domingo, 26 de maio de 2019

O salto de produtividade do setor agrícola

- CELSO MING  O Estado de S.Paulo - 10/05

As principais instituições encarregadas de prever as safras começaram o ano com projeções de queda de crescimento. O fator adverso foram as más condições climáticas, especialmente a falta de chuvas na temporada da semeadura de primavera.

Mas, ao contrário do que aconteceu com o resto do PIB, cujas previsões começaram o ano bombando e agora despencaram, as novas projeções da agricultura são altamente promissoras. A Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), por exemplo, estima que a safra de grãos desta temporada alcance 236,7 milhões de toneladas, 4% superior à do ano anterior. Enquanto isso, o IBGE aponta 231,5 milhões de toneladas, crescimento de 2,2%.

Para efeito do PIB, o resultado será mais modesto pelo efeito preço. PIB é renda; renda e preço mais baixos implicam impacto negativo no PIB. Feitos os cálculos em dólares com os preços dos dois principais produtos agrícolas, nos cinco primeiros meses do ano, a soja perdeu 11,8% e o milho, 9,5%.

O fator mais impressionante na notável evolução do agronegócio no Brasil dos últimos anos não é o aumento da produção, mas o rendimento físico, ou seja, o aumento da produtividade por área plantada. Entre as safras de 2003/04 e as de 2018/19, a produção de grãos no Brasil aumentou 98,7%, enquanto a área plantada aumentou apenas 32,5%. A produtividade assim medida avançou 94,7%.

Como no futebol, em que não é apenas quem empurra a bola para dentro do gol que produz a vitória, também na área agrícola há muitos fatores que contribuem para o avanço da produtividade.

Aí é preciso levar em conta o impressionante aumento do mercado externo de consumo, especialmente na Ásia e, em particular, na China. Não houvesse a explosão das classes médias asiáticas e a busca por alimentos de qualidade, o agronegócio no Brasil provavelmente teria ficado relativamente estagnado. Outros produtores mundiais também tiraram proveito da renovada gênesis asiática, mas nenhum deles como o Brasil. E aí entram os fatores positivos próprios, a começar pela alta disponibilidade de terras.

Houve os resultados de tantos institutos de estudo e pesquisa que puxaram pela modernização. E houve o largo emprego de tecnologia de ponta que abrange enorme campo de atividades, desde as novas técnicas de preparo e manejo do solo, o largo emprego de sementes geneticamente modificadas até o uso de equipamentos de última geração, como tratores e colheitadeiras de condução automática e o emprego de drones para o controle de pragas ou da adubação correta. De uns anos para cá, boa parte das novas áreas de plantio proveio de simples incorporação de pastagens degradadas – e não de desmatamento.

No entanto, o que mais mudou foi a cabeça do produtor. Até há alguns anos, o agricultor brasileiro era um chorão inveterado. Queixava-se das condições do tempo, do governo que o ignorava, do preço alto demais dos insumos, da falta de crédito e da baixa qualidade da mão de obra. Mas, à parte o poder de lobby, que aumentou muito, ele se modernizou, tomou conhecimento das novas tecnologias à sua disposição e passou a empregá-las. Tratou de enfrentar as agruras de sempre não mais com lamúrias, mas como problemas a resolver. Essa mudança de atitude não tem preço e passou a dar frutos, nem sempre imediatamente reconhecidos. A esperança é que essa atitude modernizadora também se estenda para empresários de outros setores.

Infelizmente, não é esse estado de espírito que comanda a maior parte das lideranças industriais do País que seguem compensando a baixa competitividade das empresas com pressões junto do governo por mais pacotes de bondades de curto prazo.



Até tu, BNDES?

 - J.R. GUZZO
REVISTA EXAME, Edição 1185

O banco a serviço da pátria é apenas a corrupção do PT vestida de gravata, com cartaz na Unicamp e conhecedora de menus em restaurantes de Nova York

Durante os treze anos e meio dos governos de Lula e Dilma Rousseff o BNDES funcionou como uma sociedade de ladrões. Ah, não diga - e daí? Alguma coisa localizada a menos de 5.000 quilômetros do Palácio do Planalto, da Esplanada dos Ministérios e dos seus puxadinhos deixou de ser roubada por gente do governo durante esse período? Uma ou outra, é verdade, pois não dá para roubar tudo, de todos, em todos os lugares e ao mesmo tempo. É fato provado e contra-provado, em todo caso, que muito pouco escapou do arrastão - e, assim sendo, qual a novidade de que o BNDES tenha sido um dos “pontos” do crime em escala nacional nos governos petistas? (Assim como traficantes de droga têm “pontos”, ladrões do erário público também contam com os seus; é um fato sabido.) A rigor, não há novidade nenhuma. Mas o BNDES, pelo menos, tinha pose de coisa séria, com o seu “corpo técnico”, suas regras de compliance, suas obras de arte nas paredes da sede etc.; deveria disfarçar melhor a ladroagem desvairada que rolou ali durante mais de dez anos seguidos. Só que, no fim das contas, o que se vê é que o banco de desenvolvimento social sagrado para os economistas de esquerda foi tão grosseiro nas atividades gerais da corrupção quanto a maioria dos seus pares.

Até tu, BNDES? Sim, até tu. No embalo Lula-Dilma, o pessoal esqueceu de prestar atenção às exigências mínimas de decoro na roubalheira - algo a se prever, francamente, numa repartição pública de 2.000 funcionários, cheia de gente com mestrado em universidade, elogiada por um Prêmio Nobel de Economia (foi só Joseph Stiglitz, é verdade, mas o homem é Premio Nobel assim mesmo) e produtora regular de monografias incompreensíveis em qualquer língua. Em resumo: o banco a serviço da pátria é apenas a corrupção do PT vestida de gravata, com cartaz na Unicamp e conhecedora de menus em restaurantes de Nova York. Seu alto comando não é diferente de um Antônio Palocci, um Sérgio Cabral, um Geddel Vieira Lima e tantas outras estrelas inesquecíveis que o Brasil deve ao gênio político do ex-presidente Lula. É certo que existe, do ponto de vista legal, uma diferença fundamental entre essa turma e o ex-presidente do BNDES, Luciano Coutinho: ele até agora não foi condenado na Justiça. Está indiciado em diversos inquéritos criminais na Polícia Federal, foi proibido de exercer qualquer cargo público por seis anos e sofre um bloqueio em seus bens pessoais superior a 600 milhões de reais, mas continua livre da cadeia. Fora isso, Coutinho não parece ter nada em seu favor.

Basicamente, o problema de Coutinho é o seguinte: ele emprestou dinheiro público a gente que jamais teve a intenção de pagar um único centavo da dívida assumida, como qualquer criança com 10 anos de idade poderia prever. Só de Cuba, Venezuela e Moçambique, tomou um calote superior a 2,3 bilhões de reais. Deu dinheiro brasileiro, que o BNDES tem obrigação de utilizar em desenvolvimento no Brasil, para governos estrangeiros que estão entre os mais vigaristas do planeta, como os citados acima. Gostava de emprestar, com juros mínimos e prazos máximos, a países com grau 7 de risco, o extremo do extremo. (Pior que isso não fica; não existe o grau 8.) Deu empréstimo a quem Lula mandou que desse - segundo o ministro Paulo Guedes, financiou 300.000 caminhões para motoristas sem fretes, sem clientes e sem dinheiro para recauchutar um pneu. Deu dinheiro para Marcelo Odebrecht - sim, Marcelo Odebrecht. Precisa dizer mais alguma coisa? Sua coleção também inclui Eike Batista, o Friboi, a incomparável Sete Brasil - só ela, sozinha, levou 10 bilhões de reais. Tudo com “o aval do Jurídico”, é claro.

Seu desempenho na CPI que apura a “caixa preta” do BNDES foi uma coisa triste. Em pânico diante das perguntas, repetia, automaticamente, “não lembro”, “não sei”, “não posso dizer”. Pois é. CPIs, no Brasil, não costumam dar em nada. Caixas-pretas, ao contrário, tem o dom divino de continuar pretas para sempre. Homem de sorte, esse Coutinho.

“Vivemos em uma pororoca”

- BOLÍVAR LAMOUNIER
REVISTA EXAME, edição 1185

Para o analista político Bolívar Lamounier, o Brasil precisa inovar radicalmente em áreas como educação para romper um ciclo de crescimento medíocre

Por José Roberto Caetano, Eduardo F. Filho


Um dos analistas políticos mais respeitados do país, o sociólogo Bolívar Lamounier teme que o governo do presidente Jair Bolsonaro seja fraco demais para empreender mudanças radicais no cenário brasileiro. “Se Bolsonaro continuar do jeito que está, sem ousadia, vamos perder mais dez anos.” Um dos principais focos de sua preocupação é a educação, que exigiria uma profunda revolução. Bolívar avalia que tudo poderia estar bem pior, caso o PT continuasse no poder, e ressalta como pontos fortes da nova administração o plano econômico e a segurança, mas não poupa o governo atual. “Estamos sujeitos a uma sucessão de pororocas, de forças desorganizadas se debatendo uma contra a outra”, diz. Lamounier recebeu a reportagem de EXAME em sua casa, na zona oeste de São Paulo, para a entrevista a seguir.

Qual é a avaliação do senhor sobre o andamento do governo Jair Bolsonaro?
O governo Bolsonaro é um problema, mas, comparado ao que seria com o PT no poder por mais oito anos, ele se transforma na solução. O governo está no rumo certo quanto à reforma da Previdência. Está acertando também na questão das medidas de segurança do ministro Sergio Moro. Agora, no resto deixa muito a desejar. O ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, fala demais e nem sempre de forma adequada. Mas, na minha opinião, a falha mais grave de todas é na educação. No Brasil, a educação tem de ser uma prioridade. Mas, quando digo prioridade, eu estou falando de colocar ideias totalmente novas. Não é de uma reforma que o sistema educacional necessita, é de uma verdadeira revolução. É preciso virar a educação de cabeça para baixo.

O senhor acredita que o novo ministro da Educação, Abraham Weintraub, fará uma reformulação na pasta?
Nenhum dos dois ministros, nem o novo nem o antigo, tem a mais remota ideia do que é a educação. Isso é uma coisa estranha, porque é uma área em que o Brasil tem excelentes quadros. Temos vários especialistas, como Claudio Moura Castro e Simon Schwartzman, vários. Se os ministros ouvissem, pelo menos, os especialistas de fora, já ajudaria bastante. Mas eles são fracos, influenciados pelos evangélicos e pelo guru da Virgínia [Olavo de Carvalho]. Então, essa é uma área parada e, até agora, sem nenhuma perspectiva de melhorar. Mesmo que a reforma da Previdência passe, daqui a três anos teremos de fazer outra com uma perspectiva pior. Há um número decrescente de jovens, com um nível educacional muito pior do que o de dez anos atrás, sustentando uma quantidade crescente de idosos. Essa juventude não está preparada para uma revolução tecnológica, de que o Brasil nem passa perto, e terá dificuldade para arrumar emprego.

Como o senhor acha que podemos mudar esse rumo?
Precisamos fazer reformas drásticas e rápidas se quisermos chegar daqui a 15 ou 20 anos a um nível aceitável. Viramos a oitava economia do mundo pela simples incorporação de mão de obra à economia. Era gente que vinha do campo para a indústria e para o setor de serviços com um nível muito baixo de produtividade. Hoje, nossa renda média anual por habitante é de 11?500 dólares, o que é absolutamente medíocre. É a metade da renda de Portugal. Para alcançar o nível dos portugueses, com a economia crescendo de 2% a 2,5% ao ano, levaríamos 35 anos. E estamos há dois anos com um crescimento de pouco mais de 1%. Esse é o cenário de um país em um nível de conflito, de desorganização, absolutamente intolerável.

A equipe liberal do governo não poderia nos mover a um caminho um pouco melhor do que esse?
Sem dúvida. Tenho uma visão pessimista do governo, mas o fato de termos adotado uma linha liberal ajuda muito. Agora, o governo precisa ter um discurso mais coerente. Eles têm de conversar mais entre si. O secretário da Receita diz que haverá um megaimposto, aí vem o presidente e diz que não vai ter imposto e, em seguida, aparece o presidente da Câmara dizendo que imposto nenhum passa. Como que ficamos? Ninguém sabe.

O que o senhor achou do anúncio do ministro da Educação de reduzir os gastos com os cursos de ciências humanas?
Em abstrato, eu concordaria com ele. O Japão fez isso. Mas, no momento em que o governo está pastando para aprovar medidas no Congresso, isso é uma receita para tirar a esquerda da preguiça e trazê-la ao grevismo. O governo dá pretexto para colocar um fato conflituoso num cenário em que precisamos baixar a bola, negociar e aprovar as coisas. Não podia haver hora pior para falar em corte desses gastos.

Mas precisa cortar gastos em algum lugar…
Por que também não reduzir o número de cursos de direito? Segundo a Ordem dos Advogados do Brasil, existem mais de 1,2 milhão de advogados no país, fazendo do Brasil um dos países que mais têm advogados no mundo. Vamos tirar gastos das áreas que já estão excessivamente supridas e levar para aquelas que não estão e que são prioritárias. No episódio das ciências humanas, há uma provocação ideológica descabida que só vai desencadear uma reação contrária. Eles vão reativar a esquerda dinossáurica deste país.

O debate público está muito dominado pela agenda de costumes? 
A última coisa em que um governo fraco com uma agenda pesada deveria se meter é na pauta de costumes. Ela é da sociedade. Na melhor das hipóteses, se você tiver bons partidos e um bom Congresso, faz um plebiscito e muda alguma coisa. Na situação em que estamos, com dificuldade para aprovar uma minirreforma da Previdência, o governo não pode se meter em agenda de costumes. É um negócio conflituoso. São os valores das pessoas. Qualquer coisa falada acaba ofendendo alguém. É sexo, aborto, tudo isso é nitroglicerina. É um governo que não tem cacife para governar, que não tem coordenação e que não discute nada internamente porque não sabe o que o outro pensa, pois ouve vozes contraditórias a todo o tempo.

Como avalia a ala militar no governo?
Os militares têm a cabeça muito mais no lugar do que os civis. Eles se comportam com seriedade. Agora, quando se colocam 15 generais no Executivo, dá a impressão que este é um governo militarizado. Não é verdade, mas é essa a imagem que se tem do Brasil no exterior atualmente.


O senhor não vê o Brasil prosperar num futuro próximo. Qual foi nosso erro?
O grande problema do Brasil, ao contrário do que se dizia ao criticar as “elites”, é a ausência de uma elite. Elite não é a cúpula da administração pública, da burocracia estatal ou dos militares. Elites são lideranças fora do Estado capazes de se contrapor a ele. Nossa elite é minúscula, em termos reais, fraca, desorganizada e mal informada. Após um longo período de crescimento baseado na exportação de commodities e produtos básicos para a China, a indústria enfraqueceu. Ficou mais atrasada tecnologicamente. O exterior avançou extraordinariamente. Então, até chegarmos ao ponto de equilíbrio e passarmos a ter alguma elite, nós estamos falando de décadas. Ou seja, o Brasil, da maneira que se encontra, está fadado a um abismo.

Qual é o balanço da eleição de 2018?
Foi uma pororoca de duas forças desorganizadas. De um lado, estava Bolsonaro. Do outro, o mito do ex-presidente Lula. Sem Lula, Fernando Haddad não teria nem dois votos. Eram duas figuras carismáticas se enfrentando, tendo votações inacreditavelmente altas, porque não temos nem partidos nem elites. Somos hoje um país sem espinha dorsal. O Brasil não sairá dessa armadilha se não fizer uma reforma política drástica. Não é uma reforminha, precisamos de outro sistema. Estamos sujeitos a uma sucessão de pororocas, de forças desorganizadas se debatendo uma contra a outra. Vivemos em uma pororoca.

O senhor vê o governo passar mais três anos e meio no quadro atual?
A continuidade depende de dois fatores. O governo precisa ter, no mínimo, êxito na economia, passando a Previdência. Se um pouco do capital internacional, mesmo com as dificuldades, vier para a infraestrutura, esse será um fator de estabilidade. O outro é que ninguém tem força para dar um golpe em ninguém.

O senhor parece muito pessimista…
Sou moderadamente otimista, porque acho que, com mais oito anos de PT, o jeito seria arranjar um passaporte e mudar para Portugal. Se nem quando o país crescia a 7% ao ano, no fim do governo Lula, não conseguiram fazer nada, não seria agora que fariam. Mas precisamos botar na mesa uma discussão séria para os próximos 20 anos e, dessa maneira, ajudar o governo a se nortear, senão a coisa vai ficar feia. Vamos ficar perdidos durante um bom tempo, de pororoca em pororoca. Se Bolsonaro continuar do jeito que está, sem ousadia, vamos perder mais dez anos.

Por que a regulamentação econômica pode ser muito ruim para a sociedade?

 - OG LEME  INSTITUTO LIBERAL


Regulação ou regulamentação significa imposição de regras, normas ou leis. Ela se dá, então, por via legislativa ou administrativa. Desregulamentação corresponde à redução ou eliminação das normas existentes. No caso brasileiro, propor uma redução das regras vigentes equivale a reconhecer que elas superabundam entre nós, aumentando desnecessariamente os custos de transação, engessando os mercados, deformando a estrutura de estímulos e desestímulos para produzir, desalentando a iniciativa privada, comprometendo a eficiência média da economia e, consequentemente, o bem-estar material dos brasileiros.

É sabido que não há possibilidade de vida grupal ou social sem um conjunto de regras de conduta, sejam elas formais ou informais. Trata-se de um fato de validade universal, independente da história, geografia, etnia, cultura e do nível de renda. Ele se impõe entre virtuosos e pecadores, valem tanto para o Exército da Salvação como para qualquer “máfia” ou grupo de detentos.

É igualmente sabido que qualquer tipo de ordem concebida como conjunto de normas de conduta é melhor do que a anomia, isto é, a ausência de normas. Mas é forçoso reconhecer que alguns tipos de ordem social podem ser melhores que outros, especialmente se o critério de avaliação se baseia não apenas na sobrevivência do grupo ou país, mas também na sua capacidade de oferecer a seus membros melhores condições de vida e maior longevidade. Critério de avaliação equivalente é o da capacidade que tem essa ordem social de ensejar aos membros da comunidade “a busca individual, em segurança, da felicidade”. É equivalente porque são exatamente as sociedades propiciadoras dessa condição as que caminham no rumo da prosperidade. Não se trata de hipótese ou ato de fé, mas de realidade histórica fundamentada em evidência empírica.

Conforme se disse antes, não há possibilidade de vida grupal num vácuo normativo (estado de anomia). Mas tampouco há sobrevivência social satisfatória com excesso de regulação. Da mesma forma que a vida individual necessita de de água para sobreviver, mas também pode acabar por excesso dela, a sobrevivência social se torna precária com excessos regulatórios que entorpecem e degradam a ação humana.

Deve haver, então, um grau ótimo de ordenamento que, além de assegurar a sobrevivência social, possa oferecer às pessoas as melhores condições possíveis de vida. A história nos tem ensinado que esse ponto ideal é encontrado quando o governo e sua contrapartida, o processo político de decisões coletivas, se limitam a fazer aquilo que o mercado e sua contrapartida, o processo de decisões individuais, não são capazes de fazer a custos sociais suportáveis.

Num país onde os problemas econômicos são em sua grande maioria solucionados pelo mercado, caberia ao governo apenas algumas importantíssimas tarefas: administrar a lei, manter a ordem pública, zelar pela segurança, desempenhar funções diplomáticas e cuidar dos problemas envolvendo externalidades e bens públicos. Nos casos de externalidades e bens públicos, há diferenças entre custos e benefícios sociais e individuais, de maneira que, deixados a cargo do mercado, há a possibilidade de haver menos oferta de certas coisas do que o desejável (por exemplo, saúde pública e segurança) e mais de outras (por exemplo, poluição).

Essa divisão de atribuições entre o mercado e o setor público pode ainda ser ampliada a favor do segundo, quando os direitos de propriedade não são bem definidos ou eficazes e quando são elevados os custos de transação. Em tais casos pode haver razão para a regulação pública, desde que exercida com sensatez e sabedoria, porque ela é uma agressão aos direitos de propriedade e onera os custos de transação. É preciso muito cuidado, portanto, para que o remédio não se transforme em veneno.

Os custos de transação são o valor que excede o preço do bem ou serviço comprado, representado pelo que se gasta na obtenção de informações sobre a coisa transacioniada, dos recursos consumidos na negociação entre as partes envolvidas na transação e, finalmente, no custo de tornar os contratos efetivos.

Isso é o que diz a teoria econômica fundamentada na razão e nos fatos. Mas nem sempre os seres humanos agem de acordo com as boas lições da economia. Se em boa parte do século XIX a economia mundial se aproximou do bom receituário de Adam Smith, fundamentado pela responsável liberdade dos agentes econômicos e no livre intercâmbio das nações, a maior parte do século XX sucumbiu ao estatismo, ao intervencionismo governamental, à substituição do mercado pelo arbítrio dos detentores dos poderes coercitivos do Estado. Mas antes que o século e o milênio terminassem, ruíram várias das desastrosas experiências no campo da engenharia social (o construtivismo de Hayek) com o frcasso do nazismo, do fascismo e do comunismo.

Não obstante, continua de pé a advertência do Prêmio Nobel James Buchanan: “o socialismo morreu, mas o espírito do Leviatã continua vivo”. Isso significa não mais a substituição completa do mercado pelo planejamento central, não mais a substituição da propriedade privada e da economia de mercado, mas as duas instituições passam a ser “orientadas” ou “conduzidas” pelo governo, por meio de vários tipos de instrumentos, entre os quais os da regulação econômica. A regulação econômica é uma das formas mais sub-reptícias e insidiosas de agressão à propriedade privada: finge-se manter a propriedade privada, mas os titulares desses direitos são obrigados por força da lei ou de decreto a usar seus ativos de acordo com a vontade das autoridades.

A justificativa para esse tipo de violência não varia muito: a correção de “falhas de mercado” (como se o governo não as tivesse e em grau maior), proteção ao meio ambiente e às espécies em extinção, proteção aos menos possuídos (empregados e mulheres), redistribuição de rendas, incentivo ao crescimento econômico etc. Parte dessa onda intervencionista é baseada em boas intenções, parte é apenas demagogia.

É oportuno citar um exemplo de uma boa intenção desastrada. No final da década de 1980, os ativistas do ambientalismo estavam procurando convencer as autoridades responsáveis pelo suprimento de água do risco de carcinomas produzidos pelo uso do cloro. Na época, as autoridades peruanas, que se viam às voltas com uma crise orçamentária, aproveitaram-se da ideia de acortar a despesa com o uso do cloro na água para evitar o mal maior do câncer e, assim, contornar uma crise financeira. A desastrada decisão contribuiu para a disseminação acelerada da cólera na América Latina nos anos 1991-1996, causando a contaminação de 1,3 milhão de pessoas e a morte de 11 mil. O relato dessa custosa ocorrência está num artigo de H.I. Miller e G. Cronko, “The Perils of Prevention”.

Provavelmente estão cheias de boas intenções as pessoas que defendem o salário mínimo e procuram “proteger” o trabalho feminino. Isso não basta, porém, para evitar que o salário mínimo prejudique o trabalhador menos qualificado (exatamente o mais carente) nos tempos de crise; ou para impedir a discriminação contra a mão de obra feminina que resulta do seu encarecimento que a suposta “proteção” produz.

As bem intencionadas tentativas nos Estados Unidos de melhorar a segurança dos motoristas com regulamentos que obrigavam as montadoras a adotar uma série de inovações acabaram encarecendo os automóveis. Com preços mais altos, os usuários passaram a estender o prazo de renovação de seus carros, com o consequente envelhecimento da frota. Carros mais velhos equivalem a mais poluição atmosférica, que foi a triste consequência de mais uma boa intenção.

As experiências com regulamentação para impedir a extinção de espécies animais têm sito mal-sucedidas, especialmente quando esses animais são de propriedade comum. Os países africanos que admitem a propriedade privada de elefantes e dão eficácia a esse direito têm visto seu estoque de elefantes crescer. Os países em que a propriedade de elefantes é comum não têm conseguido frear a queda do estoque desses animais na base da regulação.

A existência de direito eficaz de propriedade é fundamental no caso de externalidades, de preservçaão ambiental e de manutenção de espécies animais. Nos Estados Unidos, houve praticamente extinção dos búfalos, que eram propriedade comum; houve, por outro lado, generosa expansão do rebanho bovino, que é de propriedade privada. Estão universalmente ameaçadas de extinção as baleias e as tartarugas, de propriedade comum; continuam, crescendo os estoques de galinhas e perus, de propriedade privada.

Mas há regulamentos gerados por boas intenções e que eventualmente dão certo, por assim dizer. Mesmo quando a regulação parece haver atingido seus objetivos, seu custo social pode ser altíssimo se resultar em excesso burocrático e elevação dos cursos de transação. O economista peruano Hernando de Soto publicou um livro (El Otro Sendero) há alguns anos que se tornou mundialmente famoso pela percuciente análise que faz da economia informal no Peru. O autor mostra, por exemplo, que para a obtenção de um alvará para o funcionamento de uma fabriqueta de roupas de “fundo de quintal” são necessários quase 300 dias naquele país. Esse alvará pode ser obtido em 3 dias em, por exemplo, Tampa, na Flórida (EUA).

O sistema tributário brasileiro já foi chamado de “manicômio tributário” pelo falecido jurista Alfredo Augusto Becker. Desde a sua morte, a situação piorou: hoje, temos mais de 60 tributos regulamentados por uns 6 mil diplomas legais, conforme estudo recente do jurista Cândido Prunes, a ser publicado na revista Think Tank.

Talvez o setor da economia brasileira mais seriamente afetado por uma regulação exorbitante e insensata seja o do mercado de trabalho, poluído por pseudodireitos, mutilado na sua flexibilidade e tornado artificial e desnecessariamente dispendioso, a ponto de onerar em mais de 100% as folhas de pagamentos com benefícios trabalhistas. Um dos resultados é a perda da competitividade dos produtos brasileiros no mercado mundial.

O espaço disponível não comporta mais exemplo, mas os citados bastam para ilustrar os problemas criados por uma regulamentação exagerada:

1 – Engessamento ou perda de competitividade dos mercados;

2 – Deformação do sistema de preços e da cadeia de estímulos e desestímulos, com a consequente perda de eficiência econômica;

3 – Entorpecimento da iniciativa empresarial;

4 – Estímulo à corrupção devido ao aumento dos poderes da burocracia e do próprio processo político;

5 – Expansão da economia informal;

6 – Aumento dos custos de transação (o chamado ‘custo Brasil’);

7 – Comprometimento da capacidade de competir no mercado mundial;

8 – Agressões continuadas a direitos de propriedade;

9 – Degradação da ética (dos ‘bons costumes’) pela prática do “jeitinho” e da corrupção decorrentes das necessidades de driblar as dificuldades criadas pelos regulamentos;

10 – Institucionalização do cinismo, juntamente com a degradação das instituições.

Essa relação que envolve custos econômicos morais e institucionais não esgota provavelmente a capacidade deletéria da regulação exacerbada, mas certamente é suficiente para convidar-nos, a nós brasileiros, a pensar seriamente na revisão saneadora dos regulamentos vigentes. Leva-nos a considerar seriamente a urgente necessidade de desregulamentar a nossa vida social e econômica. Desregulamentar não significa obviamente a pura e simples eliminação dos regulamentos atuais, mas a sua adequação a um processo econômico do mercado que dependa do setor público apenas para as tarefas em que as decisões privadas individuais se mostram inapropriadas.

Artigo retirado do livro de crônicas Og Leme, um liberal, editado pelo Instituto Liberal em 2011.

Atualidade de relembranças

- PEDRO MALAN   O Estado de S.Paulo - 12/05

A democracia moderna precisa de serenidade para enfrentar seus desafios de forma eficaz


Em 9/11/2003 publiquei neste espaço artigo intitulado Dois livros e um discurso. Os livros eram O Elogio da Serenidade, de Norberto Bobbio, bela defesa dessa virtude tida como não política, “virtude fraca, mas não dos fracos”; e Insultos Impressos, de Isabel Lustosa, excelente trabalho sobre os primeiros anos de nossa imprensa à época da independência. O discurso, por sua vez, era do então deputado Fernando Gabeira, pronunciado no Congresso por ocasião de seu desligamento voluntário do PT, que teve como chamada Sonhei o sonho errado.

Passados 15 anos, volto aos dois livros por razões que espero possam atrair o interesse do leitor que acompanha a falta de serenidade e o nível de agressividade de nossas polarizadas redes sociais, bem como as baixarias dos insultos que ali imperam. Estão a nos faltar mais da serenidade de um Fernando Gabeira e menos do linguajar das redes sociais.

À época, escrevi que acreditava, ou esperava, que ofensas pessoais (ou insultos impressos) gratuitas e inconsequentes tendessem a perder peso relativo no debate em favor de substância, conteúdo e respeito aos fatos – ainda que nunca desaparecessem por completo, porque não existe política sem emoção. Que acreditava, ou esperava, que a serenidade, como postura, atitude, tenderia gradualmente a ser vista como imprescindível e reconhecida virtude – inclusive política. Que acreditava, ou esperava, que o aprofundamento do discurso sobre “sonhar sonhos errados”, estimulado por Gabeira, pudesse ter implicações para o debate político e econômico dos três anos que se seguiriam. E julgava, sim, como julgo hoje, que os temas dos dois livros e do discurso estavam ligados. Por isso a eles volto.

Em Insultos Impressos, Isabel Lustosa nota três circunstâncias daquele momento histórico que fizeram o debate alcançar surpreendentes níveis de violência: “A situação de instabilidade e indefinição política que o país vivia; (...) a democratização do prelo, trazendo para a forma impressa elementos de oralidade no que tinha de mais popular e coloquial; a emergência de quadros da elite brasileira sem hábitos de vida pública anterior que, a partir de sua inserção no debate político, trouxeram para o espaço público, por meio da palavra impressa, atitudes da vida privada”. Como nota a autora, “cada um escrevia e assinava o que bem entendia (...) um processo de liberalização política sem precedentes em nossa história”.

A autora registra que notável orador religioso tinha por hábito anotar nas margens dos textos de seus sermões a serem lidos lembretes do tipo: “Aqui, elevar a voz porque o argumento é fraco”. Não só decibéis mais altos podem compensar a falta de substância. Ofensas pessoais também podem fazê-lo. Assim como críticas genéricas a “tudo isso que aí estava” também podem expressar dificuldades de reconhecer e enfrentar, na prática, com serenidade e determinação, olhando à frente, os inúmeros e inegáveis problemas do presente e do futuro – obrigação de qualquer governo. Particularmente daqueles que tanto se empenharam em estimular sonhos, esperanças e expectativas de rápidas e profundas mudanças.

Aqui entra o “sonhar o sonho errado” de Gabeira. Todos os jornais registraram sua primeira explicação: “Confiei que poderíamos fazer tudo aquilo que prometíamos rapidamente, num período de quatro anos ou imediatamente”. Mas o que Gabeira escreveu a seguir não mereceu, surpreendentemente, tanta atenção: “O sonho foi pior ainda, foi confiar que era possível transformar o Brasil a partir do Estado, quando o dinamismo se encontra na sociedade”.

A primeira explicação de Gabeira tem mais que ver com a velocidade esperada de realização do sonho no tempo. Afinal, a arte da política – ou melhor, do exercício do poder – é começar a fazer o necessário e continuar a trabalhar para tornar possível amanhã aquilo que parece difícil ou mesmo impossível hoje. Sua segunda explicação é, a meu ver, mais relevante e tem por trás a outra visão clássica sobre o poder, que Maquiavel imortalizou como a arte de conquistar, preservar, consolidar e ampliar o poder do Estado. Não como fim em si mesmo, mas para, “a partir do Estado”, realizar “grandes coisas” (a expressão é do próprio), que é o mesmo que realizar grandes sonhos.

Enquanto uma sociedade dinâmica, complexa, heterogênea e desigual, acreditando pouco em si própria, achar que só é possível realizar “grandes coisas” – como, por exemplo, o desenvolvimento econômico e social – fundamentalmente a partir do aparelhamento do Estado, permanecerão vivos entre nós traços de três fenômenos nefastos de nosso passado: o messianismo salvacionista, o voluntarismo explícito e o autoritarismo exercido em nome do povo. Os três incompatíveis com um republicano Estado Democrático de Direito.

Uma democracia moderna precisa, tanto na sociedade quanto no governo, de serenidade para enfrentar seus inúmeros desafios de forma eficaz. A serenidade é uma postura, uma atitude em relação aos outros e às coisas – incluídas as que se deseja transformar. Sem usar a palavra serenidade, Bobbio definiu uma vez o que chamou de maior lição da sua vida: “Respeitar as ideias alheias, deter-se diante do segredo de cada consciência, compreender antes de discutir, discutir antes de condenar. E rejeitar todo tipo de fanatismo”.

Se conseguirmos, como parte de um processo de melhoria da qualidade do debate público informado, reduzir o peso relativo dos insultos digitais (em favor do conteúdo da discussão), valorizar mais a serenidade e a prudência-com-propósito como virtudes políticas e aprofundar mais a discussão sobre sonhar sonhos errados e sobre sua realização “a partir do Estado” ou “a partir do dinamismo da sociedade” (um falso dilema), estaremos contribuindo para continuar mudando, para melhor, um país complexo e difícil como o nosso. Ou, pelo menos, sonhando sonhos certos, o que deveria incluir, seguramente, não ter ilusões sobre as dificuldades de realizá-los.

Economista, foi ministro da fazenda no governo FHC.


O futuro da Europa em xeque

*Maria Clara R. M. do Prado: 
- Valor Econômico

Pesquisas têm revelado a expansão dos partidos eurocéticos, populistas e radicais de direita na preferência do eleitor

Em trajetória por diferentes cidades europeias, o filósofo francês Bernard-Henri Levy, trasvestido de "one man show", encenou a peça-monólogo de sua autoria "Looking for Europe" (Procurando pela Europa), entre os meses de março e maio. Em quase duas horas de espetáculo, um delirante personagem vocifera um texto solto, repleto de citações desamarradas, caminhando de um lado para outro, com um constante movimento de braços a marcar o ritmo da fala.

Considerações críticas ao espetáculo à parte, a romaria de Bernard-Henri, que começou em Milão e incluiu Barcelona, Atenas, Kiev, Budapeste, Gdansk, Berlim, Vinus e Viena, entre outras, buscou disseminar um alerta contra a tendência de crescimento dos partidos de extrema direita no continente e do populismo que ele reputa como "um vento mau que assola a Europa".

Em Lisboa, no dia 6 de maio, o escritor e filósofo enalteceu sob largos aplausos a Revolução de 25 de Abril, que havia recém completado 45 anos. A data encaixava-se bem no objetivo de reafirmar a importância da democracia e do multiculturalismo para a continuidade do projeto de Europa unificada, iniciado com a criação da Comunidade Econômica Europeia, em 1957. Para ele, vive-se hoje na região, como um pesadelo que regressa, os conflitos que marcaram o que ele chama de "miniatura da Europa que era a Bósnia há 25 anos".

A peregrinação de Levy, na tentativa de evitar que a Europa "sucumba à mediocridade e à covardia", coincidiu com as vésperas das eleições para um novo período legislativo do parlamento europeu, a serem realizadas neste mês, entre os dias 23 e 26, nos 28 países que hoje compõem a UE. Há, em verdade, uma grande preocupação por parte dos liberais e dos partidos de centro direita e de centro esquerda, sem falar nos intelectuais, com a perspectiva de que os partidos de extrema direita conquistem desta vez uma significativa presença na instituição que representa o segundo maior eleitorado no mundo. A rigor, estas eleições são vistas como a mais importante de todas para o parlamento europeu.

Motivos não faltam. Para começar, a indefinição sobre a conclusão do Brexit criou um problema de última hora com relação ao tamanho do parlamento. Desenhado para abrigar 751 assentos, foi reduzido para 705 pelas autoridades europeias na certeza de que na época das eleições deste ano as condições da saída do Reino Unido já estariam totalmente definidas. Diante dos sucessivos impasses políticos de Londres e contra a vontade da primeira-ministra Theresa May, o número de assentos voltou a 751 de modo a abrigar os parlamentares britânicos, sem que se saiba ao certo o que acontecerá quando o Brexit for efetivamente assinado.

A reviravolta abriu uma grande oportunidade política para Nigel Farage, ex-UKIP, um eurocético de primeira hora, que tem liderado as pesquisas de opinião no Reino Unido para o parlamento europeu com o seu atual partido, que ele chamou de Brexit.

Na sondagem realizada pelo Instituto Opinium para o jornal The Observer, no dia 12 de maio, o partido Brexit, de Farage, liderava as intenções de voto com 34% do total, uma participação maior do que a soma das preferências dadas ao partido trabalhista (21%) e aos representantes do partido conservador (11%).

No âmbito mais largo da UE, as pesquisas têm revelado a expansão dos partidos eurocéticos, populistas e radicais de direita na preferência do eleitorado. Diante do quadro, Levy teme o que chama de "terceiro suicídio da Europa" e diz que está na hora de lutar uma "nova batalha pela civilização".

Tem razão. O movimento em prol das bandeiras nacionalistas está em plena marcha. O maior líder da extrema direita na Europa hoje, o vice-presidente e ministro do interior da Itália, Matteo Salvini, está à frente das articulações que visam a formação de um bloco, com vistas às eleições ao parlamento europeu, entre os diversos partidos que se posicionam contra a imigração, contra a UE, contra o pluralismo e que, via de regra, têm as mesmas posições sobre as questões de identidade. São contra o aborto e o casamento igualitário de gênero. Usam uma retórica eloquente, com ênfase nas palavras salvação, patriotismo e unidade nacional, sempre priorizando os naturais de cada país.

Salvini tem pretensões de promover o populismo de direita no mundo e já conseguiu formalizar uma aliança entre o seu partido, a Liga, com o AfD da Alemanha, o Finns da Finlândia, o Partido Popular Dinamarquês, o austríaco Partido da Liberdade e com o francês Agrupamento Nacional, ex-Frente Nacional, de Marine Le Pen.

Outros partidos radicais de direita estão na mira, como o Partido Lei e Justiça (PiS) que lidera o governo na Polônia, o partido Liberdade e Democracia Direta (SPD) da República Checa, o Partido da Liberdade holandês, o Movimento 5 Estrelas, também italiano, e o Vox, que nas eleições do último abril conseguiu garantir 24 cadeiras no parlamento espanhol. O Fidesz, que governa a Hungria, tem feito parte da coalizão do Partido Popular Europeu.

Há no meio político europeu um grande esforço dos representantes dos partidos moderados junto aos eleitores para que a maioria das cadeiras no parlamento europeu continue com os partidos de centro, centro-direita e centro-esquerda, e com os liberais.

Mais do que em qualquer outro lugar no mundo, todos na Europa se lembram das consequências da ascensão ao poder, nos anos 30, do Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães, sucessor do Partido dos Trabalhadores Alemães, fundado em 1919 como um partido de extrema-direita que pregava o fim da República de Weimar, o antissemitismo e o antibolchevismo. Cresceu com a convicção dos eleitores alemães de que seria a salvação da cultura ocidental, um lema que volta a ganhar espaço político 74 anos depois do mundo ter se defrontado com a vergonha do holocausto.

*Maria Clara R. M. do Prado, jornalista, é sócia diretora da Cin - Comunicação Inteligente e autora do livro "A Real História do Real".


Alerta ao próximo presidente


Má notícia para quem assumir a Presidência em 2023: só em 2026 sobrará dinheiro
  
Notas e Informações, O Estado de S.Paulo
17 de maio de 2019 | 03h00

Má notícia para quem assumir a Presidência em 2023: só em 2026 sobrará algum dinheiro, depois de pagas as contas de operação do governo, segundo novas projeções da Instituição Fiscal Independente (IFI), vinculada ao Senado e especializada em contas públicas. Até lá, a economia em marcha lenta continuará limitando severamente a arrecadação, mas os gastos obrigatórios seguirão pressionando o Tesouro Nacional. Aquela pequena sobra fiscal, equivalente a R$ 27 bilhões de hoje, deverá ser usada para o pagamento de juros. Pela projeção anterior, datada de outubro, já em 2023 poderia haver superávit primário, isto é, alguma folga antes da conta de juros.

O pequeno saldo primário agora estimado para a segunda metade do próximo governo será obtido com muito aperto de gastos, num cenário de crescimento econômico ainda baixo, mas com ajuda de uma reforma da Previdência aprovada já em 2019. Pelas contas da IFI, a reforma proporcionará, no Regime Geral da Previdência Social, cerca de 80% dos efeitos previstos pelo governo para os dez anos seguintes.

Se alguém já pensa em disputar a eleição presidencial de 2022, deve levar em conta, por prudência, o novo relatório da IFI sobre a evolução das contas públicas nos próximos anos. Mesmo com a reforma das aposentadorias e a redução da incerteza econômica, ninguém deve apostar numa alteração radical das condições de governo. Para começar, o crescimento ainda vagaroso deverá continuar afetando a arrecadação.

As novas projeções da IFI para o Produto Interno Bruto (PIB) apontam expansão de 1,8% em 2019 e 2,2% em 2020 (2,3% e 2,4% no cenário anterior). O ritmo deve aumentar para 2,3% em 2021 e recuar para 2,1% em 2022. Em todo o período a inflação ficará pouco acima ou abaixo de 4% ao ano.

As despesas da Previdência serão contidas, mas outros gastos obrigatórios continuarão pressionando o governo central. Ainda será preciso apertar a execução orçamentária, comprimindo o investimento público e outras despesas classificadas como discricionárias. Mas nem todas as despesas desta categoria são de fato comprimíveis sem prejuízo para o funcionamento do governo.

Nestas condições, há um risco elevado, segundo a IFI, de ruptura do teto constitucional de gastos em 2022, último ano do atual mandato presidencial. Por emenda constitucional aprovada no governo do presidente Michel Temer, o aumento da despesa pública é limitado, em cada ano, pela inflação do exercício anterior. A solução para evitar a ruptura é acionar um gatilho para conter certos gastos, congelando, por exemplo, a folha de pessoal e, é claro, as contratações.

O uso do gatilho pode envolver problemas políticos, complicar a administração e tornar mais difícil a recuperação de uma economia já muito fraca.

Pelas novas estimativas, o déficit primário deverá ficar em R$ 139 bilhões neste ano. Esta era a meta original, mas houve esperança, durante um período, de um resultado melhor que o de 2018, quando o saldo negativo ficou em R$ 120 bilhões. Sem o aperto já iniciado, o buraco poderia chegar a R$ 169 bilhões. Pelo cenário básico, o resultado primário será ligeiramente positivo em 2026 e chegará a 1,1% do PIB em 2030. Pelo otimista, o saldo ficará azul em 2024 e baterá em 2,2% do PIB em 2030. Pelo pessimista, nesse último ano a proporção será de apenas 0,7%.

Para investidores e financiadores, um dado crucial é a evolução da dívida bruta do governo geral, formado pelas administrações central, dos Estados e dos municípios. As estimativas anteriores apontavam um máximo de 82,7% em 2023, com declínio a partir daí. As novas projeções indicam elevação até 85,5% em 2025. No cenário pessimista, a proporção de 100% do PIB será atingida em 2026 (antes, em 2030).

O governo deveria dar atenção especial, desde já, ao cenário pessimista, para programar as medidas de estímulo ao crescimento, de fortalecimento econômico e de reforço fiscal. Nada disso será alcançado sem uma articulação política muito melhor que a atual, e com uma gestão muito mais harmônica.


Hora de o Congresso agir contra a crise

Editorial / O Globo
O Brasil só não cairá no ‘abismo fiscal’ com a ajuda de deputados e senadores nas reformas

O Congresso precisa entender a mensagem dada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, e equipe ao comparecerem terça-feira à Comissão Mista de Orçamento. O motivo da visita já é sugestivo por si só: pedir a deputados e senadores que aprovem projeto de lei do Executivo com a permissão para o governo descumprir a “regra de ouro” e emitir R$ 248 bilhões a fim de pagar despesas correntes: folha de salários, benefícios previdenciários, despesas sociais e assim por diante.

Comparável à família que pede empréstimo para se manter: supermercado, feira, conta de luz, despesas fixas em geral. Nenhum centavo para investir em projetos que possam mais à frente permitir a geração de renda e o pagamento das dívidas. Neste caso, pode-se fazer o paralelo entre Estado e famílias.

A finalidade do sinal verde para a emissão de títulos da dívida já serve de estridente alerta: é necessária a permissão do Congresso porque o governo está impedido, por força constitucional, de usar recursos provenientes de endividamento para pagar gastos de custeio. Mas ser preciso levantar dinheiro no mercado financeiro para manter a máquina pública minimamente funcionando já é alarmante.

Voltam as críticas ao teto, também constitucional, corretamente criado no governo Temer para conter o crescimento descontrolado do déficit das contas públicas, a força que empurra para o alto a dívida pública. Ela está na faixa dos 80% do PIB, e continuará a subir. Era 50% no final da gestão Dilma, a responsável pelos desmandos de política econômica que deixaram de herança esta disparada do endividamento. Quanto ao teto, revogá-lo serve apenas para maquiara difícil situação das finanças públicas, sem qualquer resultado positivo, pelo contrário.

A defesa do projeto de lei serviu para o ministro realçara importância da reforma previdenciária :“a Previdência virou um buraco negro fiscal que ameaça engolir o Brasil”. O país está à beira de “um abismo fiscal”, reforçou.

O momento é adequado para todos entenderem o que acontece no país. Por trás da incapacidade de a economia reagir — caminha-se para o terceiro ano consecutivo de virtual estagnação — está a catástrofe fiscal que impede a volta de investimentos, porque não há confiança no futuro.

E, sem investimentos, a economia perde fôlego, não gera empregos e reduza arrecadação de tributos. Em março, por isso, o governo anunciou um contingenciamento de R $29,7 bilhões —que poderão ser convertidos em cortes efetivos—e já se prevê mais R $10 bilhões para até o fim do mês. No boletim Focus, divulgado semanalmente pelo Banco Central, as projeções de analistas do mercado financeiro, para o PIB deste ano, já retrocederam para abaixo de 1,5%.

A situação, porém, representa para o Congresso uma chance especial de exercer um papel exemplar no combate à crise. Já ficou no passado, felizmente, o tempo em que a sociedade aguardava o lançamento de pacotes econômicos pelo Executivo. Nenhum deu certo.

O Plano Real funcionou, mas, além de uma engenharia econômica refinada, passou pelo Congresso, onde ganhou legitimidade. Aerados pacotes acabou, e oques e trata agora é de deputados e senadores, conhecida a proposta de reformada Previdência, já em debate, darem seu aval à indiscutível necessidade de modernização do sistema. É também uma oportunidade para deputados e senadores trabalharem juntos coma equipe econômica afim de construir outras medidas que ajudem a destravara economia, cujo cenário é preocupante.


Segurança do trabalho


Pelas estimativas do Ministério da Economia, uma pequena empresa tem de se submeter, atualmente, a 6,9 mil regras distintas de fiscalização
   
Notas & Informações, O Estado de S.Paulo
16 de maio de 2019 | 05h00

Em pronunciamento na abertura do Fórum Nacional do Instituto Nacional de Altos Estudos, o secretário especial de Trabalho e Previdência do Ministério da Economia, Rogério Marinho, anunciou que o governo irá rever e atualizar as normas relativas à segurança do trabalho e à saúde dos trabalhadores.

Segundo ele, a legislação que trata da matéria tem mais de 5 mil decretos editados na década de 1940, quando eram outras as condições da economia brasileira. Por isso, ela está em descompasso com as novas técnicas de produção, gerando custos para as empresas e comprometendo sua competitividade. Além disso, como os critérios de fiscalização da aplicação dessas regras variam conforme os Estados, isso acaba gerando insegurança para empresas com atuação nacional.

Pelas estimativas do Ministério da Economia, uma pequena empresa tem de se submeter, atualmente, a 6,9 mil regras distintas de fiscalização. “Não há nitidez, clareza e transparência nesse processo. Existem custos absurdos em função de uma normatização bizantina, anacrônica e hostil”, afirmou Marinho.

A iniciativa faz parte de uma série de medidas microeconômicas que o governo pretende adotar para criar um “ambiente mais propício a quem quer investir”. Entre outras medidas já anunciadas, destacam-se as destinadas a desburocratizar o aparato fiscalizador do poder público e a tornar mais precisa a chamada legislação dispositiva, que envolve decretos, portarias e instruções normativas. A modernização da legislação da segurança e saúde no trabalho foi anunciada logo após o Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro), também vinculado ao Ministério da Economia, ter lançado um projeto de revisão das regras relacionadas a qualidade, segurança e desempenho de produtos comercializados no País.

A revisão das normas de segurança e saúde no trabalho começará no próximo mês e será realizada com a participação tripartite de representantes da União, dos empregadores e dos empregados. A primeira norma a ser revista é a que trata da regulamentação de maquinário. Ela abrange de padarias a fornos siderúrgicos e é tão complexa que, muitas vezes, leva as empresas a gastarem com a instalação e montagem quase o dobro do valor pago na aquisição das máquinas e equipamentos. Segundo o Observatório Digital de Saúde e Segurança do Trabalho do Ministério Público do Trabalho, máquinas e equipamentos causaram 2.058 mortes de trabalhadores entre 2012 e 2018. O custo estimado das aposentadorias e pensões concedidas depois de acidentes é de R$ 732 milhões.

Para a Secretaria de Trabalho e Previdência, a modernização da legislação reduzirá o número de acidentes e os valores gastos com os acidentados. Já as centrais sindicais se opõem a essa modernização, alegando que as novas regras – que nem ainda foram formuladas – favorecerão os empregadores, em detrimento dos empregados. “Se para o empreendedor é desejável um ambiente acolhedor para negócios, para os trabalhadores é um direito constitucional encontrar um ambiente de trabalho livre de riscos de acidentes”, diz, em nota, o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais, com apoio do Ministério Público do Trabalho.

No mundo inteiro, discussões como essas são inevitáveis nas relações entre empregadores e empregados. Mas, quando prevalece o bom senso, as duas partes sempre chegam a um acordo. Para ampliar a produtividade, como querem as empresas, e reduzir acidentes de trabalho, como querem os empregados, o ideal seria conceder maior liberdade para os empregadores e, em contrapartida, aumentar significativamente o valor das multas em caso de acidente, como acaba de propor o grupo de especialistas em gestão empresarial da Fundação Getúlio Vargas, liderado pela professora Carmem Migueles.

Se o governo, os empregadores e empregados discutirem com seriedade essa proposta, a modernização das normas de saúde e segurança do trabalho poderá atender às expectativas de todos. E quem lucrará com isso será o País.

Emigrar, protestar ou manter-se fiel

BOLÍVAR LAMOUNIER
REVISTA ISTO É

O que um país estagnado pode ter em comum com um grande clube de futebol em franca decadência? O pequeno clássico econômico de Albert Hirschman mostra as similaridades


O Brasil é um caso de laboratório para examinarmos uma questão. Nossa economia cresceu aceleradamente dos anos 1950 até 1980, quando a megalomania do presidente Ernesto Geisel nos legou uma megadívida externa e uma inflação cada vez mais alta. Aquela conjuntura, depois os desatinos da presidente Dilma Rousseff e a corrupção nos precipitaram no buraco onde hoje nos encontramos.

No futebol, temos o espantoso caso do Clube de Regatas Vasco da Gama, outrora uma potência esportiva, quatro vezes campeão brasileiro, uma vez da Libertadores e hoje um permanente candidato ao rebaixamento à Série B do futebol.

O economista Albert Hirschman (1915-2012) estudou como os membros de uma organização (ou seja, os cidadãos de um país, os consumidores de determinado produto, os torcedores de um clube…) podem reagir quando percebem uma persistente deterioração daquilo que os cerca e estão acostumados. Professor em Yale, Harvard, Columbia e Berkeley, em seu livrinho clássico “Saída, voz e lealdade”, de 1970, ele mostra que as pessoas partem (cidadãos mudam de país, consumidores trocam de marca, torcedores optam por outro clube) ou protestam. Em países pequenos, pobres e repressivos, ir embora pode ser uma resposta prática. Em países grandes, nos quais sempre há uma esperança de desenvolvimento, é mais difícil. Ou seja, entre sair ou protestar, existe um fator psicológico de grande importância: o grau de lealdade que os membros sentem pela organização a qual acreditam pertencer.

Brasil, só agora, na esteira da estagnação e dos descalabros recentes, começa a se tornar um país de emigrantes. Torcedores também não trocam de clube como quem troca de camisa. O Vasco, com vinte anos de vexames, continua a ter a quinta maior torcida do País em diferentes rankings. Torcedores vaiam, xingam, picham os muros do clube, mas raramente viram a casaca. E raramente são atendidos, pois os clubes são em geral controlados por um conselhão rigidamente oligárquico.
Na esfera política, de tempos em tempos uma multidão vai às ruas, mas seu intermitente protesto não adianta grande coisa, pois o bunker patrimonialista sediado em Brasília raramente se importa com seus “consumidores”. Os Três Poderes se acumpliciam para que o Estado funcione como um fim em si mesmo.


O destino de ua nação -

 CARTA AO LEITOR - REVISTA VEJA


A aprovação da reforma da Previdência pode desencadear o círculo virtuoso de que o país tanto precisa para voltar a crescer

Há momentos na história econômica de um país que são transformadores, que deixam seu legado de mudança por décadas. Há 25 anos, os leitores mais maduros de VEJA certamente se lembram, aconteceu a implantação do Plano Real. O Brasil vivia um caos econômico em que a renda da população, especialmente a dos mais pobres, era corroída sem dó pela inflação. Tal situação atrapalhava a vida financeira de empresas e pessoas. Com a criação da nova moeda, um outro patamar de desenvolvimento se estabeleceu.

Assim como o Plano Real, a reforma da Previdência proposta pelo governo de Jair Bolsonaro evidentemente não será uma panaceia para todos os males da nação. Mas sua aprovação, no menor espaço de tempo possível, pode desencadear o círculo virtuoso de que o país tanto precisa para voltar a crescer. Trata-se da sinalização que os empresários daqui e do exterior esperam para liberar investimentos congelados diante do atual cenário de incerteza. No futuro, poderemos olhar para trás e identificar este momento como um divisor de águas em nossa história

Pelo projeto em tramitação na Câmara, seria gerada uma economia de mais de 1 trilhão de reais em dez anos, ceifando privilégios de determinadas categorias, notadamente a elite do serviço público, e proporcionando folga ao caixa da União. Pai da economia moderna, Adam Smith produziu uma frase que define bem o acerto deste governo em reformar nossa Previdência atual: “É injusto que toda uma sociedade contribua para custear uma despesa cujo benefício vai apenas para uma parte dessa sociedade”.

O desequilíbrio nas contas públicas em razão das aposentadorias tem sido um tema recorrente de VEJA. De 1994 para cá, publicamos seis capas sobre o assunto. Apenas nos últimos dois anos, foram cerca de trinta reportagens. Nesta edição, diante da importância e da gravidade do momento, voltamos a revisitar esse “buraco negro” com uma entrevista exclusiva do ministro Paulo Guedes e dados detalhados sobre a economia proporcionada pelo projeto enviado ao Congresso (que ainda pode sofrer alterações, caso deputados e senadores não compreendam seu papel numa votação que pode definir o futuro do Brasil por décadas).

De forma inequívoca, comprova-se que tal alteração será benéfica — e muito mais justa — para o conjunto dos brasileiros. Por esse motivo, e com base no compromisso que temos com o país, VEJA é a favor da reforma. Neste domingo (26), quando apoiadores de Bolsonaro prometem sair às ruas em uma inoportuna manifestação, tomara que apareçam muitos cartazes a favor da nova Previdência — e não ataques contra membros do próprio governo e instituições como o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal.

Retrato do saneamento


12 milhões de pessoas não têm disponibilidade diária de água no Nordeste

Notas e Informações, O Estado de S.Paulo
24 de maio de 2019 | 03h00

Os dados sobre saneamento básico, constantes da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua 2018, reafirmam a gravidade da situação desse setor e reforçam a necessidade urgente de mudar a legislação que o regula. As novas regras em discussão no Congresso – com destaque para as que facilitam os investimentos de empresas privadas em saneamento, somando esforços com as companhias estaduais já estabelecidas, carentes de recursos – são essenciais para a solução do problema.

O serviço de água está em melhor situação do que o de esgoto. Em 2018, 85,8% dos 69,3 milhões de domicílios do País com água canalizada eram abastecidos pela rede geral de distribuição. É preciso levar em conta, porém, as disparidades regionais. No Nordeste, por exemplo, aquele porcentual é de apenas 69,1%. E ali 12 milhões de pessoas não têm disponibilidade diária de água. Outro dado a considerar é o lento avanço em direção ao pleno abastecimento. Em algumas regiões há mesmo retrocesso. No Centro-Oeste, em 2018 o fornecimento de água ficou abaixo do de 2016.

O problema do esgoto é bem mais grave. Em 2018, só 66,3% do total de domicílios tinham acesso à rede geral ou fossas ligadas à rede para o escoamento do esgoto. As diferenças regionais são também significativas: de 88,6% no Sudeste para 44,6% no Nordeste e 21,8% no Norte. Em números absolutos, o problema se apresenta de forma mais chocante: 72,4 milhões de brasileiros residiam em domicílios sem acesso à rede geral coletora de esgotos. Uma situação vergonhosa para um país que é a oitava economia do mundo.

Diante desses dados, não há como deixar de dar razão ao senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), responsável pelo substitutivo à Medida Provisória (MP) 868/18, que muda o marco regulatório do saneamento básico, aprovado por Comissão Mista do Congresso, num passo importante para a solução do problema. Segundo ele, com relação ao saneamento “ainda vivemos na Idade Média”, embora estejamos no século 21. 

Quanto ao lixo, em 2018, 83% dos domicílios tinham acesso à coleta direta, 8,1% faziam coleta via caçamba de serviço de limpeza e 8,9% queimavam o lixo ou lhe davam outro destino. Mais uma vez, são os números absolutos que retratam com mais crueza a realidade: 20,1 milhões de brasileiros não dispõem de coleta de lixo, e o Nordeste sozinho responde por mais da metade desse número, exatamente 10,5 milhões.

Esse quadro de um serviço essencial para a população fica ainda mais sombrio quando completado por dados do Instituto Trata Brasil. A perda de água potável, por exemplo, é muito elevada, o que agrava o problema – a média nacional é de 38,29%. Ela chega a 55,4% no Norte e a 46,25% no Nordeste, mas mesmo nas regiões mais ricas é alta – 36,54% no Sul e 34, 35% no Sudeste. A situação é semelhante no que se refere ao tratamento de esgoto. A média nacional é baixa, de apenas 45,1%, sendo pior no Norte (22,58%) e no Nordeste (34,73%).

O custo para resolver o problema, universalizando o acesso aos serviços de água e esgotos, é outro dado fundamental. Embora seja alto, o cálculo do Instituto Trata Brasil – de R$ 303 bilhões, em 20 anos – é importante. Ele chama a atenção para o tamanho do desafio com que o País está às voltas e para a necessidade de encontrar novos caminhos, porque os trilhados até agora, como demonstra a experiência, não representam uma solução.

É notório que as companhias estaduais – que hoje são amplamente dominantes no setor e na prática podem impedir a entrada de concorrentes nesse mercado – não têm recursos suficientes para enfrentar o problema. O caminho apontado pelo substitutivo à MP 868/18 é o mais adequado: o de um esforço conjunto do Estado com o capital privado, abrindo-se o setor à concorrência. Só assim será possível ampliar as redes de abastecimento de água e de coleta de esgotos; instalar estações de tratamento; e adotar medidas para reduzir a perda de água.

Os provérbios da MP da Liberdade Econômica

Peça de marketing que anuncia a salvação do empreendedorismo das amarras da burocracia
       
*ÉRICA GORGA, O Estado de S.Paulo
24 de maio de 2019 | 03h00

A festejada Medida Provisória da Liberdade Econômica, a MP n.º 881, de 30/4/2019, é quase uma peça de marketing do governo que anuncia a salvação do empreendedorismo nacional das amarras da perniciosa burocracia estatal. Mas como “em casa de ferreiro o espeto é de pau”, depois de o próprio presidente Jair Bolsonaro interferir brusca e diretamente na política de preços da Petrobrás, provocando perda imediata de valor de R$ 32,4 bilhões para os acionistas da empresa na bolsa de valores, eis que o mesmo presidente, por meio da MP salvadora, proclama o direito, das pessoas naturais ou jurídicas, de “não ter restringida, por qualquer autoridade, sua liberdade de definir o preço de produtos e de serviços como consequência da oferta e da demanda...” (artigo 3.º, III).

Mas não é “chover no molhado”? Isto é, tal direito de livre formação de preços já não era assegurado pelo ordenamento jurídico pátrio? Evidentemente que sim, até aqui “nada há de novo sob o sol”. E não foi o presidente justamente a “autoridade” que se intrometeu na liberdade de preços reproclamada? Como “devagar se vai ao longe”, a pergunta remanescente após a edição da MP pleonástica é se os “novos” dispositivos legais serão aplicáveis às intervenções governamentais na livre formação de preços no mercado, até mesmo no que tange ao cartel do frete, endossado pela equipe de governo da Escola de Chicago.

Já que “quem com ferro fere com ferro será ferido”, poderá, agora, qualquer caminhoneiro se basear na MP para questionar a legalidade da tabela oficial de fretes e pleitear o direito de definir o preço que bem quiser para desempenhar sua atividade econômica? Ou o governo adotará o “faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço” e continuará a defender a tabela “oficial” de preços e o pacote especial para caminhoneiros, contrariando a própria MP, que restringe o abuso do poder regulatório para evitar “criar privilégio exclusivo para determinado segmento econômico” (artigo 4.º, III)?

Nesse quesito, o setor agropecuário, fortemente prejudicado pelo cartel do frete, poderia valer-se do “escreveu não leu, o pau comeu” e pleitear isonomia em relação à categoria dos caminhoneiros? O pacote com empréstimos privilegiados a serem postos à disposição pelo BNDES é “saco vazio que não para em pé”, pois não resiste às regras de liberdade econômica recém-declaradas.

Se “onde há fumaça há fogo”, o pedido de Bolsonaro ao presidente do Banco do Brasil para baixar os juros praticados no mercado bancário também derrubou o preço das ações dos bancos na bolsa de valores, caracterizando mais uma desconsideração presidencial aos princípios da MP. Se a intenção do presidente do País é que empresas e empreendedores tenham acesso a financiamento a custo mais baixo, a alternativa usada internacionalmente é repensar, fortalecer e expandir o mercado de capitais nacional, absolutamente incipiente quando comparado ao de outros países em desenvolvimento.

Mas como “a pressa é inimiga da perfeição”, em vez de repensar os marcos regulatórios, que desde 1976 permanecem praticamente inalterados, após várias crises e colapsos do mercado de capitais nacional, a equipe do governo resolveu simplesmente abrir as comportas para que companhias de pequeno e médio porte possam acessar mais velozmente a poupança popular. Nesse intuito, a MP autoriza a Comissão de Valores Mobiliários a dispensar as exigências usuais previstas na Lei das SAs que visam justamente à proteção da poupança popular (artigo 8.º). 

Assim, perpetua-se o mercado de capitais “para inglês ver”, que promove liberdade sem nenhuma responsabilidade, não obstante as massivas fraudes e os desastres corporativos recentes nas maiores companhias listadas, como nos casos da Petrobrás, da JBS, da OGX e Vale S.A., que resultaram em completa ausência de responsabilização de empresas e de administradores para reparar os prejuízos bilionários causados a acionistas, investidores e à ordem econômica e financeira. “Desgraça pouca é bobagem” e faz-se vista grossa para os grandes déficits dos fundos de aposentadoria ocasionados por investimentos fraudulentos via mercado de capitais. Em comparação, os Estados Unidos, em resposta às próprias crises de mercado, para resgatar a confiança de investidores, incentivar o empreendedorismo e promover segurança jurídica, editaram dois grandes marcos legislativos, o Sarbanes-Oxley Act, em 2002, e o Dodd-Frank Act, em 2010. 

Mas “pimenta nos olhos dos outros é refresco” e as autoridades brasileiras continuam achando natural que as ações de ressarcimento de acionistas e investidores por escândalos corporativos brasileiros ocorram fora do País, onde a poupança popular goza de maior proteção. É o que demonstram inúmeras ações de indenização envolvendo companhias brasileiras e seus administradores nos Estados Unidos, na Inglaterra, na Holanda e até em Cingapura, a exemplo da ação de responsabilidade por violação de deveres fiduciários de acionistas contra Joesley e Wesley Batista e outros administradores que corre no Tribunal Superior do tigre asiático (Estado, 26/4). 

Aliás, não são claras a urgência e a relevância da MP, que presume a boa-fé, pretendendo “recriar a roda” jurídica, mas alija do debate democrático as mudanças na responsabilidade de sócios e administradores de empresas. Como “quem tem pressa come cru”, a equipe do governo erra a mão ao conceituar o desvio de finalidade como a “utilização dolosa da pessoa jurídica” (artigo 7.º), o que contribuirá para o aumento da insegurança jurídica, por exemplo, em casos de ressarcimento de danos ambientais de grande nocividade. É a liberdade sem responsabilidade, que equivaleria a “quem semeia vento, colhe tempestade”?

*DOUTORA EM DIREITO PELA USP, COM PÓS-DOUTORAMENTO NA UNIVERSIDADE DO TEXAS, FOI PROFESSORA NAS UNIVERSIDADES DO TEXAS, CORNELL E VANDERBILT, DIRETORA DO CENTRO DE DIREITO EMPRESARIAL DA YALE LAW SCHOOL E PESQUISADORA EM STANFORD E YALE


Porque mudar daqui para ali

- J.R. GUZZO   REVISTA EXAME 1186


A traficância em torno de quem manda no Coaf é um exemplo clássico da primeira modalidade de vigarice que o submundo da “engenharia política” aplica em você

Se existe uma coisa fácil de identificar, no meio deste Brasil tão confuso de hoje, é o sujeito que gosta de ladrão. Está se falando, aqui, de gente que manda ou influi em alguma coisa na vida pública — uma “autoridade”, como se diz. A descoberta da turma que dá expediente no Pró-Crime não exige prática nem habilidade. Basta olhar para qualquer dos Três Poderes da República e prestar atenção no seguinte: se a autoridade A, B ou C toma a decisão de mudar daqui para ali a apreciação de qualquer ato de ladroagem, ou o julgamento da conduta de qualquer político, o cidadão já pode ir tirando o cavalo da chuva. A bandidagem de primeira classe conseguiu, mais uma vez, bater lindamente sua carteira — ou, pelo menos, está tentando fazer o possível para isso. Quase sempre leva, quando tenta.

A recente traficância em torno de quem manda no Coaf é um exemplo clássico da primeira modalidade de vigarice que o submundo da “engenharia política” aplica em você. Chega a ser cômico, de tão grosseiro que é, o “modo de usar” manipulado pela politicalha no caso. Que raio pode ser esse Coaf? Uns 99% dos brasileiros não sabem o que é isso, nem querem saber. Mas tenha certeza de que aquele 1% que sabe, porque trabalha no pedaço, sabe extremamente bem o que é esse negócio, para o que serve, como se tira vantagem dele e tudo o mais que se pode imaginar de ruim a respeito. Trata-se de um “Conselho de Controle de Atividades Financeiras” — criado para produzir “inteligência financeira” destinada a combater crimes como a lavagem de dinheiro e o financiamento ao terrorismo. Pois bem: 14 membros de uma Comissão Mista do Congresso, por uma diferença de três votos, decidiram mudar o Coaf “daqui para ali”. Em vez de ficar no Ministério da Justiça, de Sergio Moro, passará para o Ministério da Fazenda, de Paulo Guedes.

Mas as atividades do Coaf não se ligam muito mais à esfera da Justiça e da polícia do que da economia? Sim, só que ninguém está pensando nisso — o que estão pensando, isso sim, é onde ficaria mais seguro, para eles, encaixar a repartição que vigia a lavagem de dinheiro. Quer dizer que os funcionários da Fazenda são mais frouxos do que os da Justiça, ou mais dispostos a proteger os criminosos? De jeito nenhum. Não há a menor suspeita de que a equipe de primeira linha montada pelo ministro Guedes possa se meter nesse tipo de coisa. Mas aí é que está: a avacalhação dos políticos brasileiros chegou a tal extremo que qualquer mudança feita por eles levanta automaticamente as piores desconfianças. É como foi dito acima: se mexeram no Coaf, é porque estão atrás de alguma safadeza em seu benefício. O fato de 100% dos deputados e senadores do PT presentes na comissão terem votado a favor da alteração acaba com a conversa: é o selo de garantia definitivo de que a intenção da operação é apoiar a roubalheira.

A segunda modalidade de atuação do Pró-Crime, que muda a esfera onde se julgam os acusados de violar o Código Penal, ficou expressa na também recente decisão do Supremo Tribunal Federal, pelo voto decisivo de seu presidente, Antônio Dias Toffoli, de mudar para as Assembleias Legislativas o poder real de apreciar os crimes cometidos por deputados estaduais. O Supremo resolveu que eles têm, agora, a mesma “imunidade” dos parlamentares federais. É a ação da “banda podre” do STF, reforçada ultimamente pelo ministro Celso de Mello. De Toffoli, julgado oficialmente, e por duas vezes, sem qualificação mínima para ser juiz de direito, é isso mesmo o que se poderia esperar; ele é um desses casos de “o passado me condena, e o presente também”. De Celso Mello, firma-se a convicção de que a melhor contribuição que pode dar ao país é fazer aniversário no dia 1o de novembro do ano que vem — quando chegará aos 75 anos de idade e terá de ir embora do STF.

Tudo isso é mais um chute nas instituições. Elas vêm sendo destruídas há 30 anos, aliás, como resultado direto da obediência à “Constituição Cidadã” — que foi feita, vejam só, para dar instituições ao Brasil.

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