sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

O público e seus problemas


Raghuram Rajan
Valor Econômico



Em recente visita à Europa, pude ver como economistas, jornalistas e empresários estão profundamente frustrados com seus políticos. Perguntam-se por que os políticos não conseguem ver o abismo à sua frente e não se unem para resolver de uma vez por todas a crise do euro?

Mesmo se não houver consenso sobre qual deveria ser a solução, será que eles não poderiam ao menos se encontrar e elaborar ponderadamente um plano que vá além das meias medidas que vêm sendo adotadas reiteradamente? Foi apenas graças à decisão arrojada do Banco Central Europeu (BCE) de emprestar aos bancos locais a longo prazo que pudemos ter algum alívio recentemente; ou é assim, pelo menos, que argumentam. Os políticos, em contraste, vêm decepcionando a Europa ao estar sempre atrasados em relação aos fatos. Por que eles têm tanta dificuldade em liderar o caminho?

Uma resposta que pode ser facilmente descartada é que os políticos simplesmente não entendem a gravidade da situação. Líderes políticos não precisam ser gênios da economia para compreender os conselhos que recebem e vários deles são tanto inteligentes como bem informados.

Uma segunda resposta - a de que políticos se preocupam com horizontes de curto prazo, em função dos ciclos eleitorais - pode guardar um pouco de verdade, mas é inadequada, porque muitas vezes as consequências adversas de medidas tímidas tornam-se visíveis bem antes que se candidatem para reeleger-se.

A melhor resposta que ouvi veio de Axel Weber, astuto observador político e ex-presidente do Bundesbank, o banco central alemão. Na visão de Weber, os políticos simplesmente não têm mandato público para antecipar-se aos problemas, especialmente problemas de caráter inédito e aparentemente pequenos de início, mas que quando não resolvidos resultam em custos potencialmente grandes.

Se o problema nunca foi visto antes, o público não está convencido dos custos potenciais da inação. E, se as medidas evitam as consequências do problema, o público nunca sofre a experiência da calamidade evitada; e os eleitores penalizam os líderes políticos pelos custos imediatos inerentes a essas ações. Mesmo quando os políticos têm plena noção do desastre que se aproxima caso nada seja feito, eles podem ver-se com pouca capacidade para persuadir eleitores sobre a necessidade de pagar os custos de curto prazo.

Falar é fácil e, na ausência de evidências em contrário, o "status quo" normalmente parece sentir-se suficientemente confortável. A capacidade de adoção de medidas corretivas pelos líderes, então, aumenta apenas com o passar do tempo, à medida que se sentem os custos da inação.

Hoje, uma calamidade ainda pode ser evitada, se houver uma escalada constante dos custos da inação. Os piores problemas, no entanto, são aqueles cujos "custos da inação" permanecem invisíveis por um longo período, mas que crescem de forma repentina e explosiva. No caso, quando o líder sente ter o mandato do público para agir, pode se tarde demais.

Exemplo clássico foram os alertas de Winston Churchill contra as ambições de Adolf Hitler. Os planos de Hitler estavam traçados em "Minha Luta - Mein Kampf" para que todos pudessem ler - e ele não os ocultava em seus discursos. Poucos na Grã-Bretanha, no entanto, lhes davam crédito e muitos pensavam que o comunismo era ameaça maior, especialmente nos anos sombrios da Grande Depressão.

O desmembramento da antiga Tchecoslováquia pelos nazistas em 1938 deixou claríssimo como havia sinceridade nas ambições de Hitler. Foi apenas depois da invasão da Polônia, no ano seguinte, no entanto, que Churchill foi indicado como Primeiro Lorde do Almirantado, cargo na época equivalente ao ministro da Marinha britânica. E ele se tornou primeiro-ministro apenas após a invasão da França em 1940, quando só a Grã-Bretanha restava de pé.

A Grã-Bretanha poderia muito bem ter se saído melhor se Churchill tivesse chegado ao poder antes, mas isso teria significado um dispendioso rearmamento, algo inaceitável enquanto houvesse a chance de que Hitler não passasse de um tigre de papel. E, é claro, teria significado confiar o destino da Grã-Bretanha a um político que, embora atualmente considerado um líder inquebrantável, na época era visto amplamente com desconfiança.

Os custos não lineares da inação são bem óbvios no setor financeiro. Ao mesmo tempo, os problemas do setor financeiro podem ser particularmente difíceis de resolver: se os políticos aventam a necessidade de medidas de forma muito enfática, para assim conseguir mandato para agir, podem acabar precipitando o próprio desmoronamento que buscam conter.

Entre a crise do Bear Stearns e a quebra do Lehman Brothers, o governo dos Estados Unidos pouco poderia ter feito para antecipar-se ao crescente problema (embora, é claro, as subscritoras de hipotecas Fannie Mae e Freddie Mac, com mandato governamental, tenham sido colocadas sob intervenção administrativa externa nesse meio-tempo). Foi necessário o pânico pós-Lehman Brothers para o Congresso autorizar a criação do programa governamental de recuperação de ativos problemáticos (Tarp, na sigla em inglês), oferecendo uma linha de socorro financeiro a bancos e à indústria automotiva, entre outros. E foram apenas as frenéticas medidas do Federal Reserve (Fed, banco central dos EUA) e do Tesouro americano (em conjunto com autoridades por todo o mundo) que evitaram um desastre sistêmico. O problema das hipotecas de baixa qualidade, que segundo as estimativas iniciais resultaria em perdas de algumas centenas de bilhões de dólares, acabou impondo custos muito maiores para todo o mundo.

Da mesma forma, os políticos da região do euro ganharam um mandato para adotar medidas mais ousadas apenas quando os mercados tornaram mais evidentes os custos da inação. Mesmo deixando de lado a tentativa compreensível da Alemanha de limitar quanto teria de pagar, é difícil ver como os políticos poderiam ter se antecipado ao problema.

Embora o BCE tenha comprado algum tempo para a região do euro, o efeito analgésico sobre os mercados pode ser uma faca de dois gumes. Será que os europeus vislumbraram o suficiente do abismo para tolerar medidas mais fortes de seus líderes? Talvez seja necessário que os mercados se deteriorem ainda mais.

Da mesma forma, com o rendimento dos bônus governamentais tão baixo como está agora nos EUA, o público tem pouca noção da urgência de seus problemas fiscais, embora alguns fatalistas venham esforçando-se ao máximo para despertá-lo. Espera-se que a aproximação da eleição presidencial dos EUA desencadeie um debate público mais esclarecido sobre a reforma tributária e dos programas de benefícios sociais. De outra forma, pode ser necessária uma rápida escalada dos rendimentos no mercado de bônus para que o público reconheça a existência de um problema; e para que os políticos tenham espaço de manobra para resolvê-lo.

Não culpem os líderes por parecerem indecisos e imediatistas; a culpa pode ser nossa, do público, por não dar ouvidos aos que mostram preocupação crônica. (Tradução de Sabino Ahumada)

Raghuram Rajan é professor de finanças na Booth School of Business, da University of Chicago, e autor de "Fault Lines: How Hidden Fractures Still Threaten the World Economy" (linhas de falhas: como fraturas ocultas ainda ameaçam a economia mundial, em inglês). Copyright: Project Syndicate, 2012.
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