quinta-feira, 29 de novembro de 2012

A presença do Estado


 MARCELO MITERHOF
FOLHA DE SP 


O gasto público cria empregos e dá estabilidade ao capitalismo porque representa demanda efetiva

Na semana passada, reclamei de serviços públicos prestados sem compromisso com a população. A repercussão em comparação com as colunas anteriores foi grande, o que ocorreu em razão da homenagem à menina catarinense Isadora Faber e porque houve uma identificação com as experiências de muita gente que se sente desamparada diante de serviços públicos ruins.

Essa repercussão reforça a principal conclusão do artigo, a de que a validação do Estado de Bem-Estar Social precisa ocorrer na prática. No entanto, a forma de lidar com tal constatação difere conforme as orientações políticas e econômicas.

O liberalismo econômico prega o papel primordial do mercado, instância livre e impessoal que permite a cada um fazer as melhores escolhas possíveis. Em oposição, a atuação do Estado sofre com uma dificuldade intrínseca à tarefa de centralizadamente prever o que é o melhor para as pessoas.

Assim, a atuação do Estado deveria ser reduzida ao indispensável -educação, segurança e, quando muito, saúde e infraestrutura- para permitir que o dinamismo privado faça os negócios se expandirem até o pleno emprego. Esse seria obtido desde que o mercado de trabalho fosse livre, sendo os salários nominais flexíveis, de maneira que seus valores seriam determinados pela interação entre a oferta de mão de obra dada pelos trabalhadores e sua demanda pelas empresas.

A intervenção estatal -estabelecendo salário mínimo, num exemplo extremo, ou cobrando altos impostos- só criaria rigidezes que prejudicam a obtenção do melhor equilíbrio possível, o que é dado pelas condições de oferta: espírito empreendedor, capacitação da mão de obra, disciplina para poupar etc.

Não foi à toa, portanto, que parte das mensagens de apoio que recebi foi de pessoas identificadas com a agenda liberal. Como disse na semana passada, diante de serviços públicos ruins, é difícil tirar-lhes a razão, pelo menos em alguma dose.

Ainda assim, um contraponto é necessário. Keynes foi um dos primeiros a apontar que a teoria econômica convencional erra quando supõe que a flexibilidade nominal dos salários existe no mundo real (ainda bem), o que significa que o pleno emprego não pode ser obtido por ajustes no mercado de trabalho.

A determinação do nível de produção e emprego depende da propensão a consumir e das expectativas dos empresários acerca da demanda futura, que os farão tomar decisões de investimento. Assim, o equilíbrio no pleno emprego não é automático. O espírito inovador do capitalismo colabora para ter boas perspectivas para os negócios. Mas também o Estado é fundamental para o desenvolvimento.

Por exemplo, políticas de distribuição de renda favorecem o crescimento porque as pessoas mais pobres têm uma maior propensão a consumir. O gasto público cria empregos e ajuda a dar estabilidade ao capitalismo porque representa demanda efetiva que impulsiona as expectativas empresariais acerca dos negócios futuros, levando-os a investir e, assim, a aumentar a produtividade, a renda e o emprego.

O Estado é gerador de empregos também no setor privado.

Não existe uma dicotomia entre Estado e mercado como há na teoria convencional. Keynes percebeu que a superação da crise de 1929 foi feita por aumentos dos gastos públicos em obras de infraestrutura, previdência, seguro-desemprego, ampliação das coberturas de saúde e educação etc.

Assim, a discussão sobre o seu papel não passa por reduzir os impostos ou pela dicotomia entre investimentos públicos e gastos correntes. Botar todo mundo numa boa escola, construir hospitais, ter uma polícia eficiente, previdência, pagar bem professores, médicos, enfermeiros, policiais, entre outras coisas, dão robustez à economia. Contudo, haverá diferenças na forma de prestar tais serviços.

A forma de elevar a produtividade do setor público não se dá preferencialmente por reduções de seu custo de atuação, mas sim pelo aumento da qualidade dos serviços prestados. Isso certamente depende de crescimento. Nem por isso a vigilância em torno deles deve ser relaxada, em especial em países que já não são pobres, como o Brasil.

Tal vigilância contribui para validar a atuação do Estado como uma forma de organização coletiva ao menos tão importante quanto o mercado. Essa é uma tarefa crucial para que o país ingresse de vez numa trajetória virtuosa de desenvolvimento.
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