Valor Econômico
O coro de montadoras anunciando robustos investimentos no Brasil, durante o último Salão do Automóvel, encantou o governo, que viu nas centenas de milhões prometidos pelas empresas um endosso ao seu novo regime automotivo, o Inovar-Auto. O programa se baseia no aumento de 30 pontos percentuais do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e em descontos do tributo para quem seguir exigências mínimas de conteúdo local, redução de consumo e investimentos em inovação. Até quatro pontos a mais de desconto podem ser conferidos às montadoras que fizerem investimentos adicionais em engenharia, inovação e desempenho dos motores (economia de combustível e redução de emissões). Boa parte dos investimentos e novas linhas fabris divulgados nos últimos dias são detalhamento de programas já anunciados, planejados para disputar o concorrido mercado brasileiro de carros até antes do Inovar-Auto.
É o caso do anúncio, pela Volkswagen, do investimento de R$ 427,8 milhões para uma nova unidade de pintura que começará a operar em fevereiro. A VW já havia informado que investiria outros R$ 315 milhões em sua unidade de motores, em São Carlos, e ambos os valores são uma parte dos R$ 8,7 bilhões programados pela empresa até 2016. A Ford havia anunciado investimento de R$ 4 bilhões em 2009, até 2015, e, no ano passado, havia subido a quantia a R$ 4,5 bilhões. A Peugeot havia acenado com R$ 3,7 bilhões.
Evidentemente, outras montadoras, principalmente as chinesas ou seus sócios brasileiros, foram induzidas a trocar planos de importação pelos de fabricação no país, devido ao custo adicional criado pelo Inova-Auto sobre automóveis importados. A habilitação no regime permite que as empresas ganhem créditos para reduzir o pagamento do imposto, em troca do compromisso com a produção local e os investimentos exigidos pelo governo. O programa foi concebido e exigirá monitoramento constante para evitar a repetição do caso Asia Motors, que beneficiou-se de créditos de imposto em troca da promessa nunca concretizada de montar fábrica no Brasil, gerando uma dívida cobrada até hoje na Justiça.
Os anúncios serviram às autoridades para declararem o acerto de sua estratégia de buscar investimentos com um misto de protecionismo e redução tributária. Mas é difícil calcular exatamente quanto dessa movimentação no setor automotivo se deve aos incentivos - e sobretudo à ameaça de aumento de IPI - do Inovar-Auto. O dinamismo do mercado brasileiro atraía atenções antes mesmo da formatação do novo regime, e a concorrência dos carros chineses trazendo de fábrica itens opcionais nas outras montadoras havia sacudido a concorrência estabelecida no Brasil.
Ao usar o IPI como seu principal instrumento para pressionar o setor privado, o governo, porém, reconhece o peso do imposto nas decisões de investimento. Outro reconhecimento do impacto da carga tributária no setor é a repetida prorrogação dos cortes no mesmo IPI, que, desde o ano passado, foi reduzido em 2,5 a 7 pontos percentuais, como forma de estimular as vendas e a atividade no setor automotivo. Na semana passada, no mesmo Salão do Automóvel, a presidente Dilma Rousseff fez questão de se antecipar às reuniões com o setor para informar que a redução do IPI se estenderia até o fim do ano.
Na quinta-feira, a esses argumentos antigos de que a redução do IPI tem ajudado a sustentar as vendas e o emprego no setor, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, acrescentou um outro: a prorrogação foi necessária também para evitar que a volta do IPI aos preços dos carros acelerasse os índices de inflação neste fim de ano. Fica, portanto, a ameaça de pressão inflacionária por motivos tributários programada para janeiro.
A redução do IPI não ocorreu sem impacto na arrecadação desse imposto, que, em setembro, ficou 14% inferior à setembro de 2011, afetada, também, pela redução da atividade das empresas. Mais do que servir de argumento para voltar ao status anterior, porém, a experiência com o setor automotivo deveria alertar as autoridades para a importância de planejar adequadamente uma política de redução gradual da carga tributária sobre a produção e o investimento. O governo já reconheceu que a queda do IPI é um instrumento poderoso com efeitos benéficos para a economia.
Falta reconhecer que essa queda, em vez de pontual e discricionária, deveria ser um elemento fundamental da política pública, dentro de um plano abrangente de redução do volume e da complexidade do sistema tributário nacional.
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