Editorial
Folha de São Paulo
Um levantamento preliminar realizado pela Polícia Federal confirmou a presença de cerca de 4.000 veículos roubados no Brasil, na última década, entre carros sem documentos cuja regularização é pleiteada na Bolívia.
A corrida para conseguir novos registros resulta de um programa de anistia lançado pelo governo Evo Morales. A iniciativa permite legalizar automóveis cuja propriedade e procedência não possam ser comprovadas com documentos por condutores bolivianos.
O objetivo do "recadastramento", dizem as autoridades do país vizinho, é aumentar o controle estatal e o recolhimento de impostos sobre uma frota que, até agora, não dispõe de registros.
Tem longa tradição o contrabando de veículos para a Bolívia, onde circulam desimpedidos. Diante disso, justifica-se o temor de nações limítrofes de que o gesto populista e arrecadador se converta em estímulo à violação da lei nos dois lados da fronteira.
Nada menos que 130 mil pedidos de legalização chegaram às repartições bolivianas em junho. Tais veículos representam mais de 10% da frota do país, e é razoável supor que tenham origem em roubo seguido de contrabando boa parte desses carros clandestinos (o restante pode muito bem ser de veículos cujos proprietários deixaram de licenciá-los por falta de recursos e de fiscalização, como também ocorre no Brasil).
O governo boliviano tem até novembro para analisar os pedidos e confirmar, ou recusar, a regularização dos automóveis. O governo brasileiro, contudo, não pode assistir inerte ao processo.
De imediato, é preciso exigir do país vizinho a devolução desses veículos a seus legítimos proprietários. Mas é também necessário reforçar o policiamento na fronteira para secar a fonte do mercado ilegal de automóveis na Bolívia e em outros países da região, que alimenta a violência nas grandes cidades brasileiras.
A situação de fato criada pela anistia na Bolívia propiciou um primeiro contato entre autoridades policiais sul-americanas para enfrentar um crime transfronteiriço por natureza. O Brasil deveria tomar a liderança para transformar essa coordenação embrionária numa organização permanente de controle da frota que circula pelo subcontinente.
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