O Estado de S. Paulo
O governo vê apenas o lado positivo do excepcional aumento do número de estrangeiros que obtiveram visto para o trabalho regular no País no primeiro semestre (26,5 mil, ou 19,4% mais do que nos seis primeiros meses de 2010). Para o ministro do Trabalho, Carlos Lupi, este é o resultado do crescimento da economia brasileira, que atrai trabalhadores de países que não vivem um momento tão favorável. Mas é preciso examinar o problema do qual o rápido crescimento da fatia do mercado de trabalho ocupada por estrangeiros dá apenas indicações: o da escassez de mão de obra qualificada, que o crescimento econômico tornará cada vez mais agudo se não for encarado com competência e presteza.
Com o aumento da produção, crescem os investimentos e a demanda por mão de obra, interna e externa. Como diz o ministro, "o Brasil virou a meca do trabalho para estrangeiros, especialmente para nossos vizinhos da América Latina". Na sua avaliação, porém, a mão de obra estrangeira ainda representa um contingente ínfimo se comparado com o tamanho da população, razão pela qual ele não vê riscos para o mercado de trabalho dos brasileiros. De fato, não se vê nenhuma ameaça ao emprego do trabalhador local na entrada de estrangeiros, como destacou o ministro.
Mas a qualificação dos estrangeiros que obtiveram visto para trabalhar no País neste ano mostra um outro aspecto da questão. De acordo com as estatísticas do Ministério do Trabalho, dos 26.545 estrangeiros que entraram no País no primeiro semestre, 23.483, ou 88,5%, têm pelo menos o segundo grau completo, sendo que 15.044, ou 56,7% do total, têm curso superior completo ou habilitação legal equivalente(e 997 têm pós-graduação ou título de mestre ou de doutor).
Esses dados indicam que muitas empresas podem estar buscando no exterior o profissional qualificado de que necessitam, mas não encontram aqui. O problema já afeta diversos setores econômicos e tende a se agravar nos próximos anos, em razão da demanda gerada por investimentos programados em setores como habitação, saneamento, energia, transportes, tecnologia de informação e turismo.
As conhecidas deficiências do sistema educacional impõem um pesado ônus ao País, que não conseguirá reformá-lo no curto prazo. Por isso, as empresas que mais sentem a carência de pessoal qualificado procuram treinar mão de obra por seus próprios meios, às vezes até mesmo no local de trabalho.
Nas crises pelas quais o País passou nas últimas décadas, profissões como a de engenheiro foram pouco estimuladas. Profissionais formados desistiram da carreira ou procuraram emprego no exterior. Hoje, o País se ressente fortemente da escassez desses profissionais. De acordo com o Conselho Federal de Engenharia e Arquitetura, no Brasil há 7 engenheiros por mil pessoas economicamente ativas, enquanto nos países industrializados esse índice varia de 12 a 24 por mil.
Pesquisa feita em escala mundial por uma empresa de recursos humanos e divulgada há alguns meses revelou que o Brasil é o terceiro país com mais escassez de talentos profissionais no mundo (o mais carente é o Japão, por causa do envelhecimento de sua população; em seguida, está a Índia, que se tornou um polo mundial de tecnologia de informação). Essa carência é notável na área técnica, sobretudo de engenharia, mas se estende a setores variados e a funções que vão de motoristas a operários e operadores de máquina.
Até a construção civil, que é a porta de entrada no mercado para trabalhadores sem qualificação, carece de profissionais. Faltam mestres de obras e montadores, por exemplo. Algumas construtoras treinam seus profissionais no próprio canteiro de obras. Em outros segmentos, é crescente a presença de mão de obra estrangeira.
São medidas de emergência, que não resolvem o problema essencial. É indispensável e urgente que o País prepare adequadamente, e na quantidade devida, a mão de obra necessária para o crescimento sustentado e para a melhoria das condições de vida da população.
.
Nenhum comentário:
Postar um comentário