quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

A crise não muda o rumo da Índia

Martin Wolf
Valor Econômico 

O que as crises financeiras e econômicas nos países de alta renda indicam para os países emergentes e em desenvolvimento? Abordei esse tema em Nova Déli na semana passada, numa discussão promovida pela Federação das Câmaras de Comércio e Indústria Indianas (FICCI), pelo Consumer Unity & Trust Society (CUTS) e pelo "Financial Times". A conclusão que tirei foi de que a crise é perigosa. Nem tanto por seus efeitos diretos, mas pelas lições que podem ser extraídas. É preciso aprender as lições corretas, e não as erradas.

Nos anos desde que a crise financeira se abateu sobre os países de alta renda, o desempenho econômico dos maiores países emergentes tem sido notável. Mesmo tendo em conta a desaceleração prevista para 2012 na recente atualização do World Economic Outlook, do Fundo Monetário Internacional, o Produto Interno Bruto (PIB) da Índia deverá crescer 43% entre 2007 e 2012. Isso é menos do que os 56% da China. Porém muito superior aos 2% nos países de alta renda.

Isso é uma revolução. E também revela uma grande medida de desacoplamento. Nós aprendemos, no fim de 2008, que um grande choque em países de alta renda afetaria negativamente as economias em desenvolvimento. Mas os gigantes asiáticos permaneceram relativamente pouco afetados. Eles encontraram maneiras de compensar o choque.

Os indianos deveriam resistir a esse discurso de que a crise provou que as economias de mercado não funcionam. Eles devem lembrar que as economias mais afetadas ainda são os países de alta renda, por uma boa razão. Aprenda com os erros. Lembre-se da razão.

Será que isso acontecerá novamente? O pior choque provavelmente poderia ser uma combinação de um salto no preço do petróleo - talvez na esteira de um conflito no Golfo - com um colapso da zona do euro.

Podem-se também identificar riscos no seio das grandes economias emergentes. A China, em particular, pode ser incapaz de contrabalançar outra profunda recessão nos países de alta renda com um grande aumento de investimentos financiados por crédito, como fez há três anos. De acordo com o economista Andy Xie, os investimentos em ativos fixos atingiram 65% do PIB. É quase impossível imaginar uma taxa de investimentos ainda maior sem criar riscos de enorme excesso de capital desnecessário e um colapso dos investimentos.

Na edição de janeiro de seu relatório Perspectivas Econômicas para o Mundo, o Banco Mundial observou que "as condições hoje são menos propícias aos países em desenvolvimento do que em 2008". A Índia tem déficits fiscais elevados e uma taxa elevada de rolagem para suas dívida pública. Com um déficit em conta corrente próximo de 4% do PIB em 2010, o país ficaria vulnerável a um outro grande choque mundial.

Mas essas ameaças diretas não devem ser exageradas, e por duas razões. Em primeiro lugar, os cenários são possíveis, mas longe de prováveis. Os riscos de desaceleração são grandes, como observa o FMI, mas são apenas isso: riscos. No fim das contas, a zona do euro poderá fazer a coisa certa.

Analogamente, o conflito com o Irã pode ser evitado. Em segundo lugar, um país vasto e relativamente pobre como a Índia (com um PIB per capita, em termos de paridade de poder de compra, apenas um doze avos do PIB americano), ainda pode gerar um crescimento rápido eliminando seu atraso, quase independentemente do ambiente mundial.

Analistas indianos argutos estão bastante conscientes de que os principais obstáculos ao rápido desenvolvimento econômico são internos, e não externos. Entre as restrições óbvias estão falhas de governança, como gastos desnecessários com subsídios em todos os níveis de governo, um histórico terrível em oferta de educação e saúde para a maioria da população, leis trabalhistas rígidas, infraestrutura inadequada e restrições onerosas ao uso eficiente da terra. Muito disso é explanado em excelente coleção de ensaios de Shankar Acharya, ex-assessor econômico chefe do governo indiano*. Mas essas deficiências são também oportunidades. Tendo em vista o desempenho da Índia apesar dessas desvantagens, imagine o que não poderia fazer sem elas.

O maior perigo de outro choque mundial seria indireto, e não direto. Ele viria por meio de retrocesso nas reformas. Posso ver duas ameaças.

A primeira e menos importante seria uma consequência de reações do mundo. Até agora, porém, parece improvável que a reação de agências regulamentadoras, pelo menos no mundo financeiro, prejudiquem a Índia. O sistema financeiro indiano, por exemplo, não ficaria pior por adotar as novas normas mundiais; provavelmente ficaria em melhor situação. A maior ameaça resultaria de imitar o protecionismo externo. Mas até agora, nada de muito grave ocorreu nessa área, embora riscos certamente existam.

A segunda ameaça, e bem maior, seria os indianos abraçarem indiscriminadamente as ideias de "capitalismo em crise". Da mesma forma, podemos lembrar, uma das piores consequências da Grande Depressão de 1930 foi a adoção de políticas de anti-comércio e anti-mercado em grande parte do mundo em desenvolvimento após a Segunda Guerra Mundial. Seria uma catástrofe se ocorresse alguma dessas reações, quando "reforma e abertura", como a chamam os chineses, começou a funcionar tão bem, mesmo na Índia.

O ponto crucial é que o que aconteceu não é uma crise da economia de mercado, mas de ideias equivocadas sobre ela. Devidamente apoiados e regulamentados, mercados competitivos continuam a ser os meios incomparavelmente mais bem sucedidos de gerar aumentos sustentados de riqueza. Isso está tão perto de ser um fato provado quanto provavelmente podemos aspirar em ciências sociais.

Para a Índia, onde tantos mercados são desnecessariamente e desastrosamente distorcidos por contraproducentes intervenções governamentais, isso continua sendo extremamente verdadeiro. Ao fazer o que não deveriam, os governos indianos com muita frequência deixaram de fazer o que deveriam: criar as condições para um crescimento sustentado e amplamente compartilhado. As reformas citadas acima continuam a ser essenciais. Nada mudou isso.

Portanto, o que deveria um país como a Índia aprender com a crise para a formação de suas próprias políticas? Sugiro duas grandes lições. Primeiro, o sistema financeiro é capaz de gerar enorme instabilidade e precisa ser monitorado. Em segundo lugar, a integração da Índia no sistema financeiro mundial tem de ser administrado com cuidado. Crises enormes podem ser social e economicamente administráveis em países de alta renda. Seriam extremamente irresponsáveis para um país como a Índia.

Quais são, então, as conclusões? Primeiro, o destino da Índia repousa, predominantemente, em suas próprias mãos. Em segundo lugar, as reformas que faziam sentido antes da crise fazem tanto, se não mais sentido, agora. Em terceiro lugar, a Índia deve proteger-se contra grandes riscos macroeconômicos, particularmente de excessivos déficits fiscais, integração mal administrada da integração ao sistema financeiro mundial e, no longo prazo, descontrole no crédito doméstico. Por último, os indianos deveriam resistir à noção de que a crise prova que as economias de mercado não funcionam. Eles devem lembrar que as economias afetadas ainda são países de alta renda, por uma boa razão. Aprenda com os erros. Lembre-se da razão. (Tradução Sergio Blum)

* India after the Global Crisis (A Índia após a crise mundial), Orient BlackSwan, 2012.


Martin Wolf é editor e principal comentarista econômico do FT.
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