segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Generosidade invertida


CRISTOVAM BUARQUE
O GLOBO



Vamos gastar bilhões em Copa e Olimpíadas e não adotamos compromisso de investir os royalties do petróleo na educação


O Brasil começa com um gesto de generosidade invertida: civilizar os índios, explorando sua mão de obra e obrigando-os a converter suas almas a uma religião que lhes era estranha. Depois de quatro séculos, o Brasil começou a ser generoso com os escravos africanos: fez a Lei do Ventre Livre. Os filhos de escravos seriam libertos, mas as mães continuavam escravas. Houve a generosidade também com os velhos escravos, quando já não poderiam mais trabalhar.

A Lei Áurea foi outra de nossas generosidades: os escravos já não poderiam ser vendidos, nem obrigados ao trabalho forçado, mas não lhes demos terra para produzir a própria comida, nem escolas a seus filhos.

Mais recentemente, quase no quinto centenário da existência do país, fomos generosos estabelecendo um salário mínimo. Mas tão mínimo que sempre foi insuficiente para cobrir os custos básicos dos serviços e bens essenciais. Para não ficar sem trabalhadores há outra generosidade: o vale-refeição. As famílias ficavam sem comida, mas os trabalhadores recebiam a comida que o salário não permitia.

Durante a escravidão fomos generosos oferecendo “casa” para os escravos: as senzalas fétidas e insalubres. Quando a industrialização pôs os trabalhadores morando distantes do lugar do trabalho, e o salário não permitia pagar passagem de ônibus, oferecemos, generosamente, vale-transporte, mesmo que no fim de semana ele e a família não possam visitar parentes ou passear no centro. Temos sido generosos ao oferecer renúncia fiscal no Imposto de Renda para financiar escolas particulares, inclusive dos filhos de ricos, em um valor superior ao gasto médio anual por criança na escola pública, sobretudo dos filhos de pobres.

Generosamente, oferecemos Bolsa Família, mas não nos comprometemos a emancipar os pobres da necessidade de bolsas. Generosamente, não oferecemos creches e pré-escolas, provocando desespero em milhares de mães que precisam trabalhar, por serem obrigadas a deixar seus filhos com outros filhos ou com vizinhos.

Generosamente, oferecemos também cotas para facilitar o ingresso de jovens negros na universidade, mas não fazemos o esforço necessário para erradicar o analfabetismo que tortura cerca de 11 milhões.

Somos generosos facilitando o endividamento de famílias da classe C para comprar carros a serem pagos em até cem meses, sem IPI, mas não eliminamos impostos sobre a cesta básica, nem melhoramos o transporte público para todas as classes, inclusive D e E.

Nossa generosidade chega ao cúmulo ao gastarmos muitos bilhões de reais para fazer no Brasil as Copas e as Olimpíadas, que nossos pobres vão assistir pela televisão, e não adotamos o compromisso de investir os royalties do petróleo na educação de nossas futuras gerações.

Somos um país coerente, com cinco séculos de generosidade seletiva invertida, ou pervertida.

Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/opiniao/generosidade-invertida-6751548#ixzz2CNVyjA5t
© 1996 - 2012.
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Um comentário:

  1. No Brasil, tudo e piada. A "Tola" mentalidade da Nobreza Europeia e o que prevalesce. A Democracia e Direitos iguais sem distincao de Raca, Condicao Social, Opcao Sexual ou mesmo Aparencia nunca foi ou e observada, principalmente pela Elite.
    Brasil, um Pais onde a classe dominante vive como se tivesse chegado da Europa para enriquecer e voltar ao velho continente com os bolsos cheios. So nao veem que esta e unica "terra/nacao" que lhes cabe.
    Um Pais de faz de conta onde a permissividade sensual e tida como coisa Natural e incentivada aos limites gerando a pouca Nocao Moral e Civica que demonstra a maioria dos Brasileiros.
    Meu avo dizia: "Viva por seus instintos e voce se tornara um Animal sem o perceber. Trate as pessoas como Animais e elas agirao como tal."
    O Velho sempre esteve correto. Morreu Brasileiro, Desildido com o Povo de seu Pais, e resentido por nao ter tido outra opcao a nao ser ter que aceitar a Balburdia Sul Americana por toda sua longa e laboriosa vida.
    O Brasil e uma Piada e os Brasileiros nao passam de Palhacos.
    Triste sina a minha que possuo suficiente inteligencia para discernir o certo do errado e ver o que a maoiria nao ve.
    Triste sina a dos Brasileiros de Bem.

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