Entrevista
Cristina Alves e Liana Melo
O Globo
Ex-presidente do Banco Central afirma que para inflação convergir para a meta em 2012, deveria cair já este ano
O sócio-fundador da Gávea Investimentos e presidente do Conselho de Administração da BMF&Bovespa, Arminio Fraga, acha que a Europa está despreparada para lidar com a crise que se abateu sobre o continente: "Acho que há uma certa perplexidade entre os dirigentes europeus. Estavam acostumados a ver a crise nos países em desenvolvimento". Os EUA, por sua vez, responderam à crise de forma rápida, mas agora há um embate feroz sobre a dívida, sem que os republicanos queiram ceder: "A política americana é feita com "P" minúsculo", resume. Ele evita críticas ao Banco Central, que presidiu durante o governo FH, mas acha que o ritmo das intervenções na área cambial deveria ser reduzido.
ARMINIO FRAGA diz que política nos EUA é feita com P minúsculo
Em recente editorial, o jornal britânico "Financial Times" escreveu que a economia brasileira está difícil de pedalar. O senhor concorda?
ARMINIO: Nunca é fácil pedalar. Só que ainda está mais difícil pedalar na Europa do que aqui. O choque lá está sendo maior do que se imaginava mesmo há um ano, quando a crise estourou. A discussão agora mudou de patamar, depois que atingiu a Itália. Olhando de longe, parece que eles estão assustados. Talvez eles não estejam é preparados para lidar com a situação atual de crise.
O senhor acredita que a crise na Europa está se aprofundando?
ARMINIO: Inicialmente, eles montaram o Fundo Europeu de Estabilização Financeira para depois irem ao Fundo Monetário Internacional (FMI). É que, num primeiro momento, as lideranças europeias queriam evitar recorrer ao FMI. A crise na Grécia, por exemplo, está se mostrando, a cada dia que passa, mais difícil. Portugal está conseguindo fazer algumas reformas, enquanto a Irlanda, particularmente, temos que admitir que fez um ajuste econômico muito bom. Já a Espanha, que também teve seus momentos de tensão, vem conseguindo ainda ter acesso aos mercados. Agora a crise chegou à Itália.
Como a Itália é uma grande economia, com PIB de US$2 trilhões, o senhor acha que a discussão mudou de patamar?
ARMINIO: Além de ser uma economia grande, é um país bastante endividado. Mas diga-se a favor da Itália, que o país vinha executando uma política fiscal mais conservadora do que a de outros países da zona do euro. Além de ter um sistema financeiro que não viveu uma bolha. Tanto assim que a percepção é de que os bancos têm ativos normais e não superaquecidos, como ocorre em outros mercados. Ainda assim, o país precisa de um financiamento relativamente alto nos próximos 12 meses. Acho que há uma certa perplexidade entre os dirigentes europeus, porque eles estavam acostumados a ver este tipo de crise circunscrito aos países em desenvolvimento e não na Europa, uma economia madura e, institucionalmente, mais avançada.
O poder de contágio da crise pode acabar provocando um efeito dominó entre outros países da Europa?
ARMINIO: A Europa continua atrasada nas providências e soluções para enfrentar esta crise. Eles estão sistematicamente correndo atrás e não estão liderando este processo. Ainda assim, acho que esta crise para por aí. A Europa precisa voltar a trabalhar no sentido de um ajuste fiscal, porque os parâmetros de dívida e déficit público foram desrespeitados no Tratado de Maastricht. Os países da zona do euro tem registrado taxas de crescimento modesta. E crescimento econômico é fundamental para diluir problemas. É o caso da China, que, há uns 15 anos, teve problema com seus bancos e, hoje, devido a seu alto grau de crescimento, vem conseguindo diluir o impacto deste problema. Se, no passado, este problema representava 50% do PIB chinês, hoje, este percentual não supera os 20%. Mas acho que a crise vai ficar circunscrita a esses países em que está.
Com essa crise, o euro está sob ameaça?
ARMINIO: A União Europeia significa muito mais do que uma simples união econômica. É um projeto político. Acredito, sinceramente, que, ao fim deste processo todo, deve prevalecer a visão política e os líderes do euro vão acabar fazendo os sacrifícios necessários para garantir a sobrevivência do euro. Nós, aqui no Brasil, vivemos uma versão desta crise no passado. Foi o que o Pedro Malan (então ministro da Fazenda) chamou, à época, de "união monetária imatura". Ele se referia obviamente às finanças estaduais. E, em resposta, os Pedros, o Malan e o Parente (então ministro da Casa Civil), criaram a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Eles propuseram também a reestruturação das dívidas dos bancos estaduais. Lá, o risco é que haja um colapso de confiança. Isso deve ser evitado a qualquer custo.
Se para a Europa, a crise é uma novidade, para o Brasil é um lugar comum, já que estamos acostumados a conviver com crises?
ARMINIO: Em 2002, por exemplo, o Brasil administrou uma crise de confiança bastante difícil. Parte da resposta dada àquela crise foi conseguir uma linha de financiamento de US$30 bilhões. Parte deste valor seria desembolsado no governo FH e a maior parte dos recursos no governo do ex-presidente Lula, durante seu primeiro mandato. Era uma injeção de capital que, à época, representava 5% do PIB, ou seja, uma proporção infinitamente menor do que os pacotes que estão sendo aprovados na Europa para contornar a crise. Ou seja, são valores que giram em torno de 50% ou mais do PIB dos países que estão sendo ajudados. São financiamentos enormes.
A crise americana é mais grave que a europeia?
ARMINIO: De jeito nenhum. Os Estados Unidos reagiram à crise de forma rápida e decisiva. O problema é que os EUA têm um déficit fiscal imenso e uma dívida pública perto de 100% do PIB. Achei lamentável que a proposta do presidente Barack Obama de promover um forte corte de gastos e promover um ligeiro aumento de impostos tenha sido rejeitada. Fiquei surpreso. Sempre achei que os republicanos tivessem uma posição clara de preferir ajuste de gastos a aumento de impostos. É uma visão pequena, de política com "P" minúsculo.
E o debate econômico no Brasil? Melhorou?
ARMINIO: Vejo hoje no Brasil um debate muito saudável, muito rico, feito em alto nível. O governo tem uma certa simpatia pelo capitalismo de Estado, que nós conhecemos bem. Não sou radical, esse é um tema bom. Por exemplo, o papel das agências reguladoras diminuiu no governo Lula e acho que agora vai voltar a ter mais força no governo Dilma.
Falando nesse capitalismo de Estado, a possibilidade de a BNDESPar participar da fusão do Pão de Açúcar com o Carrefour foi bombardeada... O senhor concorda com a ação do BNDES hoje?
ARMINIO: Acho que aquilo foi um acidente de percurso.
O que é preciso fazer para a taxa de investimento aumentar no Brasil?
ARMINIO: O Brasil tem uma agenda de trabalho, na área econômica, bastante extensa e importante. Precisa ter uma visão de longo prazo, melhorar a educação e criar condições para a taxa de juros cair. Assim também não colocaria tanta pressão sobre a taxa de câmbio (com os juros altos, o país atrai mais dinheiro do exterior e essa enxurrada de dólares deixa o real cada vez mais valorizado). O Brasil é vítima do seu próprio sucesso. O governo está disposto a mexer nos juros, há todo um discurso da presidente Dilma pela meritocracia, pela eficiência do setor público, que me impressionou muito. Vivemos um período de aumento de consumo, tem a ver com justiça social, mas tem que tomar certo cuidado, porque tomar um porre de crédito é perigoso... O Brasil tem várias áreas para trabalhar. Não é à toa que nosso PIB per capita é mais ou menos 20% do PIB per capita americano. Vamos ter que investir mais e educar melhor.
"A inflação teria que ficar abaixo de 6% este ano"
O presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, já anunciou que a inflação só volta para o centro da meta em 2012. Ele consegue?
ARMINIO FRAGA: Acho uma decisão razoável. O problema é que, para isso, a inflação já deveria estar começando a convergir ainda este ano para a meta. O ideal seria ficar abaixo de 6% (as projeções estão em torno de 6,3%).
Como o senhor avalia a atuação do BC no câmbio?
ARMINIO: Tenho bastante simpatia pelo modelo de câmbio flutuante. Acho que o governo não deveria abrir mão de promover intervenções no mercado, mas deveria começar a pensar em menos intervenção.Tenho dúvidas se todas essas intervenções serviram para alguma coisa.Talvez tenha suavizado o percurso, mas, paradoxalmente, talvez tenha empurrado o câmbio ainda mais para baixo.
Os mecanismos de financiamento no país estão adequados para sustentar o crescimento?
ARMINIO: O BNDES tem cumprido um papel preponderante no financiamento de longo prazo. Mas já começa a dar sinais de que não terá condições de manter este ritmo. O banco deveria começar a exigir cofinanciamento nos seus empréstimos. Só assim forçaria o setor privado a desenvolver um mercado de longo prazo. O governo vem avançado.
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