Bolsonaro contribui para piorar as perspectivas do mercado de trabalho ao desperdiçar o clima gerado por sua eleição
Notas & Informações, O Estado de S.Paulo 25 de maio de 2019 | 03h00
A geração de empregos deveria ser uma das principais preocupações de qualquer governo, especialmente diante de números como os divulgados pelo IBGE, demonstrando a deterioração do mercado de trabalho. No entanto, o presidente Jair Bolsonaro não parece ter compreendido a dimensão do problema, a julgar por suas declarações a propósito do desemprego.
Depois de dizer que “se fala em milhões de desempregados” e de mais uma vez afirmar que “o IBGE está errado”, pois “tem muito mais do que isso”, Bolsonaro afirmou que, “em parte, essa população não tem como ter emprego porque o mundo evoluiu”. E, como sempre faz, onde cabia uma explicação, complicou tudo. Para ele, essas pessoas estão desempregadas “porque não estão habilitadas a enfrentar um novo mercado de trabalho”, que chamou de “indústria 4G” – o presidente provavelmente se referia à indústria 4.0. “Como é que você vai empregar esse pessoal?”, perguntou, responsabilizando o desempregado por sua própria tragédia, já que, conforme o presidente, não se preparou para os novos tempos. E ele continuou: “Tenho pena? Tenho. Faço o que for possível, mas não posso fazer milagre, não posso obrigar ninguém a empregar ninguém”.
Para o presidente, portanto, milhões de brasileiros estão desempregados não porque a economia vai mal, não porque o governo que ele lidera foi até agora incapaz de formular políticas claras com vista a estimular a retomada do crescimento e a consequente geração de empregos, mas sim porque esses trabalhadores não estudaram o suficiente e não se atualizaram o bastante para acompanhar a evolução do mundo. Na concepção de Bolsonaro, são pessoas simplesmente condenadas ao desemprego, razão pela qual só resta ter “pena” delas, pois o presidente não pode “fazer milagre” nem “obrigar ninguém a empregar ninguém”.
Não se cobra “milagre” nenhum de Bolsonaro – embora a esta altura, dado o seu notável despreparo para governar, já seria um milagre se ele ao menos parasse de criar problemas. Espera-se de um presidente da República que não seja tão indiferente ao sofrimento da população que governa, em especial dos brasileiros cronicamente desempregados ou subempregados principalmente em razão da baixa escolaridade.
Também se espera que o presidente leia as estatísticas antes de tirar suas conclusões. Segundo o IBGE, a taxa de desemprego no primeiro trimestre do ano chegou a 12,7%, mas entre os brasileiros de 18 a 24 anos alcança 27,3%. Essa fatia da população, diferentemente do que imagina Bolsonaro, inclui jovens que acabaram de se formar, tanto no ensino médio como no ensino superior – ou seja, têm a qualificação que o sistema de ensino público oferece. Como muitos demoram a encontrar ocupação – um quarto dos 13,4 milhões de desempregados está há dois anos ou mais em busca de trabalho –, essa capacitação “vai se desfazendo ou ficando obsoleta”, observou o coordenador de Trabalho e Rendimento do IBGE, Cimar Azeredo. Assim, o problema não é apenas a falta de qualificação, como parece acreditar Bolsonaro, mas também o fato de que não há empregos mesmo para quem tem alguma competência técnica.
Reportagens recentes do Estado detalharam o drama desses desempregados, que aceitam qualquer vaga que apareça. “Até um emprego simples está difícil de arranjar”, disse um ex-lavador de carros. Para Bolsonaro, esse é um dos brasileiros dignos de “pena”.
É evidente que o persistente e crescente desemprego não pode ser debitado exclusivamente na conta do atual governo, que mal começou. Mas é fato incontestável que Bolsonaro está contribuindo decisivamente para piorar as perspectivas do mercado de trabalho, ao desperdiçar o clima de otimismo dos agentes econômicos gerado por sua eleição. A incapacidade do presidente de governar conforme padrões minimamente racionais contribui para inibir investimentos de prazo mais longo, que geram crescimento e empregos. Os desempregados certamente dispensam a compaixão de Bolsonaro e esperam que o presidente deixe de atrapalhá-los.
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