O Globo
O novo presidente do Peru, Ollanta Humala, foi derrotado na primeira tentativa de se eleger, em 2006. Contribuiu para isso o fato de ele ter recebido apoio de Hugo Chávez em sua campanha. O país já vinha numa trajetória de crescimento, e o eleitorado, com razão, não quis dar a faca e o queijo a um adepto de algo tão arcaico, centralizador e estatizante quanto o chavismo, que certamente teria estancado o dinamismo da economia peruana.
Ao se reapresentar à eleição de junho, passados cinco anos, Humala tinha feito a transição do chavismo para o lulismo. Não se limitou a adotar o ex-presidente brasileiro como paradigma, mas contratou marqueteiros petistas para abrandar sua imagem de nacionalista com tinturas radicais. Derrotou uma instituição peruana, o fujimorismo, encarnado por Keiko, a filha mais velha do ex-presidente, hoje encarcerado. Humala vem seguindo a estratégia lulopetista com êxito, tomando o cuidado de pôr conservadores em postos-chave da economia para evitar sustos nos investidores e delírios heterodoxos. Na posse, porém, o ex-militar deu motivo para preocupação ao preferir não jurar sobre a atual Constituição fujimorista de 1993, mas sobre a anterior, de 1979. O gesto traz implícito o sinal de que Humala provavelmente buscará aprovar uma nova Constituição para o Peru. E este é o primeiro passo para a adoção do kit bolivariano, posto em prática por Chávez na Venezuela, por Morales na Bolívia e por Correa no Equador. O objetivo não é aperfeiçoar as instituições, mas submeter o país à camisa de força do autoritarismo bolivariano, que consiste em apequenar os poderes Legislativo e Judiciário, desarticular os partidos políticos com a criação de um grande bloco do "sim senhor", estatizar a economia, perseguir a iniciativa privada e calar as vozes dissidentes, seja na oposição ou na imprensa, na prática acabando com a liberdade expressão. No discurso de posse, Humala traçou a meta ambiciosa de erradicar a pobreza - 34% da população. Outro sinal preocupante, não pela promessa em si, meritória, mas porque se sabe que é impossível consegui-lo num mandato apenas. A não ser que o novo presidente tenha em vista adotar outro dispositivo comum ao bolivarianismo: a permanência, por longos períodos ou até por tempo indefinido, do primeiro mandatário no poder. Humala prometeu: "Teremos uma economia de mercado aberta e o Estado será promotor do progresso social." Parece perfeito. Mas ele deve ter em mente que a economia precisa continuar crescendo a elevadas taxas (10,7% em 2010). Que os programas de distribuição de renda necessitam ser eficazes, sem cair no assistencialismo. Deve evitar a armadilha do autoritarismo populista, a tentação do aparelhamento lulopetista do Estado - que eleva o gasto público e reduz a eficiência da máquina -, e do garroteamento da liberdade de expressão, admitindo críticas que lhe serão feitas pela imprensa independente, no devido papel de fiscalização. Deve evitar, enfim, a tentação de voltar à órbita chavista, o que não quer dizer que a rota do lulopetismo seja livre de percalços. No Brasil, as correntes chavistas dentro do governo foram contidas pelo próprio vigor das instituições e pela reação da sociedade. No Peru, isso ainda é uma incógnita.
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