Rubens Barbosa
O Estado de S.Paulo
Em recente mesa-redonda organizada pelo Instituto Fernando Henrique Cardoso para discutir o papel do Brasil na América do Sul foram ressaltadas, entre outros aspectos, a inexistência de uma estratégia mais clara e ambiciosa do País e a perspectiva de que uma evolução inercial do relacionamento leve à redução gradual do peso da região na agenda de política externa.
Os países da América Latina vivem um momento muito positivo em sua história de desacertos políticos e econômicos. Eles conseguiram manter a estabilidade econômica, dispõem de uma variedade de produtos agrícolas e de minérios com forte demanda no exterior e têm um mercado interno em franco desenvolvimento pela emergência de uma vigorosa classe média. Segundo análise da Cepal, a América Latina e o Caribe cresceram 6% em 2010, quase o dobro da média global. Em 2011 a América do Sul se manterá acima da média, com uma expansão projetada de 4,5%.
Não se pode examinar a relação do Brasil com a América do Sul sem levar em conta a crescente presença econômica e comercial da China (o principal parceiro comercial do Brasil e de diversos outros países) e seu impacto sobre as ações políticas e econômicas do País na região.
O Banco Interamericano de Desenvolvimento recentemente divulgou estudo sobre as relações América Latina-China na primeira década do século 21. O trabalho mostrou que os países latino-americanos tiveram uma visão romântica das vantagens do intercâmbio com o país asiático. Apenas soja, ligas e minério de ferro respondem por 57,8% de tudo o que é vendido à China e o Brasil, em particular, apresentou nos últimos anos alguns déficits na balança comercial e um altíssimo déficit na balança industrial. Por outro lado, com reservas de mais de US$ 3 trilhões, a China transformou-se no quinto investidor do mundo. Em 2010 foram investidos mais de US$ 50 bilhões na compra de minas de minério de ferro, poços de petróleo, empresas e terras, sobretudo na América Latina e na África.
Os investimentos e as exportações chineses na região passaram a competir com empresas brasileiras e começam a ganhar mercados até aqui explorados pelo Brasil. Dessa forma, o País não terá alternativa senão focalizar a China como competidora, no mercado interno e no regional, deixando de lado a visão ingênua do começo da década, exemplificada pela concessão do status de economia de mercado à China. A defesa dos nossos interesses passa pela melhoria da competitividade dos nossos produtos, mas também por mecanismos ágeis de defesa comercial contra práticas agressivas de concorrência desleal e mesmo de triangulação no próprio Mercosul.
Embora a América do Sul seja a principal prioridade da política externa e a integração regional nela ocupe papel central, o Brasil não está aproveitando o bom momento por que passa a economia da região para ampliar sua presença econômica e comercial. A Ásia e a Europa estão à frente da América do Sul como os principais parceiros comerciais do Brasil. Em termos de investimento, as empresas brasileiras estão reduzindo sua presença no mercado regional, de 5,9% do total investido em 2006 para 1,7% em 2010.
A estagnação do processo de integração, inclusive com as dificuldades institucionais do Mercosul e a instabilidade das regras em muitos países da região, além das oportunidades abertas pela crise econômica na Europa e nos EUA, explicam, em grande parte, a relativa perda de interesse do Brasil nos últimos anos, apesar da retórica oficial em sentido contrário. O País pouco fez para estancar a fragilidade institucional do bloco em decorrência do seguido descumprimento do Tratado de Assunção e as propostas que apresentou para tentar revitalizar o Mercosul terão poucas chances de êxito.
No complexo quadro de transição que a região atravessa, impõe-se, como interesse brasileiro, uma visão estratégica de médio e longo prazos que poderia incluir:
Negociar a ampliação dos acordos bilaterais com todos os países sul-americanos, garantindo aos nossos vizinhos ampla abertura do mercado brasileiro.
Negociar acordos de garantia de investimentos, para proteger as empresas nacionais, e de bitributação, para facilitar nossa penetração nos mercados da região.
Manter a prioridade do processo de integração regional, com atenção especial para a infraestrutura, a energia e o intercâmbio comercial, e retomar projetos de construção de rodovias e ferrovias, estratégicos para permitir que as exportações de produtos brasileiros para a Ásia saiam a partir de portos do Peru e do Chile.
Manter o apoio ao Mercosul, como um processo que a longo prazo levará a uma crescente integração comercial dos países do Cone Sul. Para benefício de todos os países-membros, a decisão que determina que os membros do Mercosul negociem acordos comerciais com uma única voz deveria ser flexibilizada para permitir que cada país possa negociar individualmente sua lista de produtos. A equivocada entrada da Venezuela é uma questão de tempo e uma avaliação objetiva sobre seus efeitos é muito difícil de ser feita hoje.
O crescente peso econômico do Brasil na América do Sul (mais de 55% do PIB regional) e no contexto global, além da intensa participação nas discussões sobre temas globais e no grupo dos Brics exigirão do Brasil definição clara de nosso interesse e respostas rápidas e transparentes aos desafios apresentados pelo novo quadro político na região.
Mesmo que a economia continue a crescer a altas taxas de maneira sustentável nos próximos anos, a expansão do Brasil para além da América do Sul não deveria reduzir o nosso interesse - em novas bases, é verdade - pelo mercado regional, que representa mais de 350 milhões de consumidores.
PRESIDENTE DO CONSELHO DE COMÉRCIO EXTERIOR DA FIESP
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