SAMUEL BRITTAN
FOLHA DE SP
Haverá mais intervenções perversas e menos estímulos financeiros do que seria racional
Algo não está certo na economia mundial, ao menos nos países desenvolvidos há mais tempo. Os EUA parecem estar se saindo relativamente bem, por enquanto, mas mesmo em seu caso a produção continua bem inferior à tendência que prevalecia antes da recessão.
A Europa ficou mais para trás, o que diz algo de positivo sobre os pacotes de estímulo do governo americano, em contraste com o sadismo ortodoxo das políticas fiscais impostas pela Alemanha.
Keynes ofereceu uma visão da história mundial nos termos da qual existia uma tendência de que as tentativas de poupança se adiantassem à percepção de investimento.
Ele chegou a formular uma "lei psicológica" no sentido de que "mudanças no ritmo de consumo ocorrem em geral na mesma direção das mudanças no ritmo de crescimento da renda".
O resultado seria um potencial rombo na economia mundial, com desemprego desnecessariamente elevado. Diversos expedientes teriam ajudado a reparar esse rombo, entre os quais a construção de pirâmides e, posteriormente, catedrais.
Por algumas décadas depois da Segunda Guerra, o consumo pareceu subir em alinhamento com a renda, contradizendo Keynes, mas nos últimos anos isso mudou e a lei psicológica keynesiana parece ter ressurgido, o que cria brecha entre a produção potencial e a efetiva.
O que aconteceu? A resposta clichê está na ascensão da China, país no qual proporção espantosamente elevada de uma renda em rápida ascensão seria supostamente poupada -em montante superior ao que a economia seria capaz de absorver internamente. "China" é uma maneira de abreviar um grupo de países com índice alto de poupança.
A questão importante é determinar como o mundo vai lidar com o potencial de poupança excessiva.
A primeira resposta, ingênua, envolve o surgimento de oportunidades de investimento suficientes para absorvê-lo. Mas elas não podem ser criadas do nada.
A segunda abordagem é permitir que juro baixo lide com a pressão, ao tanto estimular o investimento quanto desencorajar a poupança.
A terceira abordagem envolveria suplementar os baixos juros com medidas mais diretas dos BCs, como o "relaxamento quantitativo".
A quarta é reconhecer que, se o setor privado gasta de menos, há oportunidade para estímulo fiscal: gasto público maior ou corte de impostos. É desnecessário dizer que essas perigosas armas podem ter efeito bumerangue, em longo prazo.
A quinta é ação internacional contra os países que poupem demais. Todos temos a esperança de que os cidadãos chineses venham um dia a insistir em desfrutar de proporção maior da prosperidade que seu país vem conquistando. Mas a ideia de que sanções internacionais possam levá-los a isso é absurda.
Uma sexta e perversa abordagem envolve protecionismo disfarçado. O surto de Obama contra a "terceirização" e a preocupação de Cameron com a venda de aviões militares à Índia representam exemplos disso. Expedientes como esses sempre resultam em perda para todos.
Uma sétima falsa resposta, estreitamente relacionada à sexta, depende daquilo que costuma ser designado como "aglomerado de falácias trabalhistas". Governos e empregadores podem tentar distribuir equitativamente o emprego disponível por meio de reduções compulsórias de jornadas de trabalho, antecipação de aposentadorias e outras ideias do tipo. O efeito líquido do processo seria reduzir o poder aquisitivo sem nada fazer para minorar o problema da estagnação elevada.
A oitava abordagem é atacar a "desigualdade". O argumento é que as classes pobres e médias gastem mais de sua renda. Na prática, se essa abordagem for promovida com vigor excessivo, pode desencorajar o investimento e o consumo.
A nona e pessimista resposta é que condições recessivas tendem a gerar um equilíbrio. Se elas persistirem por tempo suficiente, o potencial produtivo é contido, o treinamento e o investimento são desencorajados e os programas de austeridade parecem ter surtido efeito.
O que acontecerá? Uma mistura de todas as respostas acima, com mais intervenções perversas e menos estímulos financeiros do que veríamos em um mundo racional.
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