sábado, 14 de maio de 2011

Pão sem recheio

A quantidade de informações importantes que esse artigo trata deveria estimular debates públicos e abertos em rede de televisão em horário nobre, pegando o cidadão em casa após o trabalho e, de preferência, no lugar da novela.

Os desafios são grandes e o futuro já cobra produção intelectual de qualidade em uma sociedade pródiga em baixa produção de conteúdos de alto valor agregado competitivos para exportação.

Somos, ainda, muito dependentes de exportação de commodities e, principalmente, na área agrícola. Não é suficiente para nos colocar no primeiro mundo e lá nos mantermos.



Pão sem recheio
Luiz Roberto Liza Curi
O Globo 

O censo da educação superior aponta para o não preenchimento de mais de 2 milhões de vagas oferecidas pelas instituições de ensino superior. Na USP, 25% dos estudantes aprovados no vestibular desistiram da vaga! Ocorre que a evasão do vestibulando acompanha a evasão do matriculado. Esta representa cerca de 20% dos já matriculados, ou perto de 897 mil estudantes. Estima-se que o custo da evasão chegue a R$9 bi. 

Nos últimos cinco censos do ensino superior, as disciplinas com maior número de matrículas se mantiveram as mesmas, na seguinte ordem: Administração, que de 2005 a 2009 aumentou em 50% suas matrículas, alcançando 1.102.579 alunos, seguida por Direito (651.730), Pedagogia (573.204), Engenharias (420.578) e Enfermagem (235.804). Juntas, essas disciplinas respondem por cerca de 50% do total das matrículas em ensino superior. 

Nesse ambiente, a "sobra" de vagas não significa que a expansão do ensino superior no Brasil tenha alcançado seu limite. Temos, ainda, menos de 16% da população de 18 a 24 anos matriculada nesse nível de ensino. Perdemos do Paraguai (18%) e da Argentina (48%), passamos longe de Portugal (50%) e não conseguimos divisar a Coreia (78%). 

Isolando fatores como renda e custeio dos estudos (alto até em instituições públicas), o abandono é baseado em desinformação dos cursos em todos os aspectos. É, assim, definido pela baixa percepção do que fazer ou qual será a utilidade do diploma do curso escolhido. Essa opaca percepção, patrocinada, muitas vezes e de muitas formas, pelas próprias instituições, deriva da organização dos currículos que, em geral, são desatualizados e massudos. Arrebatados, quase sempre, por conteúdos desajustados à realidade da evolução da área do conhecimento, proporcionam aos egressos baixa empregabilidade ou dispersão da área de formação. Nas áreas onde a visibilidade da carreira está mais na moda, esses aspectos são, digamos, subjugados. Nas outras, a ausência de informação pesa no tempo e no dinheiro a ser investido. 

Mais importante do que discutir as influências familiares sobre a escolha da carreira, ou se debruçar em temas de inclusão, que estão sendo trabalhados pelo MEC em níveis crescentes de abrangência, seria debater a qualidade e a contextualidade dos currículos, conteúdos e incentivos institucionais ao aprendizado dos estudantes. 

Questões para esse debate não faltam. Qual o tempo ou os meios que uma instituição de ensino superior dedica em organização de estratégias de formação, ou em avaliação de suas estruturas curriculares, dos correspondentes conteúdos e do aprendizado de seus alunos? Qual a representação desse esforço nos resultados de suas avaliações externas? Qual é a consideração que se tem pelo acompanhamento do sucesso de seus egressos? 

Não é possível esperar mais. É necessário que nossas instituições de ensino superior deem um choque na gestão do conhecimento. É necessário inovar o processo e a organização de currículos e conteúdos se quisermos atrair alunos pela perspectiva do êxito do diploma e não da matrícula. Essa é uma tarefa das instituições de ensino que devem buscar, na sociedade, o apoio da comunidade científica, do governo, dos empresários, etc... 

Não se resolve o problema da expansão do ensino superior criando novas vagas em estruturas antigas. Não se resolve o problema da evasão criando circunstâncias favoráveis à inclusão no ensino superior. Não se pode convencer um estudante a investir seu futuro sem as informações consistentes acerca da carreira. Não se pode organizar um curso que não leve em consideração a produção intelectual de seus alunos, que desconsidere temas como inovação tecnológica ou desenvolvimento social. 

É possível encontrar tanto fonoaudiólogos de sucesso como advogados fracassados. É necessário aos currículos abordarem conteúdos associando seus alunos às atitudes e habilidades relevantes ao exercício contemporâneo da sua profissão. Enfim, não é possível determinar o futuro sem que o processo de formação esteja associado a ele e não ao passado. É o desespero da freguesia que, assustada, foge da excêntrica diferença de preço entre os pãezinhos sem recheio. 
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