.

O otimismo que cerca as conversa­ções, iniciadas em Oslo e posteriormen­te transferidas para Havana, não significa que as negociações avançarão sem dificuldades. Observadores estão preocupa­dos com questões de Justiça transitória, com a participação da sociedade colom­biana, e com a possibilidade de que, dada a persistência dos combates, o processo seja fadado ao fracasso.

Pela primeira vez, as conversações de paz têm como objetivo fundamental o fim dos combates, e não tentar solucio­nar os problemas do país. Nas conversa­ções anteriores, a pauta era muito ampla, incluía desde a distribuição da renda ao sistema de saúde, a educação e a política externa.

Durante a atual negociação, as vítimas das Farc, principalmente antigos reféns exigem ser ouvidas. "Nenhum negocia­dor do governo sofreu com a guerra e to­dos eles acabarão concedendo indultos em nosso nome", disse Sigifredo López, um político que permaneceu sete anos em poder dos guerrilheiros até 2009.

O seqü=uestro foi um dos recursos crimi­nosos típicos das Farc. Em fevereiro, elas renunciaram publicamente a essa práti­ca e declararam não ter mais reféns. Mas centenas ainda exigem saber o paradeiro de parentes que afirmam ter sido levados pelos guerrilheiros.

Silvia Serna não tem dúvidas de que a Frente 26 das Farc está com seu filho Ed­son Paez. Ele foi sequestrado em setembro de 2011, e mesmo depois que ela se encontrou com um comandante das Farc para negociar a libertação do filho, e pagou cerca de US$ 110 mil, diz que ele continua preso.

As negociações terão de discutir questões de Justiça e de que maneira os líderes e os combatentes do movimento pagarão pelos delitos. Além do sequestro, os crimes incluem instalação de minas terrestres, estupro, recrutamento forçado, deslocamentos e massacres. Embora 77% dos colombianos apoiem o processo de paz, 78% afir­mam que querem ver os membros das Farc pagar pelos crimes com a cadeia.

Uma emenda constitucional aprovada em julho estabelece um sistema de Justiça transitória que se aplicaria às Farc no caso de um acordo de desmobilização. Isso permitiria a aplicação de sanções alternativas aos rebeldes, além da prisão.

Marta Cecilia Herrera, cujas filhas gêmeas de 27 anos foram levadas com dois genros pelas Farc em 1997, diz que pode perdoar a guerrilha, desde que saiba a verdade. "Eles poderão de­volvê-los para mim vivos ou mortos, mas quero saber o que fizeram com eles".

É JORNALISTA E VIVE EM BOGOTÁ
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