Caberia aos reitores das universidades públicas liderar um esforço para racionalizar custos
José Goldemberg, O Estado de S.Paulo
20 de maio de 2019 | 03h00
Universidades foram criadas na Europa quase mil anos atrás: a Universidade de Bolonha, na Itália, em 1088 e a de Paris, na França, em 1170, esta em torno da Catedral de Notre-Dame. Pela de Universidade Bolonha passaram Dante Alighieri, Petrarca e muitos outros. Aos poucos elas se espalharam pela Europa e pelo resto do mundo em torno de igrejas, em entidades independentes, muitas vezes criadas pelos próprios alunos e pelos governos.
No período medieval as escolas das universidades dedicavam-se principalmente a estudos de teologia, direito civil e ciências humanas, mas aos poucos se expandiram para todos os campos do conhecimento, como medicina e “ciência experimental”, que corresponde hoje à área de ciências exatas e engenharia.
Universidades preparam a mão de obra altamente qualificada que faz funcionar a sociedade moderna, desde a produção e distribuição de energia, água e saneamento, até agricultura, transporte, habitação, ciências econômicas e ciências humanas. Preparam também os pesquisadores que tentam descobrir os segredos da natureza e abrem caminho para novos processos e tecnologias para combater doenças e aumentar o conforto das populações. Na área de humanidades, estimulam o desenvolvimento de novas ideias filosóficas e políticas que podem influir poderosamente no destino das nações. Historicamente, o melhor exemplo dessa influência é a enorme ebulição intelectual e social que levou à Revolução Francesa, em 1789, e às guerras de libertação das antigas colônias francesas no Sudeste da Ásia e da África.
Existem hoje cerca de 10 mil universidades no mundo, com aproximadamente 200 milhões de estudantes – em média são 30 universitários por mil habitantes. No Brasil são 8 milhões de estudantes (40 por mil habitantes), 1 milhão dos quais em universidades públicas, gratuitas, e 7 milhões em universidades privadas, que cobram mensalidades. O acesso ao ensino superior público no Brasil exige um processo seletivo, já que as vagas disponíveis são em número muito menor que o de alunos que competem por elas.
Países estruturaram seu sistema universitário de formas diferentes: na França e na Itália o ensino universitário é todo público e gratuito e existem vagas asseguradas para todos os alunos que concluem o ensino secundário (que também é público e gratuito). Existem poucas universidades privadas, nelas os alunos pagam mensalidades elevadas.
Nos Estados Unidos é o oposto: existem poucas universidades estatais (em que os estudantes pagam pouco) e inúmeras privadas, em que as mensalidades são elevadas. Cada instituição usa seus próprios critérios de admissão de alunos. O que aconteceu nos Estados Unidos é que se criou também um sistema para os estudantes que não querem fazer cursos que duram quatro ou cinco anos, mas cursos técnicos que lhes dão formação em dois ou três anos e acesso mais rápido ao mercado de trabalho. Estes são os colleges, ou colégios comunitários parecidos com as nossas Fatecs, o Senai e o Sesc, além de algumas escolas técnicas federais.
Como é natural, algumas universidades se distinguiram das demais nos EUA, onde o ingresso é altamente competitivo, como Harvard, MIT, Princeton, Stanford, Chicago e algumas outras. É em torno delas que se concentram as atividades de pesquisa de vanguarda do país.
Na França, como nos Estados Unidos, o mesmo ocorreu, e além das universidades foram criadas as grandes écoles, em que há vestibulares e a meritocracia é determinante para admissão. Algumas delas existem desde 1750, Napoleão Bonaparte estudou numa delas; mais tarde, quando dirigente da França, criou outras, como a Escola Politécnica.
O sistema brasileiro foi estruturado a partir de 1934, quando foi criada a Universidade de São Paulo (USP), que valorizou a pesquisa científica e a área de humanidades. Antes disso havia em São Paulo apenas escolas profissionais, como a Faculdade de Direito, a Escola Politécnica, a Faculdade de Medicina e outras além, é claro, das escolas militares. Com a criação da USP foi introduzido o regime de dedicação integral ao ensino e à pesquisa, que a tornou uma universidade de custo elevado, como o são as universidades de pesquisa do mundo todo: o custo médio de cada aluno é de cerca de US$ 12 mil por ano (aproximadamente R$ 50 mil).
O sucesso da Universidade de São Paulo criou a ilusão de que seu exemplo poderia ser estendido a todo o País. Esse era o sonho, mas “a verdade efetiva das coisas” – na arguta linguagem de Maquiavel – ou, em outras palavras, “a verdade nua e crua despida de planos fantasiosos” é que não foi possível expandir o sistema de universidades públicas (são 78 hoje), que consomem quase todo o orçamento do Ministério da Educação, de cerca de R$ 100 bilhões por ano.
Para atender em universidades gratuitas todos os 8 milhões de estudantes brasileiros seu orçamento teria que aumentar sete vezes. Daí a expansão do número de universidades privadas, onde os alunos pagam mensalidades elevadas.
O sistema brasileiro de ensino superior é, pois, uma mistura do sistema da França e dos Estados Unidos. Como nesses países, algumas universidades se destacaram graças a lideranças universitárias locais e se tornaram, na prática, comparáveis às “grandes escolas” francesas e às boas universidades americanas, onde o custo médio por aluno é elevado, mas a produção científica é excelente.
Nas universidades federais o custo médio por aluno é de cerca de R$ 27 mil, mas existem variações enormes entre elas. Na Universidade Federal do Amapá o custo é de cerca de R$ 14 mil reais e na Universidade Federal do Rio de Janeiro, R$ 70 mil por aluno.
Obviamente, é necessário um esforço de racionalização, que caberia aos reitores dessas universidades liderar.
PROFESSOR EMÉRITO DA USP, FOI MINISTRO DA EDUCAÇÃO.
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