segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Fidel Castro e a fé




 MAC MARGOLIS
O ESTADÃO


Fidel Castro logo mais estará de joelhos. Pelo menos assim garante a imprensa italiana, afirmando que o octogenário líder da Revolução Cubana está preparando seu regresso à Igreja Católica. O retorno será dramático, segundo o La Stampa, o maior jornal do país, e ocorrerá em março, durante a visita do papa Bento XVI à ilha. É que aos 85 anos e com a saúde fragilizada, o ditador comunista estaria "mais próximo à religião e a Deus", disse sua filha Alina ao jornal La Reppublica.

A "boa nova" varreu a mídia cristã. O maior ícone vivo do comunismo estará mesmo à beira da penitência? Embora distante do pai, Alina é devota e frequentemente peregrina a Roma, onde goza de trânsito fácil na Santa Sé.

Já uma fonte do Vaticano assegura que o papa terá, sim, um encontro reservado com Fidel a quem concederá a bênção. Mas o resto pode não passar de fumaça benta.

Quando ouviu a "notícia" a historiadora americana Julia Sweig, uma das maiores estudiosas de Cuba contemporânea, soltou uma gargalhada.

"É verdade que a Igreja e o Estado sempre tiveram uma relação diferenciada em Cuba", diz. "Mas isso não indica que uma conversão tardia está nas cartas." O brasileiro Frei Beto, amigo de Fidel e talvez o maior intérprete da alma do ditador, tampouco avaliza a versão italiana.

Mas o que estaria atrás da boataria e qual é a relação real do velho ditador com a fé? Em meio século de socialismo, onde o maior padroeiro usava boina e charuto, a convivência do governo e a Igreja cubanos foi frequentemente tumultuada.

Católico, protestante ou adepto de santeria, os religiosos de Cuba tinham de orar escondidos e se esquecer de Deus se quisessem servir à pátria e ao partido. Não ajudou alguns padres benzerem os rebeldes da Baía dos Porcos, na fracassada invasão apoiada pela CIA. Fidel, famosamente, chegou a cancelar o feriado de Natal de 1969. 

Tamanho foi o estremecimento entre a cruz e o castrismo, que o papa João Paulo XXIII teria excomungado o líder comunista em 1962, mas há controvérsias. Quem conhece Fidel o chama de agnóstico e não ateu. "Alguns têm a fé religiosa, outros a fé de outra espécie. Sempre fui um homem de fé, confiança e otimismo", disse a Frei Betto, autor do livro Fidel e a Religião, publicado em 1985.

Com o tempo, a fé ganhou oxigênio. Desde o papado de João Paulo II, com quem Fidel gozava de "uma química fantástica", segundo Frei Betto, a repressão cedeu lugar à convivência tensa, porém pragmática. No pacto inédito, a Igreja teria compreendido que o comunismo não tinha prazo de validade iminente, enquanto a cúpula comunista se convenceu de que bater em religião era dar murro em ponta de baioneta. Pois até os ideólogos oram.

A partir de 1991, com a reforma do Partido Comunista, os devotos clandestinos no governo já podiam sair do armário. Mais recentemente, a decisão de libertar dezenas de prisioneiros políticos em 2010 foi fruto de um pacto costurado entre o presidente Raúl Castro e o cardeal arcebispo de Havana, Jaime Ortega y Alamino. O mesmo sacerdote teria persuadido o regime a conter os ataques às Damas de Branco, o grupo de parentes dos dissidentes presos. 

Para quem conhece a alma castrista, nada disso surpreende. Questionado se é ateu, Fidel disse a Frei Betto: "Infelizmente, os jesuítas não me imputaram uma formação verdadeiramente da fé cristã". Essa admissão implícita, de que possa existir uma verdadeira formação da fé cristã, talvez anime a torcida cristã.

No evangelho da Igreja Católica contemporânea, que amarga escândalos e a sangria de fiéis, uma alma desviada é um convertido em potencial, mesmo que seja de um tirano. Para quem imagina a contrição do velho ditador e o perdão papal, pode esperar sentado.

Mas vale especular. Como seria a confissão do ditador mais longevo do hemisfério?
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