*Fernando Schüler: - Folha de S. Paulo
A condição socioeconômica pesa na aprendizagem, mas não define os seus resultados
A Prefeitura de Porto Alegre fechou uma parceria com a Escola Aldeia Lumiar, instituição privada, sem fins lucrativos, que segue o método inovador trazido ao Brasil pelo empresário Ricardo Semler. O governo irá pagar um valor por aluno inferior ao do sistema estatal e as crianças vão estudar em turno integral numa escola de qualidade, até então acessível a famílias de maior renda.
A iniciativa marca uma ruptura. Ela sinaliza um novo caminho para a educação brasileira, que responde a uma pergunta muito simples: por que nossas crianças mais pobres não podem estudar nas mesmas escolas em que estudam os alunos de classe média e os mais ricos?
Por que elas não podem estudar em escolas inovadoras, tradicionais, construtivistas, Montessori, Waldorf, escolas livres, escolas laicas ou confessionais, pautadas pela qualidade, num ambiente de diversidade, a partir da escolha das famílias, exatamente como acontece com quem tem recursos para pagar?
De fato, elas podem. O Brasil tem legislação para isso e o que falta é romper com a inércia do nosso debate educacional. Romper com a velha ideia brasileira de que, para que um direito seja assegurado aos cidadãos, o Estado deve prover diretamente o serviço. Não deve. O Estado, no Brasil, não é bom provedor de serviços, ainda que possa ser um ótimo regulador.
É ilusão imaginar que a simples troca de modelo irá resolver os problemas da educação. O ponto é permitir que se avance de um sistema estatal rígido para um sistema flexível, em que gestores de baixo rendimento possam ser substituídos.
Em nosso modelo estatal, o que o governo faz quando uma escola funciona mal? Fecha? Demite os diretores? Revoluciona a gestão? Nada disso. Em regra, o governo tem muito pouco ou nada a fazer. Empurra com a barriga, e todos sabemos quem termina pagando a conta.
Se observamos os dados do Pisa, descobriremos o seguinte: nossos alunos de escolas privadas têm nota próxima à dos Estados Unidos, enquanto alunos do sistema estatal ficam nas últimas posições. Os dados são claros: não há crise na educação brasileira, mas na oferta da educação estatal.
De um modo geral, é a crise do Estado, da instabilidade política crônica e da burocracia pública que empurramos para as costas dos mais pobres.
Muitos insistem que os alunos não aprendem porque são pobres. Contaria a condição social e o grau de instrução dos pais. Isso não passa de um tipo vulgar de falácia da correlação. Alunos mais pobres têm desempenho mais fraco não porque são pobres, mas porque são obrigados a estudar em escolas de menor qualidade.
A condição socioeconômica pesa na aprendizagem, mas não define os seus resultados. Afinal, é exatamente para isso que existe a escola. Para superar a exclusão e não se render a ela.
Os dados do Pisa revelam o seguinte: a nota dos alunos de escolas públicas cujos pais têm apenas o ensino fundamental é 373; seus pares de escolas privadas alcançam uma média de 437. A mesma distância se mantém nas demais faixas de escolaridade dos pais. Alunos de escolas particulares com pais no ensino fundamental têm média 58 pontos superior à dos alunos de escolas públicas com pais formados na faculdade.
Os dados mostram que a formação dos pais pesa, mas não define o sucesso. O fator decisivo é a qualidade da escola. Ótima notícia, pois é esse o fator que está a nosso alcance mudar.
Não há nenhuma dificuldade em saber por que boas escolas contratadas no setor privado podem ser mais eficientes. Como apontou o professor Naercio Menezes, do Insper, nesta Folha, "elas têm maior autonomia, podem contratar e demitir professores, pagar salários diferenciados para os melhores, variar o tamanho da classe e introduzir inovações na gestão".
Não há mistério algum nisso. Quem tem recursos para colocar os filhos em boas escolas privadas sabe disso há muito tempo. O desafio é fazer o óbvio valer também para o setor público.
O Brasil se encontra numa encruzilhada. Estamos revendo as regras do Fundeb e o modelo de financiamento da educação. A questão é romper com o monopólio estatal no uso dos recursos. Permitir que estados e municípios possam definir, a partir de sua realidade, a melhor forma de gerenciar a educação.
Isso nada mais é do que fazer valer o estabelecido no artigo 213 da Constituição Brasileira, que equipara as redes estatais a escolas confessionais, filantrópicas e comunitárias. Trata-se de um manifesto de igualdade, feito em nome dos mais pobres. Um direito que vem sendo sistematicamente esquecido no Brasil e que nos exige apenas um pouco de bom senso e coragem para resgatar.
*Fernando Schüler, professor do Insper e curador do projeto Fronteiras do Pensamento.
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