sábado, 18 de fevereiro de 2012

De herói na Espanha a vilão no Equador

O Globo 

Fiscal de reforma, Garzón é acusado de permitir aparelhamento da Justiça por Correa, o que levou à condenação de jornal QUITO. Alvo da solidariedade de organizações de direitos humanos pelos processos que enfrenta em seu país, o ex-juiz espanhol Baltasar Garzón está sendo acusado de colaborar para a formação de uma Corte Nacional de Justiça subordinada ao presidente do Equador, Rafael Correa - responsável anteontem pela condenação dos donos do jornal "El Universo". A decisão foi criticada por algumas das mesmas entidades que apoiam Garzón. O ex-magistrado espanhol perdeu o direito a exercer o cargo neste mês após o Tribunal Supremo considerá-lo culpado da acusação de ordenar escutas ilegais na investigação de um escândalo de corrupção envolvendo membros do Partido Popular, atualmente no governo. Mas manteve o cargo de chefe da comissão de observadores internacionais da reforma do sistema judiciário equatoriano, integrada entre outros pelo brasileiro Marco Aurélio Garcia, assessor internacional da presidente Dilma Rousseff. 

"Cego, surdo e mudo ante um processo arbitrário" 

A Federação Nacional de Advogados do Equador anunciou que processará Garzón por não acompanhar in loco a reforma - só esteve no país duas vezes desde outubro do ano passado - e ter permitido a escolha de juízes alinhados a Correa para compor a nova Corte Nacional de Justiça, instância máxima do sistema judiciário do país. Anteontem, essa nova corte condenou o jornal "El Universo" a pagar ao presidente indenização de US$ 40 milhões por um editorial em que ele foi chamado de "ditador", além de sentenciar seus três donos e o autor do texto a três anos de prisão. A sentença foi criticada não apenas por entidades que defendem a liberdade de imprensa, como por organizações de defesa dos direitos humanos como a Human Rights Watch, que também criticou a condenação a Garzón. - Nos indigna que Garzón tenha se declarado cego, surdo e mudo ante um processo de seleção de juízes que foram escolhidos de maneira arbitrária - disse o porta-voz da Federação Nacional de Advogados do Equador, Pedro Javier Granja, que acusa o ex-juiz ainda de ser "cúmplice da malversação de fundos estatais" por receber para fazer um trabalho que não executa. Garzón esteve no Equador para a posse da nova Corte Nacional de Justiça. Apesar de seus membros terem sido escolhidos por concurso, opositores denunciam influência política, já que a última e mais importante etapa do concurso foi uma entrevista com membros do governo Correa. Na ocasião, o espanhol disse que analisaria todas as reclamações e denúncias sobre uma suposta irregularidade na escolha, mas que a função da comissão que ele preside não é vigiar a reforma, e sim "opinar se o que se está fazendo obedece à Constituição e ao que determina o referendo (consulta popular de maio de 2011 que deu aval à mudança)". ONU e OEA também criticam sentença contra diário Ontem, funcionários do "El Universo" saíram às ruas de Guayaquil para protestar contra a decisão da Justiça. - A liberdade de expressão vai continuar no país, acima de todas as coisas. Juramos seguir adiante por mais 90 anos para protestar contra os que atropelam essa liberdade - discursou o jornalista Germán Arteta, se referindo ao fato de o "El Universo", jornal mais lido do Equador, ter sido fundado há 90 anos. 

Os relatores de Direitos Humanos da ONU e da OEA (Organização dos Estados Americanos) se somaram às vozes críticas à decisão, expressando sua "profunda preocupação" por uma decisão que "constitui um meio de censura indireta dado seu efeito amedrontador e inibidor do debate sobre assuntos de interesse público". O Instituto Internacional de Jornalistas disse que a decisão é um "duro golpe à liberdade de imprensa e de expressão" e "leva ao debilitamento da democracia" no Equador.
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