quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

"É hora de um acordo global"

Achim Steiner
Veja


O diretor do programa de meio ambiente da ONU espera que a Rio+20 enfim defina ações concretas para estimular a "economia verde" e diz que os emergentes estão na dianteira

Vinte anos depois da Rio 92, o Rio de Janeiro vai sediar, em junho, a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável. Chamado de Rio+20, o encontro reunirá mais de 50 000 chefes de estado, de governo, representantes de organizações internacionais e empresários em torno de um objetivo: estabelecer metas concretas para conciliar desenvolvimento com proteção ambiental. Achim Steiner, diretor executivo do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), alemão de 50 anos que nasceu em Carazinho, no Rio Grande do Sul, e fala um português "básico", será o mediador dos debates sobre a preservação dos recursos naturais. Apesar das dificuldades de um acordo que contemple interesses tão díspares, Steiner está otimista. "A economia verde só traz benefícios", disse a VEJA de Nairóbi, no Quênia, onde fica a sede do Pnuma.

Duas décadas depois da Rio 92, parece que muito pouco do que se acordou foi efetivamente feito. Por quê?

Em geral, os países ainda têm muita dificuldade em agir de maneira coordenada, tanto regional quanto internacionalmente. Essa falta de cooperação emperra a execução de tratados de enorme importância para o meio ambiente. Um exemplo é o Protocolo de Kyoto, cujo propósito quando foi firmado, em 1997, era reduzir a emissão de gases do efeito estufa. Sem a assinatura dos Estados Unidos, o tratado praticamente não surtiu efeito. É hora de um acordo global. Para tal, o maior desafio será conjugar os interesses dos diferentes países em torno desse objetivo. A partir daí, teremos resultados mais concretos e rápidos. É verdade que houve pouco avanço na esfera internacional, mas já se vê um progresso considerável em iniciativas realizadas dentro de cada país.

A que o senhor se refere exatamente?

Em 1992, muitos enxergavam as energias renováveis como um luxo, uma tecnologia cara e para poucos. Essa situação mudou. Em 2010, o total de investimentos no setor foi de 211 bilhões de dólares, quantia superior à soma de tudo o que foi investido em óleo, gás e carvão. Acredito que os países finalmente estão percebendo que a transição para uma economia verde gera mais empregos e mais qualidade de vida para a população.

É possível pensar em um tratado sem a cooperação dos Estados Unidos?

Seria ingênuo, se não economicamente inviáve1, pensar no futuro do desenvolvimento sustentável sem a participação dos americanos. Os Estados Unidos são a maior economia do planeta e poluem em proporção igual ao tamanho da sua economia. Falta ao governo americano o esforço de cooperar internacionalmente. Dentro do país, as iniciativas se multiplicam o tempo todo. O estado da Califórnia é exemplar na implementação de empresas de energias renováveis financiadas pelo capital privado e com o apoio do setor público - parceria que considero vital se quisermos assegurar nossa sobrevivência. Mas os Estados Unidos até agora resistiram a acordos de amplitude internacional.

Por que isso acontece?

O maior obstáculo tem a ver com a polêmica em Washington sobre a extensão do papel do governo americano nessa história, o que atrasa qualquer negociação. Para piorar, a discussão foi contaminada pela pregação de alguns grupos que temem pelo futuro das empresas dependentes da extração de combustíveis fósseis. Dito isso, é bom lembrar que a inação dos Estados Unidos não impede que outros países se mexam. Se os americanos parassem de emitir gás carbônico, nem assim os problemas ambientais estariam solucionados. É claro que a não participação americana nos acordos sempre será sentida, mas não podemos fugir do principal. É urgente que os países cheguem a um consenso. Temos uma nova chance agora, com a Rio+20, que contará com lideranças de mais de 100 países. Não é todo dia que conseguimos reunir tanta gente com poder de decisão em um mesmo lugar.

O que o senhor espera do encontro no Rio, em termos concretos?

Espero que efetivamente passe a vigorar um mecanismo internacional que possibilite aos países mais pobres fazer a transição para a economia verde. Falo, basicamente, de um sistema que torne menos arriscado o investimento em lugares instáveis política e economicamente. O mecanismo em si já existe. Trata-se do Fundo Verde para o Clima, criado em 2010 durante a Conferência do Clima da ONU em Cancún, a COP16. Ele permite que países em desenvolvimento recebam recursos de nações industrializadas para reduzir a emissão de gases do efeito estufa. No fim de 2010, os quase 200 países que participaram das negociações decidiram que o Fundo Verde receberia 30 bilhões de dólares até 2012 e, depois disso, 100 bilhões de dólares por ano até 2020. Só que falta ainda um dispositivo para assegurar esse financiamento. Além dessa questão, vamos nos empenhar para que os chefes de estado e de governo presentes se comprometam com um documento em que ainda estamos trabalhando, criado a partir de mais de 6000 páginas de sugestões sobre as lacunas que existem até hoje na implementação dos resultados dos nossos encontros anteriores e sobre os desafios que estão por vir.

Qual o papel do Brasil nesse esforço?

Nos últimos anos, o Brasil tem exercido liderança cada vez maior nas rodadas de negociação globais. Além disso, soube lidar com alguns problemas internos, como o desmatamento. Também conseguiu importantes avanços na erradicação da pobreza. Certamente ainda tem um longo caminho a percorrer. O Brasil continua a ser um dos principais emissores de gases do efeito estufa do mundo, a depredação de matas nativas é responsável por 63% do total de emissões de gás carbônico e metano e sua agricultura responde por 16% desses gases, devido ao tamanho das áreas cultivadas. Ao mesmo tempo, é um dos poucos países que dispensam atenção aos três pilares fundamentais do desenvolvimento sustentável - o social, o econômico e o ambiental. Não é por acaso que sediará novamente a conferência, vinte anos depois. Espero que tire o máximo proveito dessa posição de destaque.

Onde estão os maiores investimentos na economia verde atualmente?

Sem dúvida, nos países emergentes. Eles já contribuem com mais da metade de todas as iniciativas verdes executadas no mundo, por vários motivos. Primeiro, foram menos afetados pela crise financeira e têm mais dinheiro disponível em seu orçamento para aplicar no novo modelo. Depois, seu crescimento vigoroso os deixa sob pressão internacional para que discutam e ponham em prática políticas públicas em defesa da biodiversidade. Mas é também uma questão de visão do futuro. A China, um dos maiores poluidores do planeta, é o país que mais investe atualmente em tecnologia verde. O governo chinês adotou um plano de cinco anos pelo qual se compromete a reduzir em 17% suas emissões de gás carbônico por unidade de seu PIB. Porque se sente em dívida com o planeta? Não, porque percebeu que, para superar os Estados Unidos no posto de superpotência global, tem de investir maciçamente em tecnologia verde.

Como as duas coisas se relacionam?

O raciocínio segue uma lógica simples. A pressão por alimentos e combustíveis só tende a aumentar nas próximas décadas. No ano passado, atingimos a marca de 7 bilhões de habitantes no planeta, e seremos 9 bilhões daqui a quarenta anos, segundo projeções da ONU. Consumiremos mais à medida que a classe média se expandir, principalmente nos países emergentes. Quanto mais caros os alimentos e combustíveis, maiores serão os custos de produção. Países como os Estados Unidos, que continuam investindo no que chamamos de "economia marrom", ou seja, num modelo baseado em energias não renováveis, como os combustíveis fósseis - petróleo, gás e carvão -, deverão ter sérios problemas econômicos pela frente. E é bom lembrar que uma opção desse tipo feita por um país traz danos para todos à sua volta. Daí a necessidade de uma ação coordenada.

Que medidas já tomadas o senhor citaria como bons exemplos?

Os objetivos do que chamamos de "economia verde" são dois: deter a destruição do meio ambiente e assegurar bem-estar à população. As duas coisas estão interligadas e devem caminhar juntas para que possamos alcançar o modelo de desenvolvimento sustentável que almejamos. Muitos países já vêm tomando iniciativas para conservar o meio ambiente que, por tabela, criam empregos, preservam culturas e melhoram a vida da população em geral. Em dezembro passado, o presidente da África do Sul, Jacob Zuma, adotou um plano de governo que resguarda o ecossistema do país. Algo semelhante foi feito em janeiro pelo xeque Mohammed bin Rashid Al Maktoum, de Dubai. Um dos exemplos mais emblemáticos, na minha opinião, é o Quênia. O país sempre dependeu de energia hidrelétrica ou da gerada a partir de combustíveis fósseis para assegurar seu suprimento de eletricidade, que não atende nem 25% da população. Nos próximos cinco anos, estima-se que a capacidade energética do Quênia dobrará com a exploração de fontes renováveis, como a geotérmica e a eólica, beneficiando milhares de pessoas. Isso só será possível com o dinheiro de investidores internacionais, que por sua vez foram atraídos ao país porque o governo criou subsídios e incentivos.

Sem incentivo governamental a preservação do ambiente não anda?

Esse é, sem dúvida, um dos principais instrumentos para a execução de políticas verdes. Sem o empurrão do setor público: dificilmente o novo modelo de desenvolvimento sairá do papel. No caso da África é mais difícil, porque o continente ainda carece de estabilidade política. Em países onde a democracia está mais consolidada, como no Brasil, os parlamentares precisam se esforçar para aprovar leis que incentivem empresas e indústrias a diminuir seu impacto no meio ambiente. Um dos incentivos mais simples de implementar é taxar menos quem emite menos e tributar mais quem lança mais gás carbônico na atmosfera.

Por que as iniciativas nesse setor demoram tanto para sair do papel?

Em primeiro lugar, é preciso lembrar que faz no máximo trinta anos que começamos a entender de fato os riscos das mudanças climáticas e os perigos do aquecimento global. Em segundo, de maneira geral há um desinteresse crônico dos parlamentares por qualquer assunto que não traga resultados políticos de curto prazo, que não renda votos - e, sem o empurrão dos governos, dificilmente as empresas investem em uma área de retorno financeiro tão diluído. E, finalmente com  a crise financeira e a recessão na Europa e nos Estados Unidos, reduziu-se muito a capacidade dos governos de dispor dos orçamentos federais para investir em tecnologia verde. Mas, apesar de tudo, estou otimista em relação ao futuro. Vários países já implantam iniciativas muito positivas que podem ser replicadas em outros. Meu único temor é de que não estejamos reagindo aos problemas de maneira suficientemente rápida.

Recentemente, o físico e prêmio Nobel Ivar Giaever renunciou ao título de sócio da Sociedade Física Americana por considerar anticientífica a ideia de que o aquecimento global é indiscutível. Ele argumenta que em ciência nada é indiscutível. O senhor concorda?

A grande maioria dos cientistas alerta para os efeitos drásticos da ação humana sobre o meio ambiente, mas, como em toda ciência, sempre haverá certa dose de incerteza. Eu ficaria muito feliz se daqui a 100 anos descobríssemos que o aquecimento global tem outra causa. Mas não podemos esperar para ver, sob a ameaça de não termos tempo de garantir a sobrevivência da espécie. A transição para a economia verde faz sentido mesmo que o aquecimento global não seja real. Ao emitir menos gases e gastar menos combustíveis fósseis, reduz-se a dependência de um mercado em que o barril de petróleo pode saltar de 100 para 150 dólares em menos de um dia. Com menos carros, também diminuímos os engarrafamentos. Só temos a ganhar com essas iniciativas.
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