A capacidade de relativizar a corrupção é antiga em nossa sociedade remontando de nossa colonização quando portugueses estimulavam as relações de "cumpadrio" com representantes e prepostos da corte.
O motivo pelo qual a sociedade se manteve assim, muitos anos após sua colonização e instauração da República é por comodidade e ter a oportunidade, individual, de participar em oportunidades próximas da divisão do bolo. Pistolões, apadrinhamentos e indicações com outros favorecimentos sempre foram aceitos e fizeram parte do "imaginário coletivo". Algumas importantes informações ajudam a dar o tônus dessa "abulia" democrática que estamos mergulhados há anos.
Quanto a pouca vontade de mobilização a reportagem de Reinaldo Azevedo, na Veja, (Por que o brasileiro não se indigna e não vai à praça protestar contra a corrupção?) mostra com mais profundidade esse problema.
Ademais, ressalta uma enorme imaturidade democrática que levaremos anos para dela nos livrarmos.
Por quê?
Jaqueline Falcão e Marcus Vinicius Gomes*
O Globo
INDIGNAÇÃO EM FALTA
Brasileiros saem às ruas em causas próprias, mas não contra a corrupção
SÃO PAULO e CURITIBA. Em meio a escândalos de corrupção como os descobertos no Ministério dos Transportes, por que os brasileiros não saem às ruas contra esses desmandos? Organizadores de marchas pela legalização da maconha e pelos direitos dos gays, que lotaram as ruas de grandes cidades recentemente em defesa de suas causas, arriscam um palpite: a apatia seria causada por outro mal do Brasil, a impunidade.
O cientista político Marco Magri, um dos organizadores da Marcha da Maconha, vê uma descrença generalizada por parte da população, principalmente porque os três Poderes (Executivo, Judiciário e Legislativo) não têm dado respostas à sociedade contra a corrupção. Para Magri, o sistema de controle do combate à corrupção no Brasil está contaminado.
- Infelizmente, esse tipo de debate é dominado por essas três esferas de poder. Você tem um juiz julgando um deputado. Um funcionário do Executivo cria uma norma que o juiz seguirá. E o deputado vota a lei. Aqueles que deveriam ser o poder de controle um do outro não estão agindo - analisa Magri.
Ele acha que falta definir um objetivo específico para uma marcha contra a corrupção:
- Não existe um pedido específico nem mecanismos para concretizar uma luta. Iria para a rua pedir o quê? Para a lei ser cumprida? Para que deputados corruptos sejam punidos?
Para Ideraldo Beltrame, presidente da associação que organiza a Parada Gay em São Paulo, os movimentos gay conseguem levar multidões às ruas porque envolvem questões mais práticas:
- São questões objetivas e, normalmente, relacionadas aos direitos de grupos vistos como minorias. E também a corrupção é algo pulverizado, não palpável - diz Beltrame.
O fato de a população ter pontos de vista diferentes sobre o assunto também enfraquece a mobilização. Na visão de Beltrame, mesmo com a corrupção presente no dia a dia, as pessoas só têm a percepção dela quando há um grande escândalo, mas acabam achando que não adianta protestar.
- O movimento dos jovens que pintaram a cara, em 1992, pedindo o impeachment do então presidente Collor foi contra um tipo de corrupção. Mas, como a corrupção no Brasil já é crônica, acontece em diferentes momentos e em diferentes setores da sociedade, as pessoas ainda não incorporaram, como aspecto de cidadania, a luta contra a corrupção de maneira mais ampla - afirma Beltrame.
Movimentos foram cooptados
O presidente do Instituto Brasil e África, Saul Dorval da Silva, membro da Comissão de Política Étnico Racial (Comper) de Curitiba, é mais crítico. Para ele, a ausência de bandeiras contra a corrupção nas manifestações sociais deve-se em grande parte ao atrelamento dos movimentos estudantis e sindicais ao governo:
- A UNE virou um aparelho do governo na era Lula, assim como as centrais sindicais. Sem eles, as minorias voltaram-se para sua própria pauta - diz ele.
Já a coordenadora de logística Manoela Martins, uma das organizadoras da Marcha das Vadias, realizada ontem em Curitiba, diz que a ausência de reivindicações contra a corrupção no protesto se deve ao seu caráter suprapartidário.
- Não queremos partidarizar o movimento. Se levantarmos a bandeira contra a corrupção no governo do PT, por exemplo, estaremos atendendo apenas aos adversários do partido e perdendo o foco da nossa reivindicação, que trata da violência sexual contra a mulher.
A posse de deputados barrados pela Lei da Ficha Limpa e que foram liberados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) foi uma oportunidade não aproveitada pela população de ir às ruas, segundo Beltrame:
- Seria uma oportunidade de tentar garantir que, naquela eleição, quem tivesse ficha suja não se elegeria - diz ele.
* Especial para O GLOBO
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