sábado, 25 de maio de 2019

A nova oposição digital

Pedro Doria: - O Globo

A internet é um camaleão. De sites e blogs, o ativismo foi para o Facebook. Agora está no Twitter e no WhatsApp

Fábio Malini, um dos coordenadores do Laboratório de Imagem e Cibercultura da Universidade Federal do Espírito Santo, captou um fenômeno interessante no Twitter. Foi por esses últimos dias. Aquilo que secundaristas publicam nessa rede social segue determinadas características. Ficam numa bolha à parte. Os seus são textos curtos, as reações emocionais seguem argumentos até simplórios. Em geral, seu tema predominante é entretenimento. Mas entre 9 e o 15 de maio das manifestações, os pesquisadores do Labic notaram uma mudança. Por um lado, num mesmo grupo de 170 mil perfis investigados, o conjunto de apoiadores do governo, responsáveis por 8% das postagens, se retraiu para ocupar 7% do espaço. E o grupo de adolescentes, que vivia lá em sua própria bolha, mudou. Os tuítes ficaram mais longos, começaram a retuitar gente de fora de seus círculos. Em cinco dias se tornaram atores políticos — um grupo maior do que o dos governistas ativos.

A internet é um camaleão. Quando no governo Lula, o PT acreditava com razão ter o domínio do digital por financiar uma extensa rede de sites e blogs que lhe produziam noticiário favorável, deixando sua militância sempre muito ligada. Atiçada. O partido não percebeu, já no governo Dilma, que a comunidade online trocara os sites da web pelo convívio nas mídias sociais. Para acompanhar os protestos pelo impeachment, o caminho já era o Facebook e suas páginas de eventos. Por conta de mudanças de algoritmo, a maior rede social do mundo deixou de ser um ambiente propício à agitação política. Esta migrou para WhatsApp e Twitter. É um espaço que a direita militante dominou e no qual a esquerda se perdeu.

Esta costura entre WhatsApp e Twitter é caótica e ágil perante a web, assim como mais descentralizada do que o Facebook. Sentimentos e intuições podem viralizar muito rápido, a mobilização ocorre em surtos repentinos. No Rio da última eleição, ninguém sabia quem era o ex-juiz tornado candidato Wilson Witzel até duas semanas antes do primeiro turno. Witzel disparou com a velocidade destas redes, surfando num vídeo com declaração de apoio do filho zero um.

Desde a posse de Bolsonaro, Twitter e WhatsApp são praia da sua turma, região de domínio, perante uma oposição à esquerda que ainda não compreendeu como foi atropelada. Só que agora mudou.

O governo foi tomado de surpresa pelo vulto das manifestações. Não só o governo — todo mundo. Se nos tempos de Facebook podíamos ter uma noção de se um ato encheria ou não pelo número de confirmações, o Twitter só é mapeável por pesquisadores com métodos sofisticados e, o WhatsApp, nem isso. Pela leitura do Labic da Ufes, só este grupo, o dos secundaristas, deixou de discutir as últimas séries para falar de ir às ruas nos últimos dias.

A manifestação foi convocada daquele jeito tradicional: pelos partidos de esquerda e centrais sindicais, pelo Lula Livre e contra a reforma da Previdência, contra o fascismo e slogans afins. Se fossem só eles, o Planalto não tinha qualquer motivo para se preocupar. São antigos, falam com o sotaque carregado dos anos 1960 e, fora os poucos convertidos que só conversam entre si faz anos, sua mensagem não ressoa com mais ninguém.

Mas não foi esta esquerda tradicional que deu volume às passeatas. Foi a turma do WhatsApp e do Twitter, os secundaristas são só uma parte. Ao invés de bandeiras estampadas e camisas vermelhas, a roupa do dia e cartazes escritos à mão. A pauta: educação.

Não dava para prever o tamanho e não dá para saber a solidez. As redes polarizam. O governo escolheu manter o jogo da campanha. Pode ter acabado de inventar um polo contrário, uma nova oposição na forma de movimento popular.

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