quinta-feira, 28 de julho de 2011

O G-8 e o desalinhamento deste século

 Jean-Pierre Lehmann
Valor Econômico


A incapacidade de se modernizar pode sair extremamente caro

Na última década, o mundo sofreu uma grande transformação: entre 2000 e 2010, a participação no PIB mundial das três principais economias emergentes - China, Índia e Brasil - dobrou. Tal evolução reflete não somente as mudanças que ocorrem dentro dessas economias em desenvolvimento, mas também entre elas. Mais chineses têm visitado a África nos últimos dez anos do que europeus nos últimos 400! A participação da China no comércio mundial foi de 2% em 1990, abaixo de 4% em 2000 e, agora, está em 11%. Entre 2000 e 2010, as exportações do Brasil para a China aumentaram cerca de 20 vezes - antes, a China era um pontinho distante no horizonte comercial brasileiro e hoje é seu maior parceiro comercial, superando os EUA e a UE.O otimismo nas economias emergentes contrasta com a melancolia na UE, Japão e EUA. Devido à crise na Zona do Euro, a Europa está em situação pior do que as economias do Leste Asiático na crise financeira de 1997/98, quando autoridades ocidentais expressaram descontentamento com o "capitalismo de compadres" da Ásia. O declínio da Europa como força econômica parece irreversível também por razões demográficas: a proporção dos europeus em relação à população mundial caiu de 25%, em 1900, para menos de 10% em 2011. Segundo estatísticas do FMI, a fatia do PIB mundial da Europa (em paridade de poder de compra) diminuirá de 25%, em 2000, para 18%, em 2018.

Se um marciano visitasse Deauville, resort-sede da recente reunião do G-8 no final de maio, ele dificilmente teria notado essas mudanças profundas. O G-8 foi realizado na Europa, sob um presidente europeu (Sarkozy), dominado por países europeus, que apoiaram uma candidata europeia (Christine Lagarde) para suceder Dominique Strauss-Kahn, outro ex-ministro das finanças francesas, na chefia do FMI. Os europeus argumentam que a razão de se ter um líder do próprio continente se deve à tradição de haver um europeu no FMI e um americano no Banco Mundial, e ao fato de que 80% dos empréstimos do FMI são destinados à Europa, onde há maiores riscos.

Seguindo essa lógica, um mexicano deveria ser líder do FMI na época da crise do México, um asiático no momento da crise do Leste Asiático, etc. E quanto à "tradição", bom, tradições têm de se adequar aos tempos. Sociedades incapazes de se adaptarem, inevitavelmente degeneram. Esse foi o caso da China, por cerca de 200 anos. Até que o país abraçou a globalização no final de 1970 - e não olhou para trás desde então.

O desenvolvimento das sociedades depende de sua propensão a se adaptar e da qualidade de sua governança. Embora as tecnologias e os mercados tenham mudado, evoluções na governança global, com poucas exceções, não aconteceram. Enquanto as posições entrincheiradas - como a direção do FMI - foram zelosamente guardadas.

A composição do Conselho de Segurança da ONU reflete as realidades em 1945; e as perspectivas de mudança são extremamente improváveis. A Organização Mundial do Comércio está estagnada e incapaz de concluir sua atual rodada de negociações (Doha), enquanto o mundo real do comércio está crescendo em inúmeras novas direções.

O G-6 foi fundado em 1975 (no ano seguinte tornou-se o G-7, com o Canadá). Naquele ano, a ideia de reunir informalmente os líderes das principais economias do mundo para resolver problemas e estabelecer confiança fazia muito sentido. Após trinta anos de crescimento pós-guerra e de emprego quase pleno, a crise do petróleo de 1973 provocou enorme impacto, resultando na pior crise econômica desde a década de 1930. França, Itália, Alemanha, Reino Unido, EUA, Canadá e Japão eram, sem dúvida, os maiores poderes econômicos. China, Índia, Brasil e todas as outras economias emergentes, bem como os estados comunistas, não figuravam entre eles e não eram vistos em fóruns oficiais ou não oficiais (ex: Davos).

Uma boa ideia em 1975, no entanto, tornou-se obsoleta em 2000. Em 2008, quando surgiu a recessão mundial, havia um elemento de inovação na primeira cúpula do G-20: em Washington, em novembro; seguida por outra reunião em Londres, em abril do ano seguinte. Ambas as reuniões do G-20 tiveram impacto na mitigação dos efeitos da "grande recessão". Esse é um bom exemplo de inovação institucional e adaptação.

Desde então, porém, o G-20 tem passeado sem objetivo, com muita retórica e pouca legitimidade. Tenho comparado o G-20 com o drama do autor surrealista Luigi Pirandello, em sua peça "20 personagens em busca de um autor". Estão todos no palco, mas não têm o script.

Os problemas do G-20 são agravados pela persistência do G-8. O último tem tentado se projetar como o "autêntico", ao passo que o G-20, com todos seus novos ricos - como Índia, China, Coreia, Brasil, México, África do Sul, Turquia, etc. - são meramente figurantes.

No mundo interconectado de hoje há uma grande preocupação com o desalinhamento entre as novas realidades e as estruturas de governança obsoletas. O alicerce da economia mundial recuperou-se dinamicamente da recessão em muitas áreas do mundo, a maioria em economias emergentes. A base da governança, no entanto, permanece fraca. É provável que haja outros choques na economia global nos próximos anos. Já que tantos negócios estão se direcionando para o mundo em desenvolvimento, a abolição do G-8 e o fortalecimento do G-20 seria um passo construtivo na direção certa. Acabar com a "tradição" de um europeu chefiando imperativamente o FMI seria outro.

A incapacidade de modernizar e fortalecer a governança e as instituições globais pode sair extremamente caro. É melhor agir agora.

Jean-Pierre Lehmann é professor de International Political Economy no IMD e diretor fundador do Evian Group no IMD.

Martin Wolf que escreve neste espaço às quartas-feiras, está de férias e retorna no fim de agosto
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