sábado, 25 de maio de 2019

Conversa com um leitor

- SAMUEL PESSÔA  FOLHA DE SP - 19/05

Uma taxa de desemprego de 6% não constituiria um equilíbrio macroeconômico

Ricardo Knudsen, meu leitor assíduo e crítico feroz, fez diversos comentários à coluna anterior, que tratara do RGPS (Regime Geral de Previdência Social).

Argumentei que a redução do desemprego geraria no máximo R$ 30 bilhões (provavelmente bem menos) e que o sistema apresenta desequilíbrio. Para Knudsen, a receita adicional seria de R$ 60 bilhões.

Ponderei também que, se considerássemos o RGPS como um regime de capitalização —isto é, que o segurado investisse, ao longo da vida, a sua contribuição (ambas, patronal e do trabalhador) em uma aplicação financeira—, a taxa de juros, ou taxa interna de retorno (TIR), para garantir o equilíbrio teria 
que ser de 5,32% ao ano.

Knudsen argumenta que, se nos restringirmos aos benefícios da aposentadoria por tempo de contribuição, a taxa será de 3,8%, média entre homens e mulheres. Se nos restringirmos aos homens, será um pouco menor.

Ambos nos baseamos no trabalho de Luís Eduardo Afonso, publicado na Revista Brasileira de Economia do primeiro trimestre de 2016. Nossas diferenças são, portanto, de hipóteses e de interpretação.

Voltando ao primeiro tema: qual será o ganho de receita da Previdência após a normalização do mercado de trabalho? Knudsen considera queda do desemprego de seis pontos percentuais, de 12% para 6%, e que todo o emprego gerado será formal com contrato de trabalho dado pela CLT. Sob essas hipóteses, o ganho de receita do RGPS será, segundo Knudsen, de R$ 60 bilhões.

Se os novos empregos gerados apresentarem o mesmo grau de formalização vigente hoje, de 50%, a receita deve aumentar metade, uns R$ 30 bilhões.

No entanto, as evidências que temos são que taxa de desemprego tão baixa não constitui um equilíbrio macroeconômico. Meu colega do Ibre Bráulio Borges calculou que a taxa natural de desemprego é de 9%, o que reduz a receita obtida pela Previdência com a normalização do mercado de trabalho (mantendo-se o grau de formalização atual) para R$ 15 bilhões.

Essas contas consideram que a alíquota média de contribuição de cada trabalhador é de 29%. Esse é o caso para o trabalhador CLT. Contudo, a alíquota média por trabalhador (CLT e não CLT) de contribuição efetiva ao RGPS é de 11,5%. O ganho de renda, se a queda do desemprego ocorrer mantendo-se as características do mercado de trabalho atual e sob a hipótese de taxa de desemprego de equilíbrio 
de 9%, será de R$ 6 bilhões.

Encaminho o leitor interessado ao post no Blog do Ibre de Daniel Duque (bit.ly/2W7mVi5), que apresenta diversos exercícios contrafactuais. Como se verá, no cenário otimista chega-se aos R$ 30 bilhões mencionados no início desta coluna.

Com relação ao segundo ponto, minha divergência é que a taxa interna de retorno (TIR) somente é um indicador de equilíbrio se o sistema for de capitalização.

Para a Previdência por repartição, o critério de equilíbrio é dado pela demografia.

A capitalização considera contas individuais —faria sentido, portanto, olhar o equilíbrio contrato a contrato, como faz Knudsen— e que os recursos são acumulados na forma de juros compostos.

O nosso regime é de repartição, envolve uma série de benefícios —aposentadoria por tempo de contribuição, por idade, auxílio-doença, aposentadoria por invalidez e pensão por morte, entre tantos outros—, além de haver um mútuo entre os segurados. Não faz sentido, penso eu, olhar o equilíbrio do sistema todo a partir da TIR deste ou daquele contrato.

Samuel Pessôa
Pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e sócio da consultoria Reliance. É doutor em economia pela USP.


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