Paulo Paiva
O Estado de S. Paulo
Preocupado, o mundo acompanha os desdobramentos da crise de 2008/2009. Na Europa, as finanças de Grécia, Irlanda, Portugal, Espanha e Itália estão fragilizadas. Os Estados Unidos vivem momentos difíceis, com necessidade de ampliar o seu já elevado nível de endividamento para fazer face às despesas correntes do governo. O mercado reage rapidamente, como se pode verificar pelo comportamento das bolsas por toda parte, e a insolvência pode atingir vamos bancos que carregam títulos dos países em dificuldades.
Por envolver também riscos soberanos, e não apenas desequilíbrio do sistema financeiro, a crise agora é muito mais grave. É o centro da economia de mercado que está em risco. O dólar, que ainda e usado como meio de pagamentos, medida e reserva de valor nas transações comerciais e financeiras internacionais, pode perder seu lugar privilegiado no mundo.
As economias emergentes, mais urna vez, parecem imunes às turbulências ou, quem sabe, surgem como a própria solução da crise.
Como no clássico conto de Nikolai Gogol, lendo os jornais diários, diria o dedicado funcionário público, em rápido processo de esquizofrenia: "Na Espanha estão acontecendo coisas estranhas ... o trono está vago".
Logo após 2ª Guerra Mundial, acordo celebrado em Bretton Woods fixou a paridade do ouro ao dólar permitindo estabilidade nas relações entre as diferentes moedas e, em consequência, a expansão do comércio internacional. Isso foi fundamental para o crescimento da economia mundial entre as décadas de 1950 e 1970. Mesmo com o abandono da paridade, decidido no início dos anos 70 unilateralmente pelo governo americano, o dólar continua sendo a moeda utilizada nas transações comerciais entre as nações. A perda gradativa da supremacia econômica dos Estados Unidos sugere que o dólar poderá, em futuro não tão distante, ser substituído por outra moeda. Esse tema foi objeto de um interessante livro - Exorbitant Privilege - publicado no início deste ano pelo professor da Universidade de Berkeley Barry Eichengreen.
O euro, que poderia substituir o dólar em suas funções nas transações internacionais, vive atualmente sob grande estresse. Diante do agravamento da crise e do risco de sua propagação para outros países europeus, não é absurdo supor que um dos cenários possíveis será o rompimento do acordo de moeda comum - o fim do euro. A Inglaterra não o adotou e a Alemanha e a França terão dificuldades em assumir, sozinhas, o ônus da crise de outros países da comunidade europeia apenas para salvar sua moeda Única. Poderão, então, abandonar o euro.
No lado asiático, as possibilidades são poucas. O Japão vive um período de baixo crescimento, sua economia é relativamente pequena e sua política externa do pós-guerra nunca foi da busca de hegemonia, como assinalou Eichengreen.
Resta a solução vinda, desta vez, dos emergentes. A China, em expansão, deverá nos próximos 20 anos ter sua economia equiparada em tamanho à americana. Contudo, a fragilidade de sua estrutura financeira e seu regime político não favorecem a aceitação do yuan como moeda nas transações comerciais e financeiras internacionais.
O Brasil é uma democracia consolidada, o real está forte e a economia brasileira está em expansão, com um pujante mercado interno e um sistema financeiro consolidado. Então, Poprichin, o dedicado funcionário público do Diário de Um Louco, voltaria a dizer: "A Espanha já tem um rei ... Esse rei sou eu".
Não vamos cair em tentação, mas sim cair na real. Nos anos 70, o governo militar nos legou uma crise muito maior do que aquela que teríamos tido se não tivéssemos, à época, acreditado que, o Brasil era uma ilha de prosperidade. É hora de cautela, humildade e austeridade na gestão da economia para enfrentar as ameaças externas. Dessa crise os emergentes não estão protegidos. Vamos deixar as fantasias para os contos e os loucos.
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