sábado, 23 de julho de 2011

Uma história de duas classes médias no Brasil


Financial Times
São Paulo


Conversando com Melissa Beeby, você não saberia que o Brasil está passando por seu período mais próspero desde o “milagre econômico” do final dos anos 60 –como o último grande boom do país é conhecido.

Como para outros membros da chamada classe média “tradicional” do Brasil, as coisas se tornaram mais difíceis para Beeby nos últimos anos. Os preços da carne e da gasolina dobraram, os pedágios nas estradas subiram e comer fora ou comprar bens se tornou proibitivamente caro.

“A classe média está basicamente endividada. É assim que as pessoas se viram”, diz Beeby, que dirige The Bridge Restaurant dentro do Centro Brasileiro Britânico, em São Paulo. “As pessoas estão jantando mais em casa e, quando saem, vão para lugares mais simples.”

A história do sucesso do Brasil em retirar milhões de pessoas da pobreza ao longo da última década é uma história de duas classes médias.

Apesar do crescimento econômico não ter sido tão espetacular no Brasil quanto na China e na Índia, a uma média de 4% ao ano entre 2003 e 2010, o equilíbrio da distribuição de renda melhorou mais rapidamente na maior economia da América Latina do que em outros grandes mercados emergentes.

No Brasil, a renda dos lares desde 2003 subiu 1,8 ponto percentual ao ano acima da taxa do crescimento do produto interno bruto, auxiliada por aumentos generosos no salário mínimo e nos benefícios dos programas de bem-estar social. Na China, por sua vez, o aumento na renda dos lares fica 2 pontos percentuais ao ano atrás do crescimento do PIB.

No lado positivo, estimadas 33 milhões de pessoas ascenderam desde 2003 à chamada “nova classe média” ou acima. Hoje, 105,5 milhões de brasileiros, de uma população total de 190 milhões, fazem parte desse grupo, com renda doméstica entre R$ 1.200 e R$ 5.174. Os ricos também estão melhores, ao lucrarem com o mercado de ações, exportação de commodities e boom de consumo.

No lado negativo, dizem os sociólogos, estão aproximadamente 20 milhões de pessoas da chamada classe média “tradicional”, com renda doméstica acima de R$ 5.174. Diferente da Índia, onde a velha classe média se beneficiou com a criação de novas indústrias, como os serviços terceirizados de tecnologia da informação, muitos na classe média brasileira se queixam de aumento de preços, aumento de impostos, infraestrutura saturada e concorrência cada vez maior por empregos.

“Nos últimos 10 anos, a renda dos 50% mais pobres da população cresceu 68% em termos reais per capita, enquanto a renda dos mais ricos cresceu 10%”, diz o professor Marcelo Neri, da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e coordenador de um estudo em grande escala sobre a nova classe média brasileira.

Ainda mais surpreendente, a renda média de uma pessoa analfabeta cresceu 37% entre 2003 e 2009, enquanto a de uma pessoa com pelo menos ensino superior incompleto caiu 17%. “Está de cabeça para baixo”, diz o prof. Neri.

As mudanças representam um reequilíbrio histórico da riqueza que aguardava desde 1888, quando o Brasil foi o último país na Europa e nas Américas a abolir a escravidão, diz o prof. Neri.

“As rendas estão crescendo mais (rapidamente) nos grupos tradicionalmente excluídos da sociedade brasileira, como os não-brancos, mulheres, aqueles que vivem no Nordeste, nas favelas ou na periferia das cidades brasileiras”, disse o estudo do FGV.

O processo é movido em parte pelo maior acesso à educação. A nova classe média tem ingressado nas universidades particulares e nas escolas técnicas, começando a competir por empregos com a classe média tradicional.

Consciente de seu apoio entre os pobres, a presidente Dilma Rousseff lançou recentemente um novo programa de bem-estar social, visando retirar mais 16 milhões de pessoas da pobreza absoluta.

Mas esses programas não conquistarão votos entre a classe média tradicional, que está concentrada nos Estados industrializados do Sul e Sudeste do país, especialmente São Paulo. Alguns se queixam de que o governo ajuda os pobres por meio de benefícios e aumentos salariais, e os ricos por meio de empréstimos subsidiados para suas empresas. Isso enche a economia de dinheiro, provocando inflação, que o Banco Central tenta conter por meio de taxas de juros cada vez maiores, penalizando a classe média.

Apesar de muitos na classe média tradicional brasileira concordarem com a redistribuição de renda, eles se preocupam com quanto isso está lhes custando.

Beeby diz que sente a pressão de ambos os lados –como consumidora e como dona de um pequeno negócio. A alta do preço da carne a forçou a aumentar o preço de alguns pratos. “As pessoas que comem aqui também sentiram a diferença. Elas reclamam muito”, ela diz.

Tradução: George El Khouri Andolfato
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