domingo, 26 de maio de 2019

Uma decisão equilibrada


Veredito do STF sobre medicamentos experimentais ou não registrados pela Anvisa garante segurança jurídica e equidade na resolução de solicitações por remédios

      Notas & Informações, O Estado de S.Paulo
25 de maio de 2019 | 03h00

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que o Estado não pode ser obrigado a fornecer medicamento experimental ou sem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), salvo em casos excepcionais. A decisão, que teve repercussão geral reconhecida, fornece orientação para todas as instâncias do Judiciário, trazendo, além de segurança jurídica, equidade na resolução dessas solicitações por medicamentos. Não era razoável que casos semelhantes fossem tratados com critérios diferentes, a partir das escolhas pessoais de cada juiz.

A ação, que chegou ao Supremo em 2016, discutia a constitucionalidade do art. 19-T da Lei 8.080/90, que veda, em todas as esferas de gestão do SUS, o pagamento, o ressarcimento ou o reembolso de medicamento, produto e procedimento clínico ou cirúrgico de caráter experimental ou sem registro na Anvisa.

O relator do caso, ministro Marco Aurélio, acompanhado pelo ministro Dias Toffoli, votou pela plena constitucionalidade do art. 19-T. Para ilustrar a importância do registro da Anvisa, o presidente do STF lembrou que o Código Penal tipifica como crime a comercialização de medicamento sem o aval da Anvisa. Não faz sentido que o Estado seja obrigado a bancar uma medicação cuja comercialização é classificada como atividade criminosa.

A maioria dos ministros também entendeu que o art. 19-T é constitucional, mas avaliou que pode haver exceções, em razão de atraso da própria Anvisa na avaliação do pedido de registro. “A regra é que é indispensável o registro da Anvisa. Mas em hipóteses excepcionais se permite que, caso a caso, eventualmente se chegue a conclusão diversa”, disse a ministra Rosa Weber.

Para efeito de aplicação da repercussão geral, o plenário do STF definiu a seguinte orientação. Não cabe ao Estado fornecer medicamentos experimentais e, como regra geral, a ausência de registro na Anvisa impede o fornecimento de medicamento por decisão judicial. No entanto, excepcionalmente, é possível a concessão judicial de medicamento sem registro sanitário, em caso de atraso irrazoável da Anvisa na apreciação do pedido – em prazo superior ao previsto na Lei 13.411/2016 (entre 120 dias e 365 dias, dependendo do tipo de remédio). Para tanto, precisam ser preenchidos três requisitos: a existência de pedido de registro do medicamento no Brasil, salvo no caso de medicamentos para doenças raras e ultrarraras; a existência de registro do medicamento em renomadas agências de regulação no exterior; e a inexistência de substituto terapêutico com registro no Brasil. Além disso, as ações que demandarem fornecimento de medicamentos sem registro deverão ser necessariamente propostas em face da União.

A regra geral da Lei 8.080/90 não nega o direito fundamental à saúde. “Trata-se de analisar que a arrecadação estatal, o orçamento e a destinação à saúde pública são finitos”, disse o ministro Alexandre de Moraes. Segundo o Ministério da Saúde, os dez medicamentos mais caros, destinados ao tratamento de doenças raras, representaram 87% do total de R$ 1,4 bilhão gasto em 2018 com a “judicialização da Saúde” – com decisões da Justiça determinando o fornecimento de remédios. Para atender 1.596 pacientes, o governo desembolsou R$ 1,2 bilhão, um custo médio de R$ 759 mil por paciente.

“Para cada liminar concedida, os valores são retirados do planejamento das políticas públicas destinadas a toda coletividade”, disse o ministro Alexandre de Moraes. A concessão sem critério de medicamentos pela Justiça não conduz à universalidade do atendimento de saúde pública, e sim à “seletividade, onde aqueles que obtêm uma decisão judicial acabam tendo preferência em relação a toda uma política pública planejada”, lembrou.

Em vez de representar um aperfeiçoamento do atendimento médico para a população, a excessiva judicialização da saúde gera desequilíbrios e disfuncionalidades no sistema de saúde pública. O Judiciário deve intervir apenas em casos excepcionais e, sempre, aplicando o mesmo critério. 

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