EDITORIAL O GLOBO
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Enquanto a democracia americana (o povo) decidiu não trocar seu líder agora, o Partido Comunista da China faz o contrário. Não é a única diferença entre as duas maiores potências no que toca à sucessão. Nos EUA, o vencedor só foi conhecido após a apuração dos votos. Na China, sabe-se há meses quem sucederá quem.
O presidente Obama ganhou mais quatro anos para tentar cumprir metas não alcançadas, como retomada do crescimento e redução do desemprego. Em Pequim, a mudança é ampla: uma nova geração assume, a quinta desde a Revolução de 1949, com horizonte de dez anos no comando da nação mais populosa e segunda economia do planeta. O 18º Congresso do PCC terminará na quinta. Até lá, o presidente Hu Jintao, de 69 anos, renunciará à chefia do Partido e será substituído por Xi Jinping, de 59. Este só assumirá a presidência em março, na reunião anual do Parlamento, quando Le Keqiang, de 57 anos, receberá o cargo de primeiro-ministro de Wen Jiabao, de 70.
Tudo acontece segundo o script no Grande Salão do Povo. Antes disso, os bastidores pegam fogo. O político em ascensão Bo Xilai foi expurgado porque sua mulher se envolveu num assassinato. Denúncias sobre enriquecimento ilícito da família de Hu surgiram na imprensa ocidental. Os dirigentes que saem lutam furiosamente para manter a influência garantindo altos postos para seus aliados. Desta vez é mais complicado porque eram dois pesos-pesados na batalha: o presidente Hu e o antecessor, Jiang Zemin, de 86 anos, ainda uma força poderosa.
Analistas que conseguem enxergar nesse fog revelam que Le era o preferido de Hu para o comando do PC e a presidência, mas encontrou resistência no grupo de Jiang. A solução de consenso foi Xi, cabendo a Le o segundo posto. Hu e Le são do grupo da Liga da Juventude Comunista. Xi é um "princeling", nome dado aos descendentes dos revolucionários históricos. A nova geração no poder tem tarefas formidáveis. Uma delas é reacelerar o crescimento, que deu um soluço (para os padrões chineses, claro; caiu para 7% ao ano), mas em novas bases, com redução das desigualdades, maior poder aquisitivo interno, criação da previdência social, investimentos ainda maiores em energia limpa e produção de artigos com maior valor agregado, entre outros. Mas o maior desafio será abrir o regime, pois o povo dá mostras de não suportar por muito mais tempo a ditadura do Partido. É inconciliável aumentar o padrão de vida da população, mesmo que em parte dela, e manter um regime político fechado.
O discurso de Hu no Congresso decepcionou os otimistas. Ele elegeu a corrupção como a maior inimiga, reafirmou o dogma do partido único e defendeu a importância das grandes empresas estatais. "Não devemos voltar ao velho caminho, fechado e rígido, nem pegar a estrada diabólica da mudança das bandeiras e dos estandartes", afirmou. Mas este costuma ser o discurso de quem apeia do poder. l
Hu, presidente que sai, elege corrupção como inimiga pública número um. Chineses dão mostras de não suportar por muito tempo mais ditadura de partido único.
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