quarta-feira, 4 de julho de 2012

Quem comprará biquínis de quem?


ELIO GASPARI
O GLOBO 


Passando por Buenos Aires, a simpática figura do primeiro-ministro chinês Wen Jiabao propôs a negociação de uma zona de livre comércio com o Mercosul. Beleza. O Brasil passará a vender biquínis do tipo fio dental para centenas de milhões de mulheres chinesas. Falso. O Império do Meio exporta mais "fios dentais" que Pindorama.

A proposta de Wen Jiabao atende à política chinesa de expandir suas exportações por meio de acordos de livre comércio. Já firmaram nove, do Chile a Singapura e do Peru ao Paquistão. Atualmente, negociam 28 outros tratados, nos cinco continentes. Para um país que em 2008 perdeu 20 milhões de empregos no setor exportador, nada mais certo. Até que ponto esse movimento será duradouro, não se sabe.

Quando os americanos propuseram uma zona de livre comércio à América Latina, a ideia foi derrubada, com alguma razão, porque nela estaria embutida a destruição da indústria brasileira. Agora a proposta vem da China, com alavanca argentina e a doutora Dilma diz que "em um quadro de crise de caráter agudo como a atual, que parece estender-se por um período longo, é importante que os países como a China e o Mercosul estreitem relações. Para nós, é indiscutível a prioridade que damos à relação com a China".

A subordinação de uma parte do comércio exterior brasileiro ao Mercosul é uma política arriscada, talvez suicida. Os companheiros acabam de admitir a Venezuela, aproveitando-se da cassação do Paraguai. Com isso, numa época de crise, o Brasil junta sua economia à dos dois únicos países do mundo com inflação superior a 25%. Deixando-se de lado a opinião que se tenha de Cristina Kirchner e Hugo Chávez, seus mandarinatos transformaram a Argentina e a Venezuela em encrencas.

O Mercosul já foi uma construção voluntarista. Hoje caminha para ser casa de loucos. Nela, todos desentenderam-se com o Paraguai, e a diplomacia companheira desentendeu-se com o chanceler uruguaio. A proposta da criação da zona de livre comercio com a China, numa videoconferência a partir de Buenos Aires, logo depois de Wen Jiabao ter deixado o Rio de Janeiro, parece ter sido concebida num manicômio. Uma sugestão desse tamanho demandaria ao menos reuniões técnicas preparatórias e, quando os chefes de Estado tivessem que entrar em cena, isso deveria ocorrer em carne e osso, não na telinha.

No ano passado, 81% do valor das exportações brasileiras para a China vieram de minérios, grãos e petróleo. Em pouco mais de dez anos, as exportações de bens industrializados caíram de 58% para menos de 15%. Graças aos chineses os brasileiros compram têxteis e eletrodomésticos baratos, mas nessa relação há uma instabilidade perigosa. Quando a doutora Dilma estudava no Colégio Estadual Central, em Belo Horizonte, estava na moda a "Canção do Subdesenvolvido", de Carlos Lyra. O Grande Satã da época eram os Estados Unidos, e sua letra dizia assim:

"E começaram a nos vender e a nos comprar

Comprar borracha - vender pneu

Comprar madeira - vender navio

Pra nossa vela - vender pavio"

Pequim e Brasília sabem que precisam conversar. Enquanto forem os dois, todo mundo terá a ganhar. Se o Mercosul entrar nessa negociação com seu multilateralismo chavecado, vale repetir Luís Eduardo Magalhães: "Não há a menor chance de dar certo."
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