*Maria Clara R. M. do Prado:
- Valor Econômico
Pesquisas têm revelado a expansão dos partidos eurocéticos, populistas e radicais de direita na preferência do eleitor
Em trajetória por diferentes cidades europeias, o filósofo francês Bernard-Henri Levy, trasvestido de "one man show", encenou a peça-monólogo de sua autoria "Looking for Europe" (Procurando pela Europa), entre os meses de março e maio. Em quase duas horas de espetáculo, um delirante personagem vocifera um texto solto, repleto de citações desamarradas, caminhando de um lado para outro, com um constante movimento de braços a marcar o ritmo da fala.
Considerações críticas ao espetáculo à parte, a romaria de Bernard-Henri, que começou em Milão e incluiu Barcelona, Atenas, Kiev, Budapeste, Gdansk, Berlim, Vinus e Viena, entre outras, buscou disseminar um alerta contra a tendência de crescimento dos partidos de extrema direita no continente e do populismo que ele reputa como "um vento mau que assola a Europa".
Em Lisboa, no dia 6 de maio, o escritor e filósofo enalteceu sob largos aplausos a Revolução de 25 de Abril, que havia recém completado 45 anos. A data encaixava-se bem no objetivo de reafirmar a importância da democracia e do multiculturalismo para a continuidade do projeto de Europa unificada, iniciado com a criação da Comunidade Econômica Europeia, em 1957. Para ele, vive-se hoje na região, como um pesadelo que regressa, os conflitos que marcaram o que ele chama de "miniatura da Europa que era a Bósnia há 25 anos".
A peregrinação de Levy, na tentativa de evitar que a Europa "sucumba à mediocridade e à covardia", coincidiu com as vésperas das eleições para um novo período legislativo do parlamento europeu, a serem realizadas neste mês, entre os dias 23 e 26, nos 28 países que hoje compõem a UE. Há, em verdade, uma grande preocupação por parte dos liberais e dos partidos de centro direita e de centro esquerda, sem falar nos intelectuais, com a perspectiva de que os partidos de extrema direita conquistem desta vez uma significativa presença na instituição que representa o segundo maior eleitorado no mundo. A rigor, estas eleições são vistas como a mais importante de todas para o parlamento europeu.
Motivos não faltam. Para começar, a indefinição sobre a conclusão do Brexit criou um problema de última hora com relação ao tamanho do parlamento. Desenhado para abrigar 751 assentos, foi reduzido para 705 pelas autoridades europeias na certeza de que na época das eleições deste ano as condições da saída do Reino Unido já estariam totalmente definidas. Diante dos sucessivos impasses políticos de Londres e contra a vontade da primeira-ministra Theresa May, o número de assentos voltou a 751 de modo a abrigar os parlamentares britânicos, sem que se saiba ao certo o que acontecerá quando o Brexit for efetivamente assinado.
A reviravolta abriu uma grande oportunidade política para Nigel Farage, ex-UKIP, um eurocético de primeira hora, que tem liderado as pesquisas de opinião no Reino Unido para o parlamento europeu com o seu atual partido, que ele chamou de Brexit.
Na sondagem realizada pelo Instituto Opinium para o jornal The Observer, no dia 12 de maio, o partido Brexit, de Farage, liderava as intenções de voto com 34% do total, uma participação maior do que a soma das preferências dadas ao partido trabalhista (21%) e aos representantes do partido conservador (11%).
No âmbito mais largo da UE, as pesquisas têm revelado a expansão dos partidos eurocéticos, populistas e radicais de direita na preferência do eleitorado. Diante do quadro, Levy teme o que chama de "terceiro suicídio da Europa" e diz que está na hora de lutar uma "nova batalha pela civilização".
Tem razão. O movimento em prol das bandeiras nacionalistas está em plena marcha. O maior líder da extrema direita na Europa hoje, o vice-presidente e ministro do interior da Itália, Matteo Salvini, está à frente das articulações que visam a formação de um bloco, com vistas às eleições ao parlamento europeu, entre os diversos partidos que se posicionam contra a imigração, contra a UE, contra o pluralismo e que, via de regra, têm as mesmas posições sobre as questões de identidade. São contra o aborto e o casamento igualitário de gênero. Usam uma retórica eloquente, com ênfase nas palavras salvação, patriotismo e unidade nacional, sempre priorizando os naturais de cada país.
Salvini tem pretensões de promover o populismo de direita no mundo e já conseguiu formalizar uma aliança entre o seu partido, a Liga, com o AfD da Alemanha, o Finns da Finlândia, o Partido Popular Dinamarquês, o austríaco Partido da Liberdade e com o francês Agrupamento Nacional, ex-Frente Nacional, de Marine Le Pen.
Outros partidos radicais de direita estão na mira, como o Partido Lei e Justiça (PiS) que lidera o governo na Polônia, o partido Liberdade e Democracia Direta (SPD) da República Checa, o Partido da Liberdade holandês, o Movimento 5 Estrelas, também italiano, e o Vox, que nas eleições do último abril conseguiu garantir 24 cadeiras no parlamento espanhol. O Fidesz, que governa a Hungria, tem feito parte da coalizão do Partido Popular Europeu.
Há no meio político europeu um grande esforço dos representantes dos partidos moderados junto aos eleitores para que a maioria das cadeiras no parlamento europeu continue com os partidos de centro, centro-direita e centro-esquerda, e com os liberais.
Mais do que em qualquer outro lugar no mundo, todos na Europa se lembram das consequências da ascensão ao poder, nos anos 30, do Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães, sucessor do Partido dos Trabalhadores Alemães, fundado em 1919 como um partido de extrema-direita que pregava o fim da República de Weimar, o antissemitismo e o antibolchevismo. Cresceu com a convicção dos eleitores alemães de que seria a salvação da cultura ocidental, um lema que volta a ganhar espaço político 74 anos depois do mundo ter se defrontado com a vergonha do holocausto.
*Maria Clara R. M. do Prado, jornalista, é sócia diretora da Cin - Comunicação Inteligente e autora do livro "A Real História do Real".
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