Uma bem pertinente visão de como desperdiçamos, por mau gerenciamento dentre outros lamentáveis problemas.
Oligarquia, pré-sal, desabrigados e educação
Frederico Lisbôa Romão
Valor Econômico
Fatos sociais que a priori aparentam dissociação podem guardar entre si importantes conexões com interessante potencial heurístico. Esse é o caso de: a) inundações no Rio de Janeiro; b) Prova Brasil de 2009; c) Ministério da Integração Nacional; d) pré-sal e royalties. Não obstante possíveis dúvidas, a presente interpretação indica claramente que diferenciados números e eventos apontam insofismavelmente que o dinheiro do petróleo tem sido abusivamente desperdiçado.
O Estado do Rio de Janeiro é responsável pela produção de mais de 80% do petróleo brasileiro. A mesma legislação que identifica a produção situada a centenas de quilômetros da costa como de propriedade do Estado e municípios produtores do Rio destinou a esse Estado, na última década, quase R$ 47 bilhões em royalties e participações especiais.
Entre os recebedores fluminenses se destacam cinco municípios: Campos dos Goytacazes, Macaé, Rio das Ostras, Cabo Frio e Quissama. Os quais receberam cerca de: R$ 8 bilhões, R$ 3,8 bilhões, R$ 2,6 bilhões, R$ 1,6 bilhões e R$ 1 bilhão, respectivamente, ao longo dos anos 2000. O esperado é que esse plus orçamentário converta-se em melhorias sociais para as populações desses municípios.
80% do petróleo foi produzido no Rio, que recebeu em royalties R$ 47 bilhões na última década
De maneira oposta ao razoavelmente esperado, o ministro da Integração Nacional anuncia que dentre os 251 municípios brasileiros sob elevado risco no tocante aos conhecidos períodos chuvosos, a cidade fluminense de Angra dos Reis possui o maior número de habitantes em perigo. Nessa cidade, 44.967 pessoas ou 26% da sua população residem em situação de elevado risco. Ora, como explicar que se encontra em deplorável situação município que ocupa a sexta posição entre os que receberam maiores valores de royalties em 2011, um total de mais de R$ 83 milhões e que possui um Produto Interno Bruto (PIB) per capita de R$ 26.835,42.
Imediatamente ao anúncio do ministro, as chuvas traziam desabrigo para dezenas de milhares de habitantes do RJ; justamente na região recebedora e concentradora de referidos royalties. A cidade de Campos de Goytacazes destaca-se atualmente não por ser campeã no recebimento de royalties, mas pelo desabrigo dos seus moradores.
Como em outras oportunidades, as autoridades culparão a natureza pela edificação das serras e/ou pelo envio das chuvas.... Possivelmente nada será dito quanto à capacidade orçamentária municipal de realizar obras preventivas.
Reafirmando o mau uso dos recursos dos royalties, o resultado da Prova Brasil mostra que os Estados do Rio Grande do Norte e Sergipe, dois grandes recebedores de royalties, se destacam entre os piores desempenhos. A Prova Brasil serve para avaliar a proficiência dos estudantes e é utilizada no cálculo do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB). Ficar abaixo do básico nessa avaliação significa, do ponto de vista matemático, "não saber fazer as operações de adição, subtração, divisão ou multiplicação".
Com relação a português, o resultado ruim representa entre outros problemas a incapacidade de compreender a essência de um texto. No que diz respeito a língua pátria, o português, Sergipe e Rio Grande do Norte apresentaram, no quinto ano, 85,4% e 85,2%, respectivamente, abaixo do básico. Em matemática, para o mesmo quinto ano, os dois Estados citados apresentam desempenho ainda piores - 87,5% e 87,8%, respectivamente.
O fato de ser recebedor de royalties não foi capaz de livrar dos riscos das chuvas previsíveis e anuais as populações residentes nos municípios do norte fluminense. De igual modo, não melhorou o desempenho educacional nos estados de Sergipe e Rio Grande do Norte dentro de um processo que temos denominado de doença holandesa de tipo diferente.
As estimativas de reservas de óleo no pré-sal variam de 50 a 300 bilhões de barris, para uma extração anual de 2,5 bilhões de barris, ter-se-á uma capacidade produtiva que pode variar de 20 a 120 anos. Esses números probabilísticos podem gerar um excedente anual de renda petrolífera da ordem de US$ 75 bilhões a US$ 300 bilhões. São números verdadeiramente faraônicos.
A pergunta que se insurge e urge, a partir da observação de nossa falada tradição histórica é: quem se apropriará dessas riquezas?
As denúncias envolvendo o ministro Fernando Bezerra podem dar pistas sob os riscos que corre os brasileiros com o pré-sal. A família Coelho, da qual hoje o ministro é o maior dos seus próceres, controla parte importante da política de Pernambuco a mais de meio século.
A exemplo de outras oligarquias brasileiras, os Coelhos detêm uma invejável capacidade mimética. Enquanto o país estava sob o jugo dos medonhos coturnos, estava aquela família entrenhada na direita, com a ascensão de Lula passam a se pintar de vermelho. Transmutaram-se de sustentadores de ditadura militar para socialistas.
Pelas ditas denúncias tem-se a ideia de como as elites brasileiras assenhoram-se das estruturas de poder para reproduzí-lo em seu benefício particular, muitas vezes estritamente dentro da lei. Mesmo antes da produção em larga escala, o petróleo do pré-sal já produz grandes resultados. O bilionário Eike Batista, proprietário da petroleira OGX, conseguiu acumular em quatro anos o que a Petrobras acumulou em 25, tudo por obra dos generosos leilões do pré-sal. Sozinho, Eike Batista possui reservas de petróleo da ordem de mais de 30% das reservas reconhecidas dos EUA.
O filme é muito claro, até por ser remake: ou os setores populares se organizam celeremente e de forma contundente, vituperando predatórias estruturas ou, como cantou Chico Buarque "vai passar" por nós mais um ciclo econômico deixando como resíduo: poços vazios de petróleo com sobrenadante de ricos, originários ou não de oligarquias e os depauperados e "vidas secas", continuadamente sujeitos a chuvas e desabamentos, dos quais sempre à espreita está a "vida e morte Severina".
Frederico Lisbôa Romão é doutor em Ciências Sociais pela Unicamp, professor voluntário do Departamento de Serviço Social da Universidade Federal de Sergipe (UFS).
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